ZERO HORA - 28/04
Dois anos atrás tive o prazer de ser entrevistada pelo chef Claude Troisgros, e lembro de que o encontro foi divertido e ao mesmo tempo inusitado pra mim, já que minha relação com as caçarolas sempre foi de intimidade zero.
Pois agora recebi o convite da incrível Neka Menna Barreto para uma entrevista para a tevê que também ocorreria durante o preparativo de alguns quitutes. Minha intimidade com as caçarolas segue a mesma, porém sou amiga da família da Neka há muitos anos, todos gaúchos. Só que meu contato com ela, por ser moradora de São Paulo, era mais restrito. Finalmente, equalizamos essa distância da melhor forma possível: com um bom papo na cozinha.
Quanto mais me aproximo desse universo que desconheço, mais me dou conta do quanto perco por não saber cozinhar. Conversando com a Neka, percebi a filosofia envolvida no processo – ao menos no processo dela, que usa sua colher de pau como uma espécie de varinha de condão, transformando em mágica cada receita aparentemente prosaica.
Neka é uma chef que escolheu a vida como principal ingrediente – não a industrializada, mas a vida em sua origem, em sua raiz. Seu talento está não apenas na criteriosa escolha dos ingredientes, mas na maneira de pensar sobre o que está fazendo e de explorar todas as sensações envolvidas.
Ela perfuma a cozinha com infusões de hortelã, “acorda” as sementes, encontra conexões entre rusticidade e sabor – de tudo Neka extrai um conceito. Cada alimento traz em si um benefício para a memória, para o humor, para a concentração. Ralar uma noz moscada nos ensina a reconhecer limites.
Triturar um bastão de canela fortalece o bíceps. Dissecar uma vagem seca de baunilha (eu nem sabia que a baunilha vinha de uma orquídea) desperta a sensualidade – se você tem acesso à Neka, peça para ela contar os efeitos de esconder um galhinho de baunilha dentro do sutiã. Segundo ela, a mulher para instantaneamente de falar sobre si mesma e, silenciosa, passa a ser quem é. Viajandona? Pode ser, mas descobri com ela que o tempero que faz viajar é outro.
Para quem só se interessa pelo concreto da vida, nada disso faz o menor sentido, porém é justamente sobre sentidos que está se falando aqui. Do amor que há em manusear tâmaras e nozes picadas, da energia que as ervas emanam, da estupidez de se consumir velozmente um prato ultracalórico e depois passar uma tarde inteira digerindo-o. “Gastamos muito tempo com digestão, quando poderíamos estar caminhando mais, dançando, flanando, vivendo até os cem anos com leveza”.
Neka é uma alquimista de personalidade única. Tudo nela é inspirador, desde seus turbantes coloridos até seus pontos de vista. “Estamos nos acostumando com soluções instantâneas, enviando e-mails que chegam a Tóquio em um segundo, comprando comida pronta. Ninguém mais prepara, ninguém mais espera. Se vejo alguém muito agitado, correndo atrás do relógio, recomendo: cozinhe e recupere a noção do tempo real”.
Não bastasse a delícia de suas criações gastronômicas, a querida Nekinha também é craque em dar receitas para nossas almas desnutridas.
domingo, abril 28, 2013
Se a vida fosse fácil - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 28/04
Não se pode amar alguém aprovado pela família, pela igreja e pela sociedade; esses são para casar
Se você pudesse escolher, preferiria ter um marido fiel mas que fosse um mau marido --desses que bebem errado e falam o que não devem, e é, frequentemente, um tédio-- ou um marido infiel e ótimo marido? Difícil escolha, e saiba: um ótimo marido se percebe pelo brilho do olho da mulher.
Teoricamente, um bom marido é aquele que, em primeiro lugar, não trai, e são esses os que as mulheres mais abandonam. Para que uma paixão continue a existir, é preciso que não se tenha muitas certezas, e nenhuma mulher ama um marido fiel demais. Para tudo há limites, até para a fidelidade.
Quais são os homens mais inesquecíveis da vida de uma mulher? São sempre os que mais aprontam, mais desaparecem, mais traem --e não confessam nunca--, mas que a faz mais feliz do que todos os bons rapazes do mundo.
É mais ou menos simples: se um homem é aprovado por todos, nunca é aquele que faz um coração juvenil bater descompassadamente. Não se pode amar alguém aprovado pela família, pela igreja e pela sociedade. Esses são para casar, o que não tem nada a ver com o amor.
Nada pode incendiar mais um romance do que a oposição da família; ela costuma ter razão, quando é contra, e a família está sempre unida contra os "maus" rapazes. E o amor, então? Desde os Capuleto e os Montecchio (famílias de Romeu e Julieta, para quem esqueceu) tem sido assim, e não há modernidade que mude essa regra.
O que mudou foi que hoje não dá nem tempo de alguém ficar contra, porque aí já acabou. E vamos reconhecer, pais e mães estão certos: nessa hora eles estão pensando em seu próprio sossego e em sua própria tranquilidade, no que estão cobertos de razão. Aliás, quase todos têm sempre razão, e algum dia você viu pais e filhos estarem de acordo? Se estão, alguma coisa deve estar errada.
Eles querem, para marido de sua querida filha, estabilidade em todos os sentidos, começando pela financeira, e que os sentimentos do pretendente também sejam estáveis. É até melhor que ele não ame apaixonadamente; melhor que tenha um sentimento calmo, maduro, confiável.
Enquanto isso a filha, com seus hormônios à flor da pele, anseia por um homem que a enlouqueça e a faça perder o rumo de casa.
Esse às vezes até casa (quando ela é rica), mas que ninguém espere dele fidelidade; esquecendo esse pequeno detalhe, costumam ser ótimos maridos, capazes de levar a mulher para um motel numa tarde de segunda-feira, ou a um fim de semana em Nova York, a troco de nada --as crianças ficam com a babá, qual é o problema?
E se for flagrado às 2h da madrugada tomando um uísque na sala, lembrando de como era boa a vida de solteiro, quando a mulher chega devagarzinho e faz a pergunta, aquela --"em que você está pensando?"-- ele vai responder, com a maior sinceridade, "em você, amore". Ela não vai acreditar, mas fica na dúvida: e se for verdade? Esse é um bom marido, e esse casamento vai durar --sobretudo se o pai dela continuar rico.
Mas afinal, você quer saber o que preferem as mulheres, se um marido fiel ou infiel? Refleti sobre o assunto, e acredito que a solução deve ser um homem fiel fingir que é infiel, e o infiel fingir que é fiel. Simples a vida, não?
P.S.¹: Para mandar um Sedex (um envelope com UMA folha de papel), do Rio para São Paulo você paga R$ 30,00.
P.S.²: E Rose, hein? Ela é a cara do PT.
Não se pode amar alguém aprovado pela família, pela igreja e pela sociedade; esses são para casar
Se você pudesse escolher, preferiria ter um marido fiel mas que fosse um mau marido --desses que bebem errado e falam o que não devem, e é, frequentemente, um tédio-- ou um marido infiel e ótimo marido? Difícil escolha, e saiba: um ótimo marido se percebe pelo brilho do olho da mulher.
Teoricamente, um bom marido é aquele que, em primeiro lugar, não trai, e são esses os que as mulheres mais abandonam. Para que uma paixão continue a existir, é preciso que não se tenha muitas certezas, e nenhuma mulher ama um marido fiel demais. Para tudo há limites, até para a fidelidade.
Quais são os homens mais inesquecíveis da vida de uma mulher? São sempre os que mais aprontam, mais desaparecem, mais traem --e não confessam nunca--, mas que a faz mais feliz do que todos os bons rapazes do mundo.
É mais ou menos simples: se um homem é aprovado por todos, nunca é aquele que faz um coração juvenil bater descompassadamente. Não se pode amar alguém aprovado pela família, pela igreja e pela sociedade. Esses são para casar, o que não tem nada a ver com o amor.
Nada pode incendiar mais um romance do que a oposição da família; ela costuma ter razão, quando é contra, e a família está sempre unida contra os "maus" rapazes. E o amor, então? Desde os Capuleto e os Montecchio (famílias de Romeu e Julieta, para quem esqueceu) tem sido assim, e não há modernidade que mude essa regra.
O que mudou foi que hoje não dá nem tempo de alguém ficar contra, porque aí já acabou. E vamos reconhecer, pais e mães estão certos: nessa hora eles estão pensando em seu próprio sossego e em sua própria tranquilidade, no que estão cobertos de razão. Aliás, quase todos têm sempre razão, e algum dia você viu pais e filhos estarem de acordo? Se estão, alguma coisa deve estar errada.
Eles querem, para marido de sua querida filha, estabilidade em todos os sentidos, começando pela financeira, e que os sentimentos do pretendente também sejam estáveis. É até melhor que ele não ame apaixonadamente; melhor que tenha um sentimento calmo, maduro, confiável.
Enquanto isso a filha, com seus hormônios à flor da pele, anseia por um homem que a enlouqueça e a faça perder o rumo de casa.
Esse às vezes até casa (quando ela é rica), mas que ninguém espere dele fidelidade; esquecendo esse pequeno detalhe, costumam ser ótimos maridos, capazes de levar a mulher para um motel numa tarde de segunda-feira, ou a um fim de semana em Nova York, a troco de nada --as crianças ficam com a babá, qual é o problema?
E se for flagrado às 2h da madrugada tomando um uísque na sala, lembrando de como era boa a vida de solteiro, quando a mulher chega devagarzinho e faz a pergunta, aquela --"em que você está pensando?"-- ele vai responder, com a maior sinceridade, "em você, amore". Ela não vai acreditar, mas fica na dúvida: e se for verdade? Esse é um bom marido, e esse casamento vai durar --sobretudo se o pai dela continuar rico.
Mas afinal, você quer saber o que preferem as mulheres, se um marido fiel ou infiel? Refleti sobre o assunto, e acredito que a solução deve ser um homem fiel fingir que é infiel, e o infiel fingir que é fiel. Simples a vida, não?
P.S.¹: Para mandar um Sedex (um envelope com UMA folha de papel), do Rio para São Paulo você paga R$ 30,00.
P.S.²: E Rose, hein? Ela é a cara do PT.
Pernas curtas em Paris - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 28/04
O forte daquele restaurante não é a comida. Outro dia levei lá a Ana Massochi, e a dona dos impecáveis Martín Fierro, La Frontera e Jacarandá torceu polidamente o atilado nariz. O mesmo deveria ter feito eu - afinal, já passei do ponto em que o camarada precisa bambolear a taça e dar a cafungada enológica para concluir que aquele vinho mais escuro é o tinto. Não quero agora bancar a Ana Massochi, mas a verdade é que nunca achei grande coisa o Auberge de Venise, no número 10 da rue Delambre, em Montparnasse. Por que, então, voltei lá com certa insistência?
Um pouco de sentimentalismo, admito, já que um apartamento no mesmo prédio foi a primeira residência parisiense de meus filhos, em 1995. Mas não só. Há no endereço outro valor agregado, no caso, literário: onde hoje fumegam as panelas do Auberge de Venise, há quase cem anos funcionou o Dingo American Bar, até hoje lembrado como reduto de escritores americanos e britânicos que a Gertrude Stein, espécie de madrinha da patota, chamou de "geração perdida". James Joyce, Ezra Pound, Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, aquele pessoal.
Pois bem, teria sido no Dingo que, numa noite de 1925, Hemingway e Fitzgerald se conheceram. Andavam pelos 26 e os 29 anos de idade, respectivamente, o primeiro apenas promissor e ainda durango, o segundo já endinheirado e festejado - é de 1925, exatamente, o romance O Grande Gatsby, sua obra-primíssima.
Todo mundo conhece a história, contada por Hemingway em Paris É uma Festa. A crer no narrador, "uma coisa muito estranha aconteceu" naquela noite. Fitzgerald, já meio chumbado, chegou em companhia de outro americano, Dunc Chaplin, famoso jogador de beisebol. Hemingway ficou mais impressionado com o atleta, "alto e simpático", embora décadas depois ainda pudesse descrever Fitzgerald em detalhes, num naturalismo quase comprometedor: "seus cabelos claros e ondulados", a "testa alta", os "olhos matreiros e cordiais", o queixo "bem construído", as orelhas "perfeitas", o nariz "de linhas finas" e os lábios "longos e delicados" que, "se fossem de moça, seriam os lábios da própria beleza". A tais pormenores teria condições de acrescentar o pênis do colega, que, como se sabe - está em outro capítulo de Paris É uma Festa -, ele veio a conhecer (de vista) algum tempo depois, no toalete de um restaurante, no afã de tranquilizar Fitzgerald, acabrunhado com as dimensões do referido apêndice.
Mas isso, repito, foi depois, quando a amizade já autorizaria tal tipo de inspeção íntima. Naquela noitada no Dingo, tudo o que em Fitzgerald lhe pareceu curto foram as pernas.
Estavam os dois num papo chocho quando o dono delas, tendo avançado por demais no champanhe, pareceu a pique de ter um treco. A cor, diz Hemingway, desapareceu de seu rosto, tornado cera, "uma verdadeira máscara mortuária, quase uma face cadavérica". Alarmado, o futuro romancista de Adeus às Armas enfiou Fitzgerald num táxi e o despachou para casa.
Quem sou eu para pôr em dúvida a veracidade do relato de Hemingway, ou mesmo o do gerente do Auberge de Venise, que orgulhoso me exibiu um calejado balcão de madeira como sendo relíquia do Dingo Bar. Quem sou eu. Mas tudo o que se diz de Fitzgerald em Paris É uma Festa ficou para mim meio suspeito depois que li, já faz tempo, um livro que algum editor brasileiro bem poderia mandar traduzir, Scott and Ernest, em que o pesquisador americano Matthew J. Bruccoli esmiúça a relação dos dois escritores. Bruccoli, autor também de uma estupenda biografia de Fitzgerald, Some Sort of Epic Grandeur, é dessas pacientes formigas que tanto serviço prestam com a rigorosa reconstituição de fatos e personagens. Não é que ele foi atrás de Dunc Chaplin, invocado por Hemingway como testemunha daquele encontro - e soube que o astro do beisebol só foi conhecer Paris muitos anos depois de 1925? Vai ver que a fantasia também tem pernas curtas.
Como ficamos? Tudo o que se pode fazer, a esta altura, é, estando em Paris, visitar o Auberge de Venise. Não recomendo a cozinha, mas o balcão, autêntico ou não, pode ser pretexto para um drinque.
O forte daquele restaurante não é a comida. Outro dia levei lá a Ana Massochi, e a dona dos impecáveis Martín Fierro, La Frontera e Jacarandá torceu polidamente o atilado nariz. O mesmo deveria ter feito eu - afinal, já passei do ponto em que o camarada precisa bambolear a taça e dar a cafungada enológica para concluir que aquele vinho mais escuro é o tinto. Não quero agora bancar a Ana Massochi, mas a verdade é que nunca achei grande coisa o Auberge de Venise, no número 10 da rue Delambre, em Montparnasse. Por que, então, voltei lá com certa insistência?
Um pouco de sentimentalismo, admito, já que um apartamento no mesmo prédio foi a primeira residência parisiense de meus filhos, em 1995. Mas não só. Há no endereço outro valor agregado, no caso, literário: onde hoje fumegam as panelas do Auberge de Venise, há quase cem anos funcionou o Dingo American Bar, até hoje lembrado como reduto de escritores americanos e britânicos que a Gertrude Stein, espécie de madrinha da patota, chamou de "geração perdida". James Joyce, Ezra Pound, Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, aquele pessoal.
Pois bem, teria sido no Dingo que, numa noite de 1925, Hemingway e Fitzgerald se conheceram. Andavam pelos 26 e os 29 anos de idade, respectivamente, o primeiro apenas promissor e ainda durango, o segundo já endinheirado e festejado - é de 1925, exatamente, o romance O Grande Gatsby, sua obra-primíssima.
Todo mundo conhece a história, contada por Hemingway em Paris É uma Festa. A crer no narrador, "uma coisa muito estranha aconteceu" naquela noite. Fitzgerald, já meio chumbado, chegou em companhia de outro americano, Dunc Chaplin, famoso jogador de beisebol. Hemingway ficou mais impressionado com o atleta, "alto e simpático", embora décadas depois ainda pudesse descrever Fitzgerald em detalhes, num naturalismo quase comprometedor: "seus cabelos claros e ondulados", a "testa alta", os "olhos matreiros e cordiais", o queixo "bem construído", as orelhas "perfeitas", o nariz "de linhas finas" e os lábios "longos e delicados" que, "se fossem de moça, seriam os lábios da própria beleza". A tais pormenores teria condições de acrescentar o pênis do colega, que, como se sabe - está em outro capítulo de Paris É uma Festa -, ele veio a conhecer (de vista) algum tempo depois, no toalete de um restaurante, no afã de tranquilizar Fitzgerald, acabrunhado com as dimensões do referido apêndice.
Mas isso, repito, foi depois, quando a amizade já autorizaria tal tipo de inspeção íntima. Naquela noitada no Dingo, tudo o que em Fitzgerald lhe pareceu curto foram as pernas.
Estavam os dois num papo chocho quando o dono delas, tendo avançado por demais no champanhe, pareceu a pique de ter um treco. A cor, diz Hemingway, desapareceu de seu rosto, tornado cera, "uma verdadeira máscara mortuária, quase uma face cadavérica". Alarmado, o futuro romancista de Adeus às Armas enfiou Fitzgerald num táxi e o despachou para casa.
Quem sou eu para pôr em dúvida a veracidade do relato de Hemingway, ou mesmo o do gerente do Auberge de Venise, que orgulhoso me exibiu um calejado balcão de madeira como sendo relíquia do Dingo Bar. Quem sou eu. Mas tudo o que se diz de Fitzgerald em Paris É uma Festa ficou para mim meio suspeito depois que li, já faz tempo, um livro que algum editor brasileiro bem poderia mandar traduzir, Scott and Ernest, em que o pesquisador americano Matthew J. Bruccoli esmiúça a relação dos dois escritores. Bruccoli, autor também de uma estupenda biografia de Fitzgerald, Some Sort of Epic Grandeur, é dessas pacientes formigas que tanto serviço prestam com a rigorosa reconstituição de fatos e personagens. Não é que ele foi atrás de Dunc Chaplin, invocado por Hemingway como testemunha daquele encontro - e soube que o astro do beisebol só foi conhecer Paris muitos anos depois de 1925? Vai ver que a fantasia também tem pernas curtas.
Como ficamos? Tudo o que se pode fazer, a esta altura, é, estando em Paris, visitar o Auberge de Venise. Não recomendo a cozinha, mas o balcão, autêntico ou não, pode ser pretexto para um drinque.
Yo no creo en las brujas, pero... - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 28/04
Einstein chamou de 'fantasmagórico' o efeito à distância entre partículas proposto na física quântica
Quando Newton publicou sua teoria da gravitação universal em 1686, sabia que ia ter problemas com alguns críticos. Afinal, sua teoria descrevia a atração gravitacional de uma massa sobre outra como uma força que, misteriosamente, agia sobre o espaço vazio, meio que fantasmagoricamente.
Como é que a influência do Sol sobre a Terra, da Terra sobre o Sol, deste jornal sobre sua cabeça ou da sua cabeça sobre o jornal atua sem que haja um contato direto?
Esse é o problema da "ação à distância", que ficou sem explicação na teoria do Newton. Aparentemente, tudo se passava instantaneamente: se o Sol deixasse de existir, sentiríamos isso imediatamente --e "cataclismicamente".
Muito esperto, Newton incluiu na conclusão de sua obra uma espécie de ação preventiva contra críticos, argumentando que sua teoria explicava tanta coisa que não precisava explicar a origem da gravidade ou como esta se propagava pelo espaço: "Não farei qualquer hipótese a respeito". Já bastava assim.
Apenas em 1915, Einstein mudou esse quadro com sua teoria da relatividade geral. A ação da gravidade poderia ser ligada à curvatura do espaço em torno de corpos com massa: planetas têm órbitas elípticas em torno do Sol porque o espaço à sua volta é deformado como uma espécie de cone, e a elipse é a curva mais curta nessa geometria.
A teoria de Einstein substituiu a misteriosa ação à distância de Newton por um efeito local, produto da ação da massa sobre o espaço ao seu redor. Se o Sol desaparecesse de repente, não sentiríamos isso instantaneamente: levaria pouco mais de oito minutos, o tempo que demora para a gravidade se propagar do Sol até aqui, na velocidade da luz.
Quando Einstein achou que havia exorcizado o fantasma da ação à distância, eis que ele retorna triunfalmente à física quântica.
Tudo começou em 1926, quando Schrödinger obteve sua equação de onda descrevendo as órbitas do elétron em torno do núcleo atômico.
Era claro que o elétron não podia ser visto como uma mera partícula; já se sabia da "dualidade partícula-onda", na qual objetos podem ser tanto localizados como partículas quanto espalhados como ondas.
Schrödinger supôs que a onda fosse o próprio elétron ou sua carga elétrica espalhada em torno do núcleo, feito um borrão. Logo ficou claro que essa onda não era de matéria, mas de probabilidade: a equação dava a probabilidade de o elétron ser encontrado aqui ou ali. Pior, quando sua posição era medida, a onda entrava em colapso instantaneamente em um ponto --onde estava o elétron. A ação à distância retorna!
O efeito piora quando temos um par de elétrons girando em sentidos opostos. Separando-os e invertendo a direção de um, o outro inverte a sua também, de modo que ambos mantenham seu giro oposto.
O incrível é que isso ocorre instantaneamente, a qualquer distância! Einstein ficou horrorizado com isso, chamando o efeito de fantasmagórico. Pudera, havia-o exorcizado uma vez na gravidade e queria fazê-lo na física quântica.
Mas ele e outros não conseguiram isso: efeitos "não locais" são parte do mundo quântico, confirmados experimentalmente. O significado disso está em aberto. "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay."
Einstein chamou de 'fantasmagórico' o efeito à distância entre partículas proposto na física quântica
Quando Newton publicou sua teoria da gravitação universal em 1686, sabia que ia ter problemas com alguns críticos. Afinal, sua teoria descrevia a atração gravitacional de uma massa sobre outra como uma força que, misteriosamente, agia sobre o espaço vazio, meio que fantasmagoricamente.
Como é que a influência do Sol sobre a Terra, da Terra sobre o Sol, deste jornal sobre sua cabeça ou da sua cabeça sobre o jornal atua sem que haja um contato direto?
Esse é o problema da "ação à distância", que ficou sem explicação na teoria do Newton. Aparentemente, tudo se passava instantaneamente: se o Sol deixasse de existir, sentiríamos isso imediatamente --e "cataclismicamente".
Muito esperto, Newton incluiu na conclusão de sua obra uma espécie de ação preventiva contra críticos, argumentando que sua teoria explicava tanta coisa que não precisava explicar a origem da gravidade ou como esta se propagava pelo espaço: "Não farei qualquer hipótese a respeito". Já bastava assim.
Apenas em 1915, Einstein mudou esse quadro com sua teoria da relatividade geral. A ação da gravidade poderia ser ligada à curvatura do espaço em torno de corpos com massa: planetas têm órbitas elípticas em torno do Sol porque o espaço à sua volta é deformado como uma espécie de cone, e a elipse é a curva mais curta nessa geometria.
A teoria de Einstein substituiu a misteriosa ação à distância de Newton por um efeito local, produto da ação da massa sobre o espaço ao seu redor. Se o Sol desaparecesse de repente, não sentiríamos isso instantaneamente: levaria pouco mais de oito minutos, o tempo que demora para a gravidade se propagar do Sol até aqui, na velocidade da luz.
Quando Einstein achou que havia exorcizado o fantasma da ação à distância, eis que ele retorna triunfalmente à física quântica.
Tudo começou em 1926, quando Schrödinger obteve sua equação de onda descrevendo as órbitas do elétron em torno do núcleo atômico.
Era claro que o elétron não podia ser visto como uma mera partícula; já se sabia da "dualidade partícula-onda", na qual objetos podem ser tanto localizados como partículas quanto espalhados como ondas.
Schrödinger supôs que a onda fosse o próprio elétron ou sua carga elétrica espalhada em torno do núcleo, feito um borrão. Logo ficou claro que essa onda não era de matéria, mas de probabilidade: a equação dava a probabilidade de o elétron ser encontrado aqui ou ali. Pior, quando sua posição era medida, a onda entrava em colapso instantaneamente em um ponto --onde estava o elétron. A ação à distância retorna!
O efeito piora quando temos um par de elétrons girando em sentidos opostos. Separando-os e invertendo a direção de um, o outro inverte a sua também, de modo que ambos mantenham seu giro oposto.
O incrível é que isso ocorre instantaneamente, a qualquer distância! Einstein ficou horrorizado com isso, chamando o efeito de fantasmagórico. Pudera, havia-o exorcizado uma vez na gravidade e queria fazê-lo na física quântica.
Mas ele e outros não conseguiram isso: efeitos "não locais" são parte do mundo quântico, confirmados experimentalmente. O significado disso está em aberto. "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay."
Terror noturno - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
O ESTADÃO - 28/04
Seja o que for que respira na escuridão, não conhece o seu quarto tão bem quanto você
Você acorda no meio da noite com o som de alguém respirando. Você mora sozinho. Não tem cachorro, ou qualquer outro animal. Mas não duvida: alguém, ou algo, está respirando na escuridão do seu quarto, além de você.
Você estende a mão para acender a lâmpada de cabeceira. Hesita. Talvez seja melhor ficar no escuro. Assim você não vê quem ou o que respira na escuridão, mas também não é visto. Seja o que for que respira, também não está enxergando nada. Se for um ladrão, é um ladrão sem lanterna. Se for um bicho, a não ser que tenha visão noturna, também não está enxergando.
Mas aí você pensa: se não vê onde anda, o outro, a coisa arfante, deve esta tateando no escuro. Você tem a terrível premonição de uma mão fria ou uma garra pegajosa agarrando o seu braço. Melhor acender a luz. Mas aí você perde sua vantagem. É visto. Se expõe. E outra coisa: você não tem certeza que quer ver o que está respirando na escuridão. E se for um monstro, um grande réptil escamado? E se for a morte que veio buscar você? E se for a retribuição esperada para todos os seus pecados, na forma de um arcanjo arquejante?
A escuridão lhe protegerá. Seja o que for que respira na escuridão, não conhece o seu quarto tão bem quanto você. Você pode deslizar para fora da cama e ir, pé ante cauteloso pé, até o banheiro, se trancar no banheiro e... E o quê? O celular. Levar o celular para o banheiro e pedir ajuda.
O celular está sobre a sua mesa de cabeceira. Você pode pegar o celular, se deslocar em silêncio até o banheiro, fechar a porta e chamar a polícia. Mas se encontrar o monstro no meio do caminho? O som da respiração está vindo da sua direita, logo a sua esquerda está, em tese, desimpedida. Mas se você esbarrar num corpo quente a caminho do banheiro, aí sim gritará de terror e provavelmente desmaiará.
Calma, pensa você. Muita calma. Está bem, você está pagando pelos seus pecados. Merece uma alucinação como esta, para aprender. Na noite anterior bebeu demais, nem sabe como chegou em casa. A única coisa a fazer agora é voltar a dormir. De manhã, tudo se esclarecerá. Foi um pesadelo, um delírio de culpa, um revide da consciência. Nada disso está realmente acontecendo.
E então você se lembra. Na noite anterior, trouxe alguém para dormir com você. Quem está respirando ao seu lado é... Quem mesmo? Só há uma maneira de descobrir quem você, bêbado, trouxe para a sua cama: acender a lâmpada de cabeceira. Mas de novo você hesita. Não tem certeza que quer ver quem dormiu ao seu lado. O que a luz acesa revelará a seu respeito? Você prefere não saber. Pelo menos até o amanhecer, a escuridão lhe protegerá.
Seja o que for que respira na escuridão, não conhece o seu quarto tão bem quanto você
Você acorda no meio da noite com o som de alguém respirando. Você mora sozinho. Não tem cachorro, ou qualquer outro animal. Mas não duvida: alguém, ou algo, está respirando na escuridão do seu quarto, além de você.
Você estende a mão para acender a lâmpada de cabeceira. Hesita. Talvez seja melhor ficar no escuro. Assim você não vê quem ou o que respira na escuridão, mas também não é visto. Seja o que for que respira, também não está enxergando nada. Se for um ladrão, é um ladrão sem lanterna. Se for um bicho, a não ser que tenha visão noturna, também não está enxergando.
Mas aí você pensa: se não vê onde anda, o outro, a coisa arfante, deve esta tateando no escuro. Você tem a terrível premonição de uma mão fria ou uma garra pegajosa agarrando o seu braço. Melhor acender a luz. Mas aí você perde sua vantagem. É visto. Se expõe. E outra coisa: você não tem certeza que quer ver o que está respirando na escuridão. E se for um monstro, um grande réptil escamado? E se for a morte que veio buscar você? E se for a retribuição esperada para todos os seus pecados, na forma de um arcanjo arquejante?
A escuridão lhe protegerá. Seja o que for que respira na escuridão, não conhece o seu quarto tão bem quanto você. Você pode deslizar para fora da cama e ir, pé ante cauteloso pé, até o banheiro, se trancar no banheiro e... E o quê? O celular. Levar o celular para o banheiro e pedir ajuda.
O celular está sobre a sua mesa de cabeceira. Você pode pegar o celular, se deslocar em silêncio até o banheiro, fechar a porta e chamar a polícia. Mas se encontrar o monstro no meio do caminho? O som da respiração está vindo da sua direita, logo a sua esquerda está, em tese, desimpedida. Mas se você esbarrar num corpo quente a caminho do banheiro, aí sim gritará de terror e provavelmente desmaiará.
Calma, pensa você. Muita calma. Está bem, você está pagando pelos seus pecados. Merece uma alucinação como esta, para aprender. Na noite anterior bebeu demais, nem sabe como chegou em casa. A única coisa a fazer agora é voltar a dormir. De manhã, tudo se esclarecerá. Foi um pesadelo, um delírio de culpa, um revide da consciência. Nada disso está realmente acontecendo.
E então você se lembra. Na noite anterior, trouxe alguém para dormir com você. Quem está respirando ao seu lado é... Quem mesmo? Só há uma maneira de descobrir quem você, bêbado, trouxe para a sua cama: acender a lâmpada de cabeceira. Mas de novo você hesita. Não tem certeza que quer ver quem dormiu ao seu lado. O que a luz acesa revelará a seu respeito? Você prefere não saber. Pelo menos até o amanhecer, a escuridão lhe protegerá.
Ocultos mistérios - TOSTÃO
FOLHA DE SP - 28/04
O futuro do futebol será jogar, de rotina, e não só em partidas heroicas, como fizeram os alemães?
Um leitor me perguntou por que os times brasileiros, e de todo o mundo, com superatletas, amparados pela tecnologia e pela ciência, não repetem, com frequência, o ritmo alucinante e a sufocante marcação por pressão, como fizeram Bayern de Munique e Borussia Dortmund, nas goleadas sobre Barcelona e Real Madrid.
Essas são partidas especiais, heroicas. Não dá para ser herói em todos os jogos. Os apressados já tiraram milhares de conclusões por causa de dois resultados atípicos. Um jogador do Borussia, substituído nos minutos finais da partida, tinha uma cara muito mais de sofrimento, de dor, pela exaustão física e emocional, do que de alegria.
Será esse o futuro do futebol, com atletas perfeitos fisicamente, atuando, de rotina, no limite físico, associados ao talento individual? Ou será a união do futebol com o rúgbi?
Muitas equipes que atuam com essa intensidade jogam mal e perdem. A garra está próxima da intranquilidade. Muitos técnicos acham que pressionar demais quem está com a bola é um suicídio, pois, quando a marcação avança e não recupera a bola, abrem-se grandes espaços na defesa. Esse tem sido um dos vários problemas do Barcelona, que não desarma tanto quanto antes.
A seleção brasileira, contra o Chile, não pressionou nem recuou, para marcar com muitos jogadores. O Chile, também só com jogadores que atuam na América do Sul, a maioria reserva da seleção principal, foi, coletivamente, muito melhor. Eles também tiveram pouco tempo para treinar. A razão principal da inexistência de jogo coletivo da seleção brasileira não é a falta de tempo, e sim porque nosso futebol desaprendeu a jogar coletivamente.
Real Madrid e Barcelona, que está em uma situação muito pior, só chegarão à final se fizerem partidas heroicas, além de atuações desastrosas dos alemães e de uma sequência favorável de acasos.
Nem mesmo os mistérios do futebol são capazes de ocultar tantas surpresas.
Assistirei, em Munique, pela TV, às partidas de volta da Copa dos Campeões da Europa. É uma viagem de férias, já programada há meses, por duas semanas. Torci, no sorteio, para que o segundo jogo fosse em Munique. Já tinha até planejado como comprar o ingresso. Dei azar.
MAMATA
Para aproveitar a festa da Copa, o governo, brevemente, vai anistiar todas as dívidas dos clubes, com as alegações de que os clubes são de interesse social, que não visam lucros e que vão quebrar, segundos os dirigentes, se não houver o perdão. Justificam ainda que haverá contrapartida, com os clubes investindo em projetos sociais e na formação de atletas olímpicos. Tudo balela! Essa mamata afronta o cidadão.
Os clubes, que arrecadam hoje muito mais do que antes, são balcões de negócios, rodeados de dezenas de interesses, alguns escusos. Com a anistia, vão aumentar ainda mais os gastos, até oficializarem mais um calote.
O futuro do futebol será jogar, de rotina, e não só em partidas heroicas, como fizeram os alemães?
Um leitor me perguntou por que os times brasileiros, e de todo o mundo, com superatletas, amparados pela tecnologia e pela ciência, não repetem, com frequência, o ritmo alucinante e a sufocante marcação por pressão, como fizeram Bayern de Munique e Borussia Dortmund, nas goleadas sobre Barcelona e Real Madrid.
Essas são partidas especiais, heroicas. Não dá para ser herói em todos os jogos. Os apressados já tiraram milhares de conclusões por causa de dois resultados atípicos. Um jogador do Borussia, substituído nos minutos finais da partida, tinha uma cara muito mais de sofrimento, de dor, pela exaustão física e emocional, do que de alegria.
Será esse o futuro do futebol, com atletas perfeitos fisicamente, atuando, de rotina, no limite físico, associados ao talento individual? Ou será a união do futebol com o rúgbi?
Muitas equipes que atuam com essa intensidade jogam mal e perdem. A garra está próxima da intranquilidade. Muitos técnicos acham que pressionar demais quem está com a bola é um suicídio, pois, quando a marcação avança e não recupera a bola, abrem-se grandes espaços na defesa. Esse tem sido um dos vários problemas do Barcelona, que não desarma tanto quanto antes.
A seleção brasileira, contra o Chile, não pressionou nem recuou, para marcar com muitos jogadores. O Chile, também só com jogadores que atuam na América do Sul, a maioria reserva da seleção principal, foi, coletivamente, muito melhor. Eles também tiveram pouco tempo para treinar. A razão principal da inexistência de jogo coletivo da seleção brasileira não é a falta de tempo, e sim porque nosso futebol desaprendeu a jogar coletivamente.
Real Madrid e Barcelona, que está em uma situação muito pior, só chegarão à final se fizerem partidas heroicas, além de atuações desastrosas dos alemães e de uma sequência favorável de acasos.
Nem mesmo os mistérios do futebol são capazes de ocultar tantas surpresas.
Assistirei, em Munique, pela TV, às partidas de volta da Copa dos Campeões da Europa. É uma viagem de férias, já programada há meses, por duas semanas. Torci, no sorteio, para que o segundo jogo fosse em Munique. Já tinha até planejado como comprar o ingresso. Dei azar.
MAMATA
Para aproveitar a festa da Copa, o governo, brevemente, vai anistiar todas as dívidas dos clubes, com as alegações de que os clubes são de interesse social, que não visam lucros e que vão quebrar, segundos os dirigentes, se não houver o perdão. Justificam ainda que haverá contrapartida, com os clubes investindo em projetos sociais e na formação de atletas olímpicos. Tudo balela! Essa mamata afronta o cidadão.
Os clubes, que arrecadam hoje muito mais do que antes, são balcões de negócios, rodeados de dezenas de interesses, alguns escusos. Com a anistia, vão aumentar ainda mais os gastos, até oficializarem mais um calote.
Neymar corta o cabelo e PIPOCA! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 28/04
O Dr. Rey vai distribuir bermuda modeladora pro partido todo, o PSC. Partido Social da Chapinha
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pensamento da semana: "Você não é rico como o Messi, sua barriga cresce, seu pau amolece e vai parar na fila do INSS". Bom Domingo! Rarará!
E o Neymar parece Sansão! Cortou o cabelo, pipocou! Neymar corta o cabelo e PIPOCA! Antes estivesse com aquele topete do Pica-pau ou do Mamute da "Era do Gelo"!
E a Selecinha do Felipão parece cachorro correndo atrás de moto. E diz que Deus criou o mundo em seis dias. E no sétimo foi interrompido pelo Galvão!
E um fato abalou o cenário politico. "Ex-presidente Lula terá coluna mensal no New York Times'". Em parceria com o Joel Santana!
E logo no primeiro dia ele gritou pra dona Marisa: "Galega, como se fala Corinthians em inglês?'. Rarará! E o título da primeira coluna do Lula no NYT': "Go, Curíntia". E a segunda "The Pinga is on the Table". Rarará!
E um leitor mandou perguntar como o Lula vai traduzir a palavra mensalão pro inglês. Fácil, Mensalation. Mensalation, Roubolation, Rebolation e Esculhambation!
E esta: "Dr. Rey se filia ao partido do Feliciano". A chapa das chapinhas. Um usa chapinha e outro usa colete sem manga e 30 quilos de gel. O Feliciano quer ganhar plástica de graça do Dr. Hollywood.
E como disse uma amiga minha no Twitter: "Agora, depois da chapinha e da sobrancelha feita, o Feliciano vai usar aquela bermuda modeladora do dr. Rey".
O dr. Rey vai distribuir bermuda modeladora pro partido todo, o PSC. Partido Social da Chapinha. Ou Partido das Sub Celebridades!
E mais esta ainda: "Garçons do senado ganham até R$ 15 mil". Taxa de insalubridade e periculosidade. Rarará!
Já imaginou ter que servir o Renan, o Sarney e o Collor? Eu servia um rato morto. Eu cuspia no cafezinho antes de servir. Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
E a grande pândega da semana: "Carro inteligente atropela Ana Maria Braga". Seleção Natural! O carro inteligente ficou revoltado! E bota um carro inteligente no programa da Lucianta Gimenez. Atropela até o microfone.
E o carro ainda podia dar uma passadinha no "Bem, Amigos" do Galvão. Carro Justiceiro. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
O Dr. Rey vai distribuir bermuda modeladora pro partido todo, o PSC. Partido Social da Chapinha
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pensamento da semana: "Você não é rico como o Messi, sua barriga cresce, seu pau amolece e vai parar na fila do INSS". Bom Domingo! Rarará!
E o Neymar parece Sansão! Cortou o cabelo, pipocou! Neymar corta o cabelo e PIPOCA! Antes estivesse com aquele topete do Pica-pau ou do Mamute da "Era do Gelo"!
E a Selecinha do Felipão parece cachorro correndo atrás de moto. E diz que Deus criou o mundo em seis dias. E no sétimo foi interrompido pelo Galvão!
E um fato abalou o cenário politico. "Ex-presidente Lula terá coluna mensal no New York Times'". Em parceria com o Joel Santana!
E logo no primeiro dia ele gritou pra dona Marisa: "Galega, como se fala Corinthians em inglês?'. Rarará! E o título da primeira coluna do Lula no NYT': "Go, Curíntia". E a segunda "The Pinga is on the Table". Rarará!
E um leitor mandou perguntar como o Lula vai traduzir a palavra mensalão pro inglês. Fácil, Mensalation. Mensalation, Roubolation, Rebolation e Esculhambation!
E esta: "Dr. Rey se filia ao partido do Feliciano". A chapa das chapinhas. Um usa chapinha e outro usa colete sem manga e 30 quilos de gel. O Feliciano quer ganhar plástica de graça do Dr. Hollywood.
E como disse uma amiga minha no Twitter: "Agora, depois da chapinha e da sobrancelha feita, o Feliciano vai usar aquela bermuda modeladora do dr. Rey".
O dr. Rey vai distribuir bermuda modeladora pro partido todo, o PSC. Partido Social da Chapinha. Ou Partido das Sub Celebridades!
E mais esta ainda: "Garçons do senado ganham até R$ 15 mil". Taxa de insalubridade e periculosidade. Rarará!
Já imaginou ter que servir o Renan, o Sarney e o Collor? Eu servia um rato morto. Eu cuspia no cafezinho antes de servir. Rarará! É mole? É mole, mas sobe!
E a grande pândega da semana: "Carro inteligente atropela Ana Maria Braga". Seleção Natural! O carro inteligente ficou revoltado! E bota um carro inteligente no programa da Lucianta Gimenez. Atropela até o microfone.
E o carro ainda podia dar uma passadinha no "Bem, Amigos" do Galvão. Carro Justiceiro. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Futuro nebuloso - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 28/04
O megadéficit das contas externas, de US$ 24,9 bilhões no trimestre, assusta e preocupa. Mais pela espantosa velocidade de seu surgimento do que pelo valor em si. Para um país com reservas cambiais de US$ 377 bilhões, um saldo negativo das trocas com o exterior não representa risco, desde que seja previsível, transitório e possa ser revertido no curto prazo. Não parece ser o caso do Brasil. A balança comercial e as remessas de lucros e dividendos de empresas estrangeiras têm mostrado déficits elevados e crescentes e só tendem a piorar com a desesperança de um rápido e favorável desfecho para a crise econômica no mundo rico. Em déficit externo, a trajetória é o que importa: se a percepção é de evolução negativa, a luz amarela acende, com risco de avermelhar, e a defesa das reservas enfraquece.
Nos últimos dez anos os Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs) somaram valores que superavam e financiavam o chamado déficit nas transações correntes. Com isso o ingresso e a saída de divisas registrados no balanço de pagamentos do País fecharam positivo todos esses anos. O IED é um financiador saudável, porque é dinheiro bom: vem, fica e é aplicado em investimentos produtivos. Diferentemente do dinheiro oportunista de aplicações financeiras, que busca lucro rápido e fácil e rapidamente vai embora. No trimestre, o ingresso de divisas para investimento não melhorou nem piorou, ficou em US$ 13,3 bilhões, mas foi pouco para cobrir o déficit recorde de US$ 24,9 bilhões, equivalente a 4,31% do PIB. Logo o Banco Central (BC) terá de rever suas previsões para o final de 2013: déficit externo de US$ 67 bilhões e IED de US$ 65 bilhões. Já há estimativas de US$ 70 bilhões para o déficit e de US$ 58 bilhões para investimentos.
Como o IED, a balança comercial também contribuiu nesses dez anos para o fechamento tranquilo do balanço de pagamentos. Desde 2012, porém, a importação disparou, puxada pelos combustíveis, e a exportação perdeu mercados e em valor do produto. A queda de preços atingiu 60% dos produtos exportados e a quantidade embarcada registrou expressivo tombo de 6,8%, segundo a Funcex. A crise externa explica em parte o declínio das exportações. Mas não só. Dois milionários contratos de venda de soja foram cancelados por atraso na entrega, pois o produto ficou parado em caminhões, em filas intermináveis, na estrada até o Porto de Paranaguá (PR), onde seria embarcado. Há, ainda, navios que esperam semanas para atracar em portos saturados e desaparelhados. A falta de investimentos em serviços de infraestrutura atrapalha, encarece a exportação, subtrai competitividade do nosso produto e o País perde receita cambial.
Na importação o governo cometeu erros grosseiros. Incentivou a fabricação de carros e a frota cresceu 7% em 2012. Mas não pensou nas consequências: o consumo de combustíveis disparou e a Petrobrás triplicou as importações (cadê a autossuficiência festejada por Lula?), que pesaram no resultado negativo da balança comercial. Mas o erro é maior: com a inflação batendo à porta, o governo congelou o preço dos combustíveis por longo período e a Petrobrás ficou sem dinheiro para construir novas refinarias e evitar a expansão das importações. Mais erro: como o gasto com importação triplicou, o governo recorreu ao que sabe fazer - em vez de resolver, adia o problema: concedeu mais 50 dias de prazo para a Petrobrás registrar suas importações. O comércio fechou com superávit de US$ 19,4 bilhões em 2012, mas US$ 4,5 bilhões de transações com combustíveis em 2012 foram transferidos para 2013. Chegou a hora de pagar a conta: o déficit comercial atingiu US$ 6,5 bilhões até a terceira semana de abril.
Segundo o BC, a balança comercial foi responsável por 60% do déficit externo e o aumento das remessas de lucros e dividendos, por mais 27%. As empresas estrangeiras vão continuar enviando dinheiro para suas matrizes enfrentarem a crise. A Petrobrás vai continuar importando muito. Estradas e portos não vão melhorar tão cedo.
E o futuro do déficit externo?
O megadéficit das contas externas, de US$ 24,9 bilhões no trimestre, assusta e preocupa. Mais pela espantosa velocidade de seu surgimento do que pelo valor em si. Para um país com reservas cambiais de US$ 377 bilhões, um saldo negativo das trocas com o exterior não representa risco, desde que seja previsível, transitório e possa ser revertido no curto prazo. Não parece ser o caso do Brasil. A balança comercial e as remessas de lucros e dividendos de empresas estrangeiras têm mostrado déficits elevados e crescentes e só tendem a piorar com a desesperança de um rápido e favorável desfecho para a crise econômica no mundo rico. Em déficit externo, a trajetória é o que importa: se a percepção é de evolução negativa, a luz amarela acende, com risco de avermelhar, e a defesa das reservas enfraquece.
Nos últimos dez anos os Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs) somaram valores que superavam e financiavam o chamado déficit nas transações correntes. Com isso o ingresso e a saída de divisas registrados no balanço de pagamentos do País fecharam positivo todos esses anos. O IED é um financiador saudável, porque é dinheiro bom: vem, fica e é aplicado em investimentos produtivos. Diferentemente do dinheiro oportunista de aplicações financeiras, que busca lucro rápido e fácil e rapidamente vai embora. No trimestre, o ingresso de divisas para investimento não melhorou nem piorou, ficou em US$ 13,3 bilhões, mas foi pouco para cobrir o déficit recorde de US$ 24,9 bilhões, equivalente a 4,31% do PIB. Logo o Banco Central (BC) terá de rever suas previsões para o final de 2013: déficit externo de US$ 67 bilhões e IED de US$ 65 bilhões. Já há estimativas de US$ 70 bilhões para o déficit e de US$ 58 bilhões para investimentos.
Como o IED, a balança comercial também contribuiu nesses dez anos para o fechamento tranquilo do balanço de pagamentos. Desde 2012, porém, a importação disparou, puxada pelos combustíveis, e a exportação perdeu mercados e em valor do produto. A queda de preços atingiu 60% dos produtos exportados e a quantidade embarcada registrou expressivo tombo de 6,8%, segundo a Funcex. A crise externa explica em parte o declínio das exportações. Mas não só. Dois milionários contratos de venda de soja foram cancelados por atraso na entrega, pois o produto ficou parado em caminhões, em filas intermináveis, na estrada até o Porto de Paranaguá (PR), onde seria embarcado. Há, ainda, navios que esperam semanas para atracar em portos saturados e desaparelhados. A falta de investimentos em serviços de infraestrutura atrapalha, encarece a exportação, subtrai competitividade do nosso produto e o País perde receita cambial.
Na importação o governo cometeu erros grosseiros. Incentivou a fabricação de carros e a frota cresceu 7% em 2012. Mas não pensou nas consequências: o consumo de combustíveis disparou e a Petrobrás triplicou as importações (cadê a autossuficiência festejada por Lula?), que pesaram no resultado negativo da balança comercial. Mas o erro é maior: com a inflação batendo à porta, o governo congelou o preço dos combustíveis por longo período e a Petrobrás ficou sem dinheiro para construir novas refinarias e evitar a expansão das importações. Mais erro: como o gasto com importação triplicou, o governo recorreu ao que sabe fazer - em vez de resolver, adia o problema: concedeu mais 50 dias de prazo para a Petrobrás registrar suas importações. O comércio fechou com superávit de US$ 19,4 bilhões em 2012, mas US$ 4,5 bilhões de transações com combustíveis em 2012 foram transferidos para 2013. Chegou a hora de pagar a conta: o déficit comercial atingiu US$ 6,5 bilhões até a terceira semana de abril.
Segundo o BC, a balança comercial foi responsável por 60% do déficit externo e o aumento das remessas de lucros e dividendos, por mais 27%. As empresas estrangeiras vão continuar enviando dinheiro para suas matrizes enfrentarem a crise. A Petrobrás vai continuar importando muito. Estradas e portos não vão melhorar tão cedo.
E o futuro do déficit externo?
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 28/04
Considerado um dos melhores do mundo, aeroporto de Hong Kong investe R$ 8,2 bi
Eleito o quarto melhor aeroporto do mundo em 2013 por pesquisa da consultoria inglesa Skytrax, o aeroporto de Hong Kong terá recebido cerca de R$ 8,2 bilhões em investimentos em melhorias desde sua inauguração, em 1998, até 2015.
O montante é 37% maior que o total que será aportado em Guarulhos entre este ano e 2032.
Hoje o aeroporto chinês tem capacidade para 74 milhões de passageiros por ano --número que deverá ser atingido entre 2019 e 2020.
No ano passado, foram 56,5 milhões. No mesmo período, 32,8 milhões de pessoas passaram por Guarulhos.
Para que o aeroporto mantenha a qualidade de seus serviços, duas expansões já estão sendo realizadas. Uma terceira está em fase de estudos de impacto ambiental.
Além de fazer os investimentos, a Autoridade Aeroportuária de Hong Kong, órgão estatal que administra o empreendimento, controla de perto os serviços prestados por empresas terceirizadas, segundo Cissy Chan, diretora do aeroporto.
Até o tempo que as lojas levam para cobrar dos clientes e as consequentes filas dos free shops são analisados.
"Você [a empresa] não tem como fazer tudo sozinho. Por isso, [o controle e a parceria com as terceirizadas] é uma peça-chave", afirma.
Cerca de 65 mil pessoas trabalham atualmente no local. Apenas 1.300 são funcionárias diretas.
Outro diferencial do aeroporto são os preços dos serviços e dos produtos comercializados pelas lojas, que não podem ser diferentes dos praticados em outros pontos da cidade.
"Duas checagens são feitas por ano para garantir que os valores sejam iguais", diz Albert Yau, gerente de varejo.
No aeroporto, há cerca de 350 lojas e restaurantes operados por mais de cem empresas diferentes, segundo dados do órgão estatal.
PARCERIA SÁBIA
O banco UBS e a Casa do Saber assinaram um contrato de patrocínio para a criação de um estúdio, que possibilitará colocar as aulas na internet, e a manutenção de bolsas de estudos para professores da rede pública e estudantes de baixa renda.
Para o empresário Jair Ribeiro, um dos fundadores e membros do conselho da Casa do Saber, o centro de cursos livres entra em uma nova fase. "Queremos democratizar o conteúdo da Casa. Ainda não temos o modelo, mas será a um preço bem acessível", afirma.
"Estamos voltando para o Brasil e queríamos um parceiro com a nossa cara. Cuidamos do ciclo de vida do cliente, não apenas de investimentos", diz Edinardo Figueiredo, CEO de gestão de patrimônio do UBS.
Não há risco de as pessoas quererem só o ensino à distância, segundo Ribeiro.
"Copiam o nosso modelo e, mesmo assim, o último trimestre foi o mais forte desde a criação da Casa", diz.
"Há demanda para tudo. O público da Casa do Saber quer vivenciar, por exemplo, a proximidade com um colunista da Folha que dê um curso aqui."
FRESCOS E FRUTADOS
Produtores franceses da região do Beaujolais, entre Lyon e Mâcon, estão de olho no crescimento do mercado de vinhos no Brasil.
A Inter Beaujolais, instituição francesa que representa cerca de 2.800 produtores, esteve no Brasil, na ExpoVinis, uma das maiores feiras do setor, para abocanhar uma fatia desse mercado promissor.
"Os brasileiros bebem vinhos argentinos e chilenos, que são mais fortes, mas já procuram bebidas mais frutadas e frescas. O Beaujolais responde a essa nova expectativa", diz Anthony Collet, diretor da Inter Beaujolais.
Para conquistar o consumidor, a instituição vai investir em ações de capacitação profissional, de importadores a sommeliers.
As exportações representam 40% da produção de toda a região. "A participação do Brasil ainda é pequena, mas a expectativa é de crescimento de dois dígitos neste ano, tanto em volume como em receita."
Collet compara o Brasil à China. "Hoje os dois possuem crescimento similar no consumo de vinhos."
A Inter Beaujolais recebe apoio financeiro da União Europeia para expandir as suas exportações.
Considerado um dos melhores do mundo, aeroporto de Hong Kong investe R$ 8,2 bi
Eleito o quarto melhor aeroporto do mundo em 2013 por pesquisa da consultoria inglesa Skytrax, o aeroporto de Hong Kong terá recebido cerca de R$ 8,2 bilhões em investimentos em melhorias desde sua inauguração, em 1998, até 2015.
O montante é 37% maior que o total que será aportado em Guarulhos entre este ano e 2032.
Hoje o aeroporto chinês tem capacidade para 74 milhões de passageiros por ano --número que deverá ser atingido entre 2019 e 2020.
No ano passado, foram 56,5 milhões. No mesmo período, 32,8 milhões de pessoas passaram por Guarulhos.
Para que o aeroporto mantenha a qualidade de seus serviços, duas expansões já estão sendo realizadas. Uma terceira está em fase de estudos de impacto ambiental.
Além de fazer os investimentos, a Autoridade Aeroportuária de Hong Kong, órgão estatal que administra o empreendimento, controla de perto os serviços prestados por empresas terceirizadas, segundo Cissy Chan, diretora do aeroporto.
Até o tempo que as lojas levam para cobrar dos clientes e as consequentes filas dos free shops são analisados.
"Você [a empresa] não tem como fazer tudo sozinho. Por isso, [o controle e a parceria com as terceirizadas] é uma peça-chave", afirma.
Cerca de 65 mil pessoas trabalham atualmente no local. Apenas 1.300 são funcionárias diretas.
Outro diferencial do aeroporto são os preços dos serviços e dos produtos comercializados pelas lojas, que não podem ser diferentes dos praticados em outros pontos da cidade.
"Duas checagens são feitas por ano para garantir que os valores sejam iguais", diz Albert Yau, gerente de varejo.
No aeroporto, há cerca de 350 lojas e restaurantes operados por mais de cem empresas diferentes, segundo dados do órgão estatal.
PARCERIA SÁBIA
O banco UBS e a Casa do Saber assinaram um contrato de patrocínio para a criação de um estúdio, que possibilitará colocar as aulas na internet, e a manutenção de bolsas de estudos para professores da rede pública e estudantes de baixa renda.
Para o empresário Jair Ribeiro, um dos fundadores e membros do conselho da Casa do Saber, o centro de cursos livres entra em uma nova fase. "Queremos democratizar o conteúdo da Casa. Ainda não temos o modelo, mas será a um preço bem acessível", afirma.
"Estamos voltando para o Brasil e queríamos um parceiro com a nossa cara. Cuidamos do ciclo de vida do cliente, não apenas de investimentos", diz Edinardo Figueiredo, CEO de gestão de patrimônio do UBS.
Não há risco de as pessoas quererem só o ensino à distância, segundo Ribeiro.
"Copiam o nosso modelo e, mesmo assim, o último trimestre foi o mais forte desde a criação da Casa", diz.
"Há demanda para tudo. O público da Casa do Saber quer vivenciar, por exemplo, a proximidade com um colunista da Folha que dê um curso aqui."
FRESCOS E FRUTADOS
Produtores franceses da região do Beaujolais, entre Lyon e Mâcon, estão de olho no crescimento do mercado de vinhos no Brasil.
A Inter Beaujolais, instituição francesa que representa cerca de 2.800 produtores, esteve no Brasil, na ExpoVinis, uma das maiores feiras do setor, para abocanhar uma fatia desse mercado promissor.
"Os brasileiros bebem vinhos argentinos e chilenos, que são mais fortes, mas já procuram bebidas mais frutadas e frescas. O Beaujolais responde a essa nova expectativa", diz Anthony Collet, diretor da Inter Beaujolais.
Para conquistar o consumidor, a instituição vai investir em ações de capacitação profissional, de importadores a sommeliers.
As exportações representam 40% da produção de toda a região. "A participação do Brasil ainda é pequena, mas a expectativa é de crescimento de dois dígitos neste ano, tanto em volume como em receita."
Collet compara o Brasil à China. "Hoje os dois possuem crescimento similar no consumo de vinhos."
A Inter Beaujolais recebe apoio financeiro da União Europeia para expandir as suas exportações.
A inflação constitucional - MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo - 28/04
Na Nova Inglaterra, região dos EUA onde cresci, havia um ditado célebre sobre o clima. "Se você não gosta do tempo, espere um pouco." Na América Latina tropical, para onde me mudei, traiçoeiro não é o clima, mas as regras do jogo. "Se você não gosta da Constituição, espere um pouco."
Considere a PEC 33, incendiária proposta de emenda constitucional que submeteria certas decisões do Supremo Tribunal Federal à anuência do Congresso. O barulho que se seguiu em Brasília ("golpe", "choque institucional"). É preocupante, mas também bastante familiar. De certa forma, é a trilha sonora da América Latina, onde a democracia é feita de barro, moldado ao bel prazer da mão forte da hora.
Segundo estudiosos, nenhuma região do mundo mexe tanto com sua lei máxima quanto os países abaixo do Rio Grande. Em 18 nações da América Latina, a Constituição foi trocada, em média, 5,7 vezes ao longo do século 20. Cada uma, portanto, morreu moça, com parcos 28 anos de vida.
Os estudiosos falam de constituições plásticas e o historiador venezuelano, Daniel Lansberg-Rodriguez, de "wikiconstitucionalismo", em referência à Wikipedia, a enciclopédia digital, que pode ser acrescida ou reeditada por quase qualquer um.
Codificar leis é um jogo de mais-valia. Nesse quesito, o campeão de plasticidade é a República Dominicana, com 32 cartas distintas desde sua independência, em 1844. No seu cangote, segue a Venezuela, que promulgou 26 Cartas desde 1811.
Quem não redige uma nova Constituição, dá uma recauchutada na antiga. Na Argentina, mexer com a lei magna - a original data de 1853 e a reforma, de 1993 - não é uma coisa bem-vista. Para um executivo ambicioso, o jeito é cavar brechas ou medir forças políticas.
Assim, a presidente Cristina Kirchner desistiu da emenda que a deixaria concorrer a um terceiro mandato consecutivo e, agora, parte para cima do Judiciário, revidando quem dificultou sua ofensiva contra a mídia e para encampar empresas privadas.
O constitucionalismo hiperativo não é exclusividade dos caudilhos. Fernando Henrique Cardoso teve de recorrer a quase três dúzias de emendas constitucionais para remover obstáculos minuciosos da Carta de 1988, apenas para tocar a reforma econômica e promover as privatizações.
Alterações. Culpa das ditaduras? Claro, muitas novas Constituições foram promulgadas no calor da redemocratização.
O detalhismo quase barroco do novo modelo foi uma resposta direta ao grau de repressão do antigo. Resultado: a Constituição do Equador tem 411 emendas. A da Bolívia, 444. Em contraste, a Constituição dos EUA é a mesma há 300 anos, com 27 emendas.
No entanto, paradoxalmente, a cada nova Carta, aperta-se mais as rédeas do poder central latino-americano.
Como a inflação, quanto mais se cria leis máximas, menos vale a regra vigente. Melhor para os autocratas, que alavancam sua maioria política para remendar e interpretar as Cartas como querem, sob o verniz da legitimidade popular.
Pense na Venezuela. O então presidente Hugo Chávez foi derrotado na consulta popular para repaginar a Constituição em 2007. Entretanto, seu ás na manga foi a Carta Bolivariana original, de 1999, que o deixou com tantas ferramentas - controle do Judiciário e governo por decreto - que bastava apertar aqui e ali para conseguir o resto. Dessa forma, o líder revolucionário conseguiu, em 2009, aprovar a reeleição ilimitada, rejeitada dois anos antes.
Vale perguntar por que um caudilho se preocupa em promover leis que não pretenda respeitar? A resposta talvez esteja no DNA da nova autocracia. Em tempos do voto universal e com as câmeras e os eleitores sempre apostos, não convém simplesmente pisotear a vontade pública.
No entanto, envergar as regras, ou muito melhor, criar novas leis sob o argumento de "refundar o país," como quis o presidente boliviano Evo Morales, é uma outra história.
O resultado é o mesmo: desvalorizar a Constituição para maximizar o poder momentâneo. Mais honesto é o regime cubano de Fidel e Raúl Castro. Desde a revolução, em 1959, só houve uma Constituição. O resto é desabafo de bodega.
Na Nova Inglaterra, região dos EUA onde cresci, havia um ditado célebre sobre o clima. "Se você não gosta do tempo, espere um pouco." Na América Latina tropical, para onde me mudei, traiçoeiro não é o clima, mas as regras do jogo. "Se você não gosta da Constituição, espere um pouco."
Considere a PEC 33, incendiária proposta de emenda constitucional que submeteria certas decisões do Supremo Tribunal Federal à anuência do Congresso. O barulho que se seguiu em Brasília ("golpe", "choque institucional"). É preocupante, mas também bastante familiar. De certa forma, é a trilha sonora da América Latina, onde a democracia é feita de barro, moldado ao bel prazer da mão forte da hora.
Segundo estudiosos, nenhuma região do mundo mexe tanto com sua lei máxima quanto os países abaixo do Rio Grande. Em 18 nações da América Latina, a Constituição foi trocada, em média, 5,7 vezes ao longo do século 20. Cada uma, portanto, morreu moça, com parcos 28 anos de vida.
Os estudiosos falam de constituições plásticas e o historiador venezuelano, Daniel Lansberg-Rodriguez, de "wikiconstitucionalismo", em referência à Wikipedia, a enciclopédia digital, que pode ser acrescida ou reeditada por quase qualquer um.
Codificar leis é um jogo de mais-valia. Nesse quesito, o campeão de plasticidade é a República Dominicana, com 32 cartas distintas desde sua independência, em 1844. No seu cangote, segue a Venezuela, que promulgou 26 Cartas desde 1811.
Quem não redige uma nova Constituição, dá uma recauchutada na antiga. Na Argentina, mexer com a lei magna - a original data de 1853 e a reforma, de 1993 - não é uma coisa bem-vista. Para um executivo ambicioso, o jeito é cavar brechas ou medir forças políticas.
Assim, a presidente Cristina Kirchner desistiu da emenda que a deixaria concorrer a um terceiro mandato consecutivo e, agora, parte para cima do Judiciário, revidando quem dificultou sua ofensiva contra a mídia e para encampar empresas privadas.
O constitucionalismo hiperativo não é exclusividade dos caudilhos. Fernando Henrique Cardoso teve de recorrer a quase três dúzias de emendas constitucionais para remover obstáculos minuciosos da Carta de 1988, apenas para tocar a reforma econômica e promover as privatizações.
Alterações. Culpa das ditaduras? Claro, muitas novas Constituições foram promulgadas no calor da redemocratização.
O detalhismo quase barroco do novo modelo foi uma resposta direta ao grau de repressão do antigo. Resultado: a Constituição do Equador tem 411 emendas. A da Bolívia, 444. Em contraste, a Constituição dos EUA é a mesma há 300 anos, com 27 emendas.
No entanto, paradoxalmente, a cada nova Carta, aperta-se mais as rédeas do poder central latino-americano.
Como a inflação, quanto mais se cria leis máximas, menos vale a regra vigente. Melhor para os autocratas, que alavancam sua maioria política para remendar e interpretar as Cartas como querem, sob o verniz da legitimidade popular.
Pense na Venezuela. O então presidente Hugo Chávez foi derrotado na consulta popular para repaginar a Constituição em 2007. Entretanto, seu ás na manga foi a Carta Bolivariana original, de 1999, que o deixou com tantas ferramentas - controle do Judiciário e governo por decreto - que bastava apertar aqui e ali para conseguir o resto. Dessa forma, o líder revolucionário conseguiu, em 2009, aprovar a reeleição ilimitada, rejeitada dois anos antes.
Vale perguntar por que um caudilho se preocupa em promover leis que não pretenda respeitar? A resposta talvez esteja no DNA da nova autocracia. Em tempos do voto universal e com as câmeras e os eleitores sempre apostos, não convém simplesmente pisotear a vontade pública.
No entanto, envergar as regras, ou muito melhor, criar novas leis sob o argumento de "refundar o país," como quis o presidente boliviano Evo Morales, é uma outra história.
O resultado é o mesmo: desvalorizar a Constituição para maximizar o poder momentâneo. Mais honesto é o regime cubano de Fidel e Raúl Castro. Desde a revolução, em 1959, só houve uma Constituição. O resto é desabafo de bodega.
Brasil, colônia da China - CLÓVIS ROSSI
folha de sp - 28/04
Industriais, incomodados com uma concorrência desleal, demonstram que não há uma real parceria
Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia e professor do Ibmec, fez a seguinte comparação em artigo recente: "O comércio com a China aumentou dez vezes na última década. Mas tal expansão foi impulsionada principalmente pelo crescimento dramático da China e seu resultante apetite voraz por commodities minerais e agrícolas em que o Brasil tem vantagens comparativas.
O resultado? Uma tonelada de exportações brasileiras para a China vale cerca de US$ 200. Uma tonelada de exportações chinesas para o Brasil vale mais do que US$ 2 mil. Isso dificilmente poderia ser chamado de parceria".
Tem razão. É muito mais uma relação colonial, o que causa tremendo incômodo à indústria brasileira, até porque 63% dos exportadores queixam-se à CNI (Confederação Nacional da Indústria) de prejuízos com a concorrência chinesa.
Natural, portanto, que a entidade decidisse encomendar um estudo sobre a política industrial chinesa ao escritório King & Spalding, que habitualmente presta consultoria aos governos norte-americano e mexicano quando o assunto é China.
As conclusões põem números nessa relação de tipo colonial. São dados relativamente conhecidos, mas apresentados em conjunto impressionam muito. Cito apenas dois de uma vasta coleção:
O Brasil exporta para a China apenas 7,6% de produtos considerados de alta tecnologia, mas importa 41,4% nessa rubrica.
Já em commodities primárias (produtos típicos de colônia), as exportações brasileiras saltam para 31,6%, enquanto os chineses vendem ao Brasil só 1,6% nessa área.
Conclusão inescapável do relatório: "Esse padrão levou à preocupação no Brasil e em outros países de que a predominância da China nas manufaturas pode levar à desindustrialização em seus parceiros comerciais".
É uma situação que incomoda também o governo tanto que, na agenda de sua visita à China, já faz dois anos, Dilma Rousseff reivindicou uma mudança na qualidade do comércio.
Passados dois anos, o relatório divulgado agora pela CNI demonstra que a reivindicação não produziu mudança alguma.
Nem vai haver mudança, prevê o documento: "Apesar da adoção de políticas orientadas pelo mercado, no fim dos anos 70, o governo da China continua, em todos os níveis, a exercer substancial influência sobre o setor industrial. Os subsídios para indústrias são substanciais, e essa subsidiação tem provavelmente causado danos às indústrias brasileiras concorrentes tanto no mercado doméstico como nos de exportação".
O escritório recomenda que o Brasil recorra à Organização Mundial de Comércio para propor "ações apropriadas", em vista do que leva todo o jeito de ser concorrência desleal, já que a indústria brasileira está, na verdade, competindo com o portentoso Tesouro chinês, não apenas com as suas congêneres.
Resta ver se o governo Dilma terá a coragem de peitar a China para tentar reconduzir a relação para a parceria, em vez de um neocolonialismo.
Industriais, incomodados com uma concorrência desleal, demonstram que não há uma real parceria
Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia e professor do Ibmec, fez a seguinte comparação em artigo recente: "O comércio com a China aumentou dez vezes na última década. Mas tal expansão foi impulsionada principalmente pelo crescimento dramático da China e seu resultante apetite voraz por commodities minerais e agrícolas em que o Brasil tem vantagens comparativas.
O resultado? Uma tonelada de exportações brasileiras para a China vale cerca de US$ 200. Uma tonelada de exportações chinesas para o Brasil vale mais do que US$ 2 mil. Isso dificilmente poderia ser chamado de parceria".
Tem razão. É muito mais uma relação colonial, o que causa tremendo incômodo à indústria brasileira, até porque 63% dos exportadores queixam-se à CNI (Confederação Nacional da Indústria) de prejuízos com a concorrência chinesa.
Natural, portanto, que a entidade decidisse encomendar um estudo sobre a política industrial chinesa ao escritório King & Spalding, que habitualmente presta consultoria aos governos norte-americano e mexicano quando o assunto é China.
As conclusões põem números nessa relação de tipo colonial. São dados relativamente conhecidos, mas apresentados em conjunto impressionam muito. Cito apenas dois de uma vasta coleção:
O Brasil exporta para a China apenas 7,6% de produtos considerados de alta tecnologia, mas importa 41,4% nessa rubrica.
Já em commodities primárias (produtos típicos de colônia), as exportações brasileiras saltam para 31,6%, enquanto os chineses vendem ao Brasil só 1,6% nessa área.
Conclusão inescapável do relatório: "Esse padrão levou à preocupação no Brasil e em outros países de que a predominância da China nas manufaturas pode levar à desindustrialização em seus parceiros comerciais".
É uma situação que incomoda também o governo tanto que, na agenda de sua visita à China, já faz dois anos, Dilma Rousseff reivindicou uma mudança na qualidade do comércio.
Passados dois anos, o relatório divulgado agora pela CNI demonstra que a reivindicação não produziu mudança alguma.
Nem vai haver mudança, prevê o documento: "Apesar da adoção de políticas orientadas pelo mercado, no fim dos anos 70, o governo da China continua, em todos os níveis, a exercer substancial influência sobre o setor industrial. Os subsídios para indústrias são substanciais, e essa subsidiação tem provavelmente causado danos às indústrias brasileiras concorrentes tanto no mercado doméstico como nos de exportação".
O escritório recomenda que o Brasil recorra à Organização Mundial de Comércio para propor "ações apropriadas", em vista do que leva todo o jeito de ser concorrência desleal, já que a indústria brasileira está, na verdade, competindo com o portentoso Tesouro chinês, não apenas com as suas congêneres.
Resta ver se o governo Dilma terá a coragem de peitar a China para tentar reconduzir a relação para a parceria, em vez de um neocolonialismo.
Avançando para trás? - DORRIT HARAZIM
O GLOBO - 28/04
Fosse ele ainda vivo, talvez até mesmo J. Edgar Hoover, o patrono e chefão do FBI de seis presidentes dos Estados Unidos, se surpreenderia com o curso que o caso do atentado de Boston vem tomando.
Hoover, que reinou à frente da polícia federal americana por 37 anos (de 1935 a 1972), com empenho especial no combate a inimigos reais ou imaginários, também estava a postos na mais famosa sexta-feira de meio século atrás. Mais precisamente, na sexta-feira 22 de novembro de 1963. Data indelével para qualquer bípede de qualquer país que naquele dia ouviu a notícia do assassinato, em Dallas, Texas, do jovem presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy .
O crime, que este ano completa 50 anos e promete uma enxurrada de eventos comemorativos, paralisou o país de comoção e horror, mas não de medo. E revelou um culpado, Lee Harvey Oswald, capturado no mesmo dia pelo FBI, e assassinado dois dias depois ao ser transferido para uma prisão. Naqueles tempos de Guerra Fria, seu perfil teria tudo para fazer dele um pária social, um inimigo da pátria. Mas até à morte de Kennedy, ele viveu sem ser incomodado.
Imagine-se os irmãos terroristas Tsarnaev, do atentado de Boston, com uma biografia semelhante à que Lee Oswald ostentava publicamente em plena era Hoover: fuzileiro naval que desertou, aos 19 anos, para o pior dos inimigos do país, a então União Soviética. O próprio regime comunista de Nikita Kruchev parece ter ficado perplexo. Deu-lhe asilo e acomodou-o na aprazível cidade de Minsk, mas manteve-o sob vigilância permanente. O furo numa das paredes de seu apartamento e um miniolho mágico clandestino instalado à época são mostrados até hoje a turistas ou jornalistas interessados na história.
Em 1962, depois de dois anos e meio de vida no socialismo soviético, Oswald cansou e decidiu voltar para casa. Requereu - e obteve - novo passaporte americano, desembarcou nos Estados Unidos com uma esposa e filha russas e instalou-se em Dallas.
Dali em diante passou a ficar sob o radar do FBI de Hoover como comunista declarado, possível espião e alcoólatra. Mas não como assassino em potencial. Sua ficha não sofreu alteração sequer quando ele viajou até o México e fez duas visitas ao consulado de Cuba (o que equivaleria, hoje em dia, a um americano frequentar alguma caverna da al-Qaeda no Afeganistão).
Compare-se esse périplo à ainda incompleta revelação de que Tamerlan Tsarnaev, tido como o cabeça dos irmãos terroristas de Boston, passara a metade de 2012 na Chechênia e no Daguestão, terras onde tinha raízes e onde pode, ou não, ter recebido doutrinamento militante. A notícia foi recebida como verdadeiro escândalo.
"Ele aprendeu algo no lugar para onde viajou e retornou [aos Estados Unidos] com a determinação de matar", proclamou John Kerry, o secretário de Estado americano, sugerindo uma contaminação direta que nenhum dos serviços de inteligência ainda conseguiu comprovar.
Rand Paul, o mesmo senador que no mês passado ocupou a tribuna por 13 horas para exigir do novo secretário da Defesa do governo Barack Obama a promessa de jamais usar aviões não tripulados contra cidadãos americanos em solo doméstico, declarou-se a favor do uso de drones para localizar "um assassino solto na vizinhança". E Greg Ball, deputado republicano de Nova York, um dos estados mais liberais do país, sentiu-se à vontade para indagar: "Por que não recorrer à tortura contra esse indivíduo [Dzhokhar Tsarnaev] para salvar mais vidas?"
Cabe registrar que meio século atrás poucos americanos clamaram por uma vigilância maior dos serviços de inteligência, pelo fato de Lee Oswald ter escapulido do radar de Hoover. Hoje, a exigência é por controle máximo - o FBI jamais poderia ter abandonado a vigilância a Tamerlan, mesmo depois de não ter constatado sinais de ameaça real.
Decorridas duas semanas desde o horrendo atentado, sabe-se que muitas das informações fornecidas em meio à dinâmica dos acontecimentos continham imprecisões e erros, o que é compreensível. Outras revelaram-se desprovidas de qualquer fundamento, induzindo conspiromaníacos a conclusões perigosas e apressadas.
Em algum momento, questões cruciais, como o alegado plano dos irmãos de também explodir Times Square, a "troca de tiros" com o caçula desarmado, o "armamento pesado" que era uma única pistola e outras incongruências, precisarão ser esclarecidas.
Mais incerta é a eficácia da resposta dada pelas autoridades ao atentado. A polícia de Boston, as forças especiais e as equipes do FBI que optaram por lacrar a cidade, manter cativos seus residentes, com a anuência deles, transformar a metrópole numa estrutura-fantasma e paralisar a vida urbana para caçar um terrorista fugitivo que estava a pé pode ter sido um tiro no pé: eficaz na aparência e a curto prazo, difícil de sustentar como política. Além de semear ideias de megalomania em candidatos a terroristas malucos.
Como se sabe, o objetivo de um ato terrorista é aterrorizar o maior número de pessoas. O antídoto mais eficaz, portanto, tende a se alterar o mínimo possível a rotina do menor número possível de cidadãos. No horrendo atentado múltiplo em vários locais de Londres, oito anos atrás, com 52 mortos e mais de 700 feridos, a cidade continuou funcionando embora a polícia acreditasse que os terroristas ainda estivessem vivos (eles explodiram junto com as bombas).
O jornalista israelense Yaakov Katz, que no dia do atentado se encontrava em Cambridge, um dos pontos centrais da caçada aos irmãos terroristas, escreveu: "Qual a mensagem que os Estados Unidos querem passar ao paralisar Boston?... [assim] um único terrorista consegue alterar tantas vidas e possivelmente o mais importante - o jeito americano de viver."
Fosse ele ainda vivo, talvez até mesmo J. Edgar Hoover, o patrono e chefão do FBI de seis presidentes dos Estados Unidos, se surpreenderia com o curso que o caso do atentado de Boston vem tomando.
Hoover, que reinou à frente da polícia federal americana por 37 anos (de 1935 a 1972), com empenho especial no combate a inimigos reais ou imaginários, também estava a postos na mais famosa sexta-feira de meio século atrás. Mais precisamente, na sexta-feira 22 de novembro de 1963. Data indelével para qualquer bípede de qualquer país que naquele dia ouviu a notícia do assassinato, em Dallas, Texas, do jovem presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy .
O crime, que este ano completa 50 anos e promete uma enxurrada de eventos comemorativos, paralisou o país de comoção e horror, mas não de medo. E revelou um culpado, Lee Harvey Oswald, capturado no mesmo dia pelo FBI, e assassinado dois dias depois ao ser transferido para uma prisão. Naqueles tempos de Guerra Fria, seu perfil teria tudo para fazer dele um pária social, um inimigo da pátria. Mas até à morte de Kennedy, ele viveu sem ser incomodado.
Imagine-se os irmãos terroristas Tsarnaev, do atentado de Boston, com uma biografia semelhante à que Lee Oswald ostentava publicamente em plena era Hoover: fuzileiro naval que desertou, aos 19 anos, para o pior dos inimigos do país, a então União Soviética. O próprio regime comunista de Nikita Kruchev parece ter ficado perplexo. Deu-lhe asilo e acomodou-o na aprazível cidade de Minsk, mas manteve-o sob vigilância permanente. O furo numa das paredes de seu apartamento e um miniolho mágico clandestino instalado à época são mostrados até hoje a turistas ou jornalistas interessados na história.
Em 1962, depois de dois anos e meio de vida no socialismo soviético, Oswald cansou e decidiu voltar para casa. Requereu - e obteve - novo passaporte americano, desembarcou nos Estados Unidos com uma esposa e filha russas e instalou-se em Dallas.
Dali em diante passou a ficar sob o radar do FBI de Hoover como comunista declarado, possível espião e alcoólatra. Mas não como assassino em potencial. Sua ficha não sofreu alteração sequer quando ele viajou até o México e fez duas visitas ao consulado de Cuba (o que equivaleria, hoje em dia, a um americano frequentar alguma caverna da al-Qaeda no Afeganistão).
Compare-se esse périplo à ainda incompleta revelação de que Tamerlan Tsarnaev, tido como o cabeça dos irmãos terroristas de Boston, passara a metade de 2012 na Chechênia e no Daguestão, terras onde tinha raízes e onde pode, ou não, ter recebido doutrinamento militante. A notícia foi recebida como verdadeiro escândalo.
"Ele aprendeu algo no lugar para onde viajou e retornou [aos Estados Unidos] com a determinação de matar", proclamou John Kerry, o secretário de Estado americano, sugerindo uma contaminação direta que nenhum dos serviços de inteligência ainda conseguiu comprovar.
Rand Paul, o mesmo senador que no mês passado ocupou a tribuna por 13 horas para exigir do novo secretário da Defesa do governo Barack Obama a promessa de jamais usar aviões não tripulados contra cidadãos americanos em solo doméstico, declarou-se a favor do uso de drones para localizar "um assassino solto na vizinhança". E Greg Ball, deputado republicano de Nova York, um dos estados mais liberais do país, sentiu-se à vontade para indagar: "Por que não recorrer à tortura contra esse indivíduo [Dzhokhar Tsarnaev] para salvar mais vidas?"
Cabe registrar que meio século atrás poucos americanos clamaram por uma vigilância maior dos serviços de inteligência, pelo fato de Lee Oswald ter escapulido do radar de Hoover. Hoje, a exigência é por controle máximo - o FBI jamais poderia ter abandonado a vigilância a Tamerlan, mesmo depois de não ter constatado sinais de ameaça real.
Decorridas duas semanas desde o horrendo atentado, sabe-se que muitas das informações fornecidas em meio à dinâmica dos acontecimentos continham imprecisões e erros, o que é compreensível. Outras revelaram-se desprovidas de qualquer fundamento, induzindo conspiromaníacos a conclusões perigosas e apressadas.
Em algum momento, questões cruciais, como o alegado plano dos irmãos de também explodir Times Square, a "troca de tiros" com o caçula desarmado, o "armamento pesado" que era uma única pistola e outras incongruências, precisarão ser esclarecidas.
Mais incerta é a eficácia da resposta dada pelas autoridades ao atentado. A polícia de Boston, as forças especiais e as equipes do FBI que optaram por lacrar a cidade, manter cativos seus residentes, com a anuência deles, transformar a metrópole numa estrutura-fantasma e paralisar a vida urbana para caçar um terrorista fugitivo que estava a pé pode ter sido um tiro no pé: eficaz na aparência e a curto prazo, difícil de sustentar como política. Além de semear ideias de megalomania em candidatos a terroristas malucos.
Como se sabe, o objetivo de um ato terrorista é aterrorizar o maior número de pessoas. O antídoto mais eficaz, portanto, tende a se alterar o mínimo possível a rotina do menor número possível de cidadãos. No horrendo atentado múltiplo em vários locais de Londres, oito anos atrás, com 52 mortos e mais de 700 feridos, a cidade continuou funcionando embora a polícia acreditasse que os terroristas ainda estivessem vivos (eles explodiram junto com as bombas).
O jornalista israelense Yaakov Katz, que no dia do atentado se encontrava em Cambridge, um dos pontos centrais da caçada aos irmãos terroristas, escreveu: "Qual a mensagem que os Estados Unidos querem passar ao paralisar Boston?... [assim] um único terrorista consegue alterar tantas vidas e possivelmente o mais importante - o jeito americano de viver."
Integração regional - SERGIO FAUSTO
O Estado de S.Paulo - 28/04
Quando, em 2005, Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Diego Maradona encenaram a morte da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em comício paralelo à 4.ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata, o Brasil observou a distância, mas satisfeito. Era o que o governo brasileiro queria. Na ótica da política Sul-Sul, a Alca era anátema. Representaria um projeto de anexação à economia americana. A integração que corresponderia aos interesses nacionais brasileiros seria essencialmente sul-americana, assentada no eixo Brasil, Argentina e Venezuela, nessa ordem.
Essa premissa levou o governo brasileiro a estabelecer relações especiais com Buenos Aires e Caracas. Na longa controvérsia diplomática entre Argentina e Uruguai em torno da instalação de indústrias de papel e celulose na margem uruguaia do rio que divide os dois países, o Brasil lavou as mãos. Nem o bloqueio sistemático de pontes sobre o Rio Uruguai por manifestantes argentinos nem as solicitações do então presidente Tabaré Vázquez, temeroso de uma escalada do conflito, convenceram Brasília a assumir a mediação da discórdia, que acabou resolvida na Corte Internacional de Haia, em favor do Uruguai, em 2010.
Em relação à Venezuela, o governo brasileiro esmerou-se na política de dois pesos e duas medidas. Foi brando com Chávez diante de evidências do apoio de seu governo às Farc e duro com a Colômbia, como deveria ser, quando aviões colombianos bombardearam um acampamento da guerrilha no Equador, em 2008. Não disse uma palavra sobre o crescente autoritarismo do "socialismo do século 21", mas, invocando a cláusula democrática do Mercosul, foi implacável no apoio à punição ao Paraguai quando, em 2012, o Senado desse país votou o impeachment de Fernando Lugo. Seguiu-se a incorporação da Venezuela ao Mercosul, que se processou de maneira atípica e se consumou de modo arbitrário.
Em sua forma atual, o Mercosul reflete a preferência do governo brasileiro, desde Lula, e sobretudo com Dilma, por uma integração externa limitada, pouco exigente em matéria de abertura comercial e estabilidade das regras do jogo e altamente dependente da mediação governamental e do protagonismo do Estado, de suas empresas e de poucas grandes empresas nacionais. Prevalece em Brasília a visão de que o jogo assim armado é favorável ao País. Afinal, o Brasil entra em campo com gigantes como Vale e Petrobrás, companhias privadas brasileiras globais e um banco de investimento, o BNDES, sem igual no Hemisfério Sul. O objetivo comum de evitar a "subordinação" econômica da região aos Estados Unidos, as afinidades políticas entre governos e a suposta capacidade do Brasil de enquadrar o chavismo e o kirchnerismo dentro de certos limites de racionalidade econômica e prudência política assegurariam a convergência, sob a liderança do Brasil, dos interesses nacionais dos três países.
A realidade encarregou-se de mostrar que o "interesse nacional" assim definido tende a misturar negócios privados com políticas de Estado e políticas de Estado com preferências político-ideológicas, e que a propalada liderança brasileira é em grande parte ilusória. Nestes últimos anos, Venezuela e Argentina avançaram ininterruptamente na destruição das instituições formais e informais que assegurariam um funcionamento razoavelmente normal e previsível de suas economias e sociedades. E não hesitaram em contrariar os interesses do Brasil quando assim decidiram fazê-lo. Livres do "imperialismo americano", ambos os países foram submetidos à vontade de um poder nacional estatal exercido de forma personalista e arbitrária. Só isso pode explicar por que a Venezuela, com sua riqueza petroleira, num período de duradoura e exuberante alta dos preços internacionais do petróleo, vive hoje uma crise crônica de escassez de divisas e energia, com desabastecimento de vários produtos e apagões constantes. O mesmo se pode dizer, com diferença de grau apenas, em relação à Argentina, um país que dispõe de amplas reservas de gás natural e petróleo e oferta exportável de bens agropecuários, também favorecidos pelos preços internacionais. E que parece à beira de uma crise cambial.
Empresas brasileiras estão fechando as portas na Argentina. A Vale e a Petrobrás descobriram que o apoio do governo brasileiro não é suficiente para proteger os seus interesses no país vizinho. Na Venezuela, grandes empreiteiras brasileiras têm uma carteira de projetos estimada em US$ 20 bilhões. Só o incerto futuro dirá o retorno que terão esses investimentos. De alguma maneira, o setor privado se ajustará às novas realidades. Empresas desse porte têm capacidade de absorver perdas e redirecionar seus investimentos para lugares mais promissores. Não nos deveríamos preocupar com seus eventuais problemas, a não ser pelo fato de que recursos públicos foram empregados para tornar viável parte significativa de seus investimentos.
Mais importante é reorientar a política externa brasileira para a região, sem jogar fora o bebê com a água do banho. Ela não pode estar dissociada de uma visão mais realista do mundo. O Brasil não precisa reproduzir o modelo de inserção externa adotado por países como Chile, Peru, Colômbia e México. Mas não pode ignorar o fato de que a opção por um modelo Alca plus Ásia, com múltiplos tratados de livre comércio, maior abertura das economias, maior protagonismo do setor privado e menor discricionariedade governamental, vem produzindo resultados consistentemente superiores aos obtidos pela opção por um modelo Mercosul minus Alca. O que está em jogo não são siglas, mas uma revisão dos pressupostos que têm orientado a agenda de desenvolvimento e inserção externa do País nos últimos dez anos. Não é fazer mais do mesmo um pouco melhor. É fazer diferente. E isso requer uma nova visão e uma nova liderança política em Brasília.
Quando, em 2005, Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Diego Maradona encenaram a morte da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em comício paralelo à 4.ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata, o Brasil observou a distância, mas satisfeito. Era o que o governo brasileiro queria. Na ótica da política Sul-Sul, a Alca era anátema. Representaria um projeto de anexação à economia americana. A integração que corresponderia aos interesses nacionais brasileiros seria essencialmente sul-americana, assentada no eixo Brasil, Argentina e Venezuela, nessa ordem.
Essa premissa levou o governo brasileiro a estabelecer relações especiais com Buenos Aires e Caracas. Na longa controvérsia diplomática entre Argentina e Uruguai em torno da instalação de indústrias de papel e celulose na margem uruguaia do rio que divide os dois países, o Brasil lavou as mãos. Nem o bloqueio sistemático de pontes sobre o Rio Uruguai por manifestantes argentinos nem as solicitações do então presidente Tabaré Vázquez, temeroso de uma escalada do conflito, convenceram Brasília a assumir a mediação da discórdia, que acabou resolvida na Corte Internacional de Haia, em favor do Uruguai, em 2010.
Em relação à Venezuela, o governo brasileiro esmerou-se na política de dois pesos e duas medidas. Foi brando com Chávez diante de evidências do apoio de seu governo às Farc e duro com a Colômbia, como deveria ser, quando aviões colombianos bombardearam um acampamento da guerrilha no Equador, em 2008. Não disse uma palavra sobre o crescente autoritarismo do "socialismo do século 21", mas, invocando a cláusula democrática do Mercosul, foi implacável no apoio à punição ao Paraguai quando, em 2012, o Senado desse país votou o impeachment de Fernando Lugo. Seguiu-se a incorporação da Venezuela ao Mercosul, que se processou de maneira atípica e se consumou de modo arbitrário.
Em sua forma atual, o Mercosul reflete a preferência do governo brasileiro, desde Lula, e sobretudo com Dilma, por uma integração externa limitada, pouco exigente em matéria de abertura comercial e estabilidade das regras do jogo e altamente dependente da mediação governamental e do protagonismo do Estado, de suas empresas e de poucas grandes empresas nacionais. Prevalece em Brasília a visão de que o jogo assim armado é favorável ao País. Afinal, o Brasil entra em campo com gigantes como Vale e Petrobrás, companhias privadas brasileiras globais e um banco de investimento, o BNDES, sem igual no Hemisfério Sul. O objetivo comum de evitar a "subordinação" econômica da região aos Estados Unidos, as afinidades políticas entre governos e a suposta capacidade do Brasil de enquadrar o chavismo e o kirchnerismo dentro de certos limites de racionalidade econômica e prudência política assegurariam a convergência, sob a liderança do Brasil, dos interesses nacionais dos três países.
A realidade encarregou-se de mostrar que o "interesse nacional" assim definido tende a misturar negócios privados com políticas de Estado e políticas de Estado com preferências político-ideológicas, e que a propalada liderança brasileira é em grande parte ilusória. Nestes últimos anos, Venezuela e Argentina avançaram ininterruptamente na destruição das instituições formais e informais que assegurariam um funcionamento razoavelmente normal e previsível de suas economias e sociedades. E não hesitaram em contrariar os interesses do Brasil quando assim decidiram fazê-lo. Livres do "imperialismo americano", ambos os países foram submetidos à vontade de um poder nacional estatal exercido de forma personalista e arbitrária. Só isso pode explicar por que a Venezuela, com sua riqueza petroleira, num período de duradoura e exuberante alta dos preços internacionais do petróleo, vive hoje uma crise crônica de escassez de divisas e energia, com desabastecimento de vários produtos e apagões constantes. O mesmo se pode dizer, com diferença de grau apenas, em relação à Argentina, um país que dispõe de amplas reservas de gás natural e petróleo e oferta exportável de bens agropecuários, também favorecidos pelos preços internacionais. E que parece à beira de uma crise cambial.
Empresas brasileiras estão fechando as portas na Argentina. A Vale e a Petrobrás descobriram que o apoio do governo brasileiro não é suficiente para proteger os seus interesses no país vizinho. Na Venezuela, grandes empreiteiras brasileiras têm uma carteira de projetos estimada em US$ 20 bilhões. Só o incerto futuro dirá o retorno que terão esses investimentos. De alguma maneira, o setor privado se ajustará às novas realidades. Empresas desse porte têm capacidade de absorver perdas e redirecionar seus investimentos para lugares mais promissores. Não nos deveríamos preocupar com seus eventuais problemas, a não ser pelo fato de que recursos públicos foram empregados para tornar viável parte significativa de seus investimentos.
Mais importante é reorientar a política externa brasileira para a região, sem jogar fora o bebê com a água do banho. Ela não pode estar dissociada de uma visão mais realista do mundo. O Brasil não precisa reproduzir o modelo de inserção externa adotado por países como Chile, Peru, Colômbia e México. Mas não pode ignorar o fato de que a opção por um modelo Alca plus Ásia, com múltiplos tratados de livre comércio, maior abertura das economias, maior protagonismo do setor privado e menor discricionariedade governamental, vem produzindo resultados consistentemente superiores aos obtidos pela opção por um modelo Mercosul minus Alca. O que está em jogo não são siglas, mas uma revisão dos pressupostos que têm orientado a agenda de desenvolvimento e inserção externa do País nos últimos dez anos. Não é fazer mais do mesmo um pouco melhor. É fazer diferente. E isso requer uma nova visão e uma nova liderança política em Brasília.
A ética da fila - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 28/04
SÃO PAULO - Escritórios da avenida Faria Lima, em São Paulo, estão contratando flanelinhas para estacionar os carros de seus profissionais nas ruas das imediações. O custo mensal fica bem abaixo do de um estacionamento regular. Imaginando que os guardadores não violem nenhuma lei nem regra de trânsito, utilizar seus serviços seria o equivalente de pagar alguém para ficar na fila em seu lugar. Isso é ético?
Como não resisto aos apelos do utilitarismo, não vejo grandes problemas nesse tipo de acerto. Ele não prejudica ninguém e deixa pelo menos duas pessoas mais felizes (quem evitou a espera e o sujeito que recebeu para ficar parado). Mas é claro que nem todo o mundo pensa assim.
Michael Sandel, em "O que o Dinheiro Não Compra", levanta bons argumentos contra a prática. Para o professor de Harvard, dublês de fila, ao forçar que o critério de distribuição de vagas deixe de ser a ordem de chegada para tornar-se monetário, acabam corrompendo as instituições.
Diferentes bens são repartidos segundo diferentes regras. Num leilão, o que vale é o maior lance, mas no cinema prepondera a fila. Universidades tendem a oferecer vagas com base no mérito, já prontos-socorros ordenam tudo pela gravidade. O problema com o dinheiro é que ele é eficiente demais. Sempre que entra por alguma fresta, logo se sobrepõe a critérios alternativos e o resultado final é uma sociedade na qual as diferenças entre ricos e pobres se tornam cada vez mais acentuadas.
Não discordo do diagnóstico, mas vejo dificuldades. Para começar, os argumentos de Sandel também recomendam a proibição da prostituição e da barriga de aluguel, por exemplo, que me parecem atividades legítimas. Mais importante, para opor-se à destruição de valores ocasionada pela monetização, em muitos casos é preciso eleger um padrão universal a ser preservado, o que exige a criação de uma espécie de moral oficial --e isso é para lá de problemático.
SÃO PAULO - Escritórios da avenida Faria Lima, em São Paulo, estão contratando flanelinhas para estacionar os carros de seus profissionais nas ruas das imediações. O custo mensal fica bem abaixo do de um estacionamento regular. Imaginando que os guardadores não violem nenhuma lei nem regra de trânsito, utilizar seus serviços seria o equivalente de pagar alguém para ficar na fila em seu lugar. Isso é ético?
Como não resisto aos apelos do utilitarismo, não vejo grandes problemas nesse tipo de acerto. Ele não prejudica ninguém e deixa pelo menos duas pessoas mais felizes (quem evitou a espera e o sujeito que recebeu para ficar parado). Mas é claro que nem todo o mundo pensa assim.
Michael Sandel, em "O que o Dinheiro Não Compra", levanta bons argumentos contra a prática. Para o professor de Harvard, dublês de fila, ao forçar que o critério de distribuição de vagas deixe de ser a ordem de chegada para tornar-se monetário, acabam corrompendo as instituições.
Diferentes bens são repartidos segundo diferentes regras. Num leilão, o que vale é o maior lance, mas no cinema prepondera a fila. Universidades tendem a oferecer vagas com base no mérito, já prontos-socorros ordenam tudo pela gravidade. O problema com o dinheiro é que ele é eficiente demais. Sempre que entra por alguma fresta, logo se sobrepõe a critérios alternativos e o resultado final é uma sociedade na qual as diferenças entre ricos e pobres se tornam cada vez mais acentuadas.
Não discordo do diagnóstico, mas vejo dificuldades. Para começar, os argumentos de Sandel também recomendam a proibição da prostituição e da barriga de aluguel, por exemplo, que me parecem atividades legítimas. Mais importante, para opor-se à destruição de valores ocasionada pela monetização, em muitos casos é preciso eleger um padrão universal a ser preservado, o que exige a criação de uma espécie de moral oficial --e isso é para lá de problemático.
Cui prodest? Cui bono? - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 28/04
Antigamente, na faculdade de Direito, pelo menos na Bahia, a gente encarava Direito Romano logo no primeiro ano. No vestibular entrava latim, que já tinha sido ministrado durante todo o então curso secundário. Mas a maior parte do pessoal não aprendia a língua, propriamente. O comum era decorar às vezes traduções inteiras, em edições bilíngues dasCatilinárias, da Eneida e de De Bello Gallico. Quando chegávamos ao Direito Romano, a decoreba se estendia a brocardos e máximas jurídicas, que a gente salpicava nas provas para impressionar o professor e declamava nos concursos de oratória que todo ano eram realizados, com torcida e grande empolgação. E, claro, gastávamos farto latinório nos corredores da faculdade e para impressionar terceiros, pois onde já se viu bacharel baiano que volta e meia não solte um latinzinho, se bem que, hoje em dia, o que me contam é que a maior parte dos bacharéis se forma sem saber se expressar nem em português, quanto mais latim. Deve ser maledicência e, de qualquer forma, não vem ao caso.
Mas não foi nas aulas de Direito Romano que pela primeira vez prestei atenção no cui prodest e no cui bono, perguntas de sentido idêntico, feitas quando se busca saber quem se beneficia de determinada situação — a quem aproveita, quem ganha? Foi um pouco depois, quando começamos a estudar Direito e Processo Penal e nos apresentaram casos e julgamentos de crimes misteriosos ou controvertidos. Um bom advogado ou promotor, ao ser confrontado com um desses crimes, ou mesmo qualquer crime, inclusive os aparentemente elucidados, devia deter-se algum tempo nessa indagação, que constituiria quase uma postura metodológica básica. “Cui prodest scelus, is fecit” era a frase de Sêneca que citávamos judiciosamente. Mais ou menos “aquele a quem o crime aproveita foi quem o cometeu”.Parece bastante simples e até intuitivo, condição que ninguém precisaria estudar para inferir. Mas, como sabemos, esta vida é cheia de surpresas e foi assim que, diante de uma notícia que vi num noticiário de televisão, me ocorreu que a perguntinha não é feita tão frequentemente quanto se suporia.
Ou então não é feita de jeito nenhum. A matéria era sobre o roubo de uma carga de cigarros no Rio de Janeiro, se não me engano na Avenida Brasil, em que houve até tiroteio e morreu gente. Mais bandidos, pensamos diante da tevê. É, mais bandidos, mais assaltantes, ladrões e assassinos, polícia neles.
Certo, mas onde fica a perguntinha? Acho que os ladrões de cigarros, se tivessem conseguido levar o caminhão, não iam montar uma barraquinha na Rua Uruguaiana, ou sair oferecendo pacotes de cigarros de casa em casa, a preços de ocasião. Ou seja, os ladrões obviamente ganham com um roubo bem-sucedido, mas quem ganha são apenas eles? Claro que não, pois, como acontece em outros ramos do comércio, quem deve lucrar bem mais não é o “produtor”, mas o atravessador. Alguma empresa ou organização capaz de vender os cigarros “legalmente” está, com certeza, por trás de todos os roubos de cigarros. Não existe loja ou boteco que anuncie cigarros roubados, logo parte do que se compra e vende na praça como legítimo é roubada. E ninguém estoca cigarros para investir.
Todos os outros roubos de mercadorias também têm que ser vistos nessa ótica. Roubaram uma carreta cheia de máquinas de lavar. Novamente se pergunta: os ladrões vão sair de casa em casa, oferecendo máquinas de lavar? Ou computadores, ou televisores, ou liquidificadores? Vão vendê-los na feira? Não vão. Esses aparelhos estarão expostos nas vitrines de alguma loja ou cadeia de lojas, para serem vendidos livremente, quem sabe se em alguma promoção sensacional, sem juros e com o primeiro pagamento depois do carnaval do próximo ano. Evidentemente que não estou acusando nenhuma loja ou cadeia em especial, mas não vejo como as coisas podem deixar de ser assim.
A velha pergunta, portanto, não é feita. E, como perguntar não ofende, por que as investigações, que eu saiba, nunca descobriram essas e outras lojas, das quais deve haver alguns milhares pelo Brasil afora, ou em países com que temos fronteiras? De novo, não posso fazer acusações, mas somente levantar suspeitas perfeitamente lógicas. A quem aproveita não haver investigações? Em primeiro lugar às lojas, mas, logo em seguida, a quem não faz as perguntas, as autoridades que deveriam buscar e flagrar as mercadorias receptadas. Se não buscam nem flagram, é justo desconfiar que algumas mãozonas estão sendo molhadas nesse processo todo, talvez até agentes municipais, estaduais e federais, numa esplêndida operação federativa, que só faz dizer bem da criatividade e da capacidade de trabalhar em conjunto do brasileiro, além da solidez de nossas instituições delinquentes.
Há exemplos ainda mais interessantes, como o caso dos remédios. Até imagino algum ladrão de carga vendendo um laptop na feira de Caruaru, mas remédio, inclusive de tarja preta, é bem mais difícil. Creio que nenhum de vocês deixa de tomar conhecimento, periodicamente, do roubo de um caminhão enorme, carregado de remédios. Que é que fazem com tanto remédio? Como ganham dinheiro com isso? Quanta gente, de farmácias a farmacêuticos ou outros profissionais de saúde, está envolvida nesses roubos? Como é que se desova, sem problemas com a lei, esse material todo? Quem está implicado em todos os processos postos em ação por esses e muitos outros crimes? Enfim, cui prodest?Perguntinha chata, assim como é chata a afirmação de Sêneca. E o pior é que, se a fizermos em relação a alguns dos grandes males brasileiros, as respostas poderão ser até mais inquietantes, porque alguém está sendo beneficiado por eles — e não somos nós.
Antigamente, na faculdade de Direito, pelo menos na Bahia, a gente encarava Direito Romano logo no primeiro ano. No vestibular entrava latim, que já tinha sido ministrado durante todo o então curso secundário. Mas a maior parte do pessoal não aprendia a língua, propriamente. O comum era decorar às vezes traduções inteiras, em edições bilíngues dasCatilinárias, da Eneida e de De Bello Gallico. Quando chegávamos ao Direito Romano, a decoreba se estendia a brocardos e máximas jurídicas, que a gente salpicava nas provas para impressionar o professor e declamava nos concursos de oratória que todo ano eram realizados, com torcida e grande empolgação. E, claro, gastávamos farto latinório nos corredores da faculdade e para impressionar terceiros, pois onde já se viu bacharel baiano que volta e meia não solte um latinzinho, se bem que, hoje em dia, o que me contam é que a maior parte dos bacharéis se forma sem saber se expressar nem em português, quanto mais latim. Deve ser maledicência e, de qualquer forma, não vem ao caso.
Mas não foi nas aulas de Direito Romano que pela primeira vez prestei atenção no cui prodest e no cui bono, perguntas de sentido idêntico, feitas quando se busca saber quem se beneficia de determinada situação — a quem aproveita, quem ganha? Foi um pouco depois, quando começamos a estudar Direito e Processo Penal e nos apresentaram casos e julgamentos de crimes misteriosos ou controvertidos. Um bom advogado ou promotor, ao ser confrontado com um desses crimes, ou mesmo qualquer crime, inclusive os aparentemente elucidados, devia deter-se algum tempo nessa indagação, que constituiria quase uma postura metodológica básica. “Cui prodest scelus, is fecit” era a frase de Sêneca que citávamos judiciosamente. Mais ou menos “aquele a quem o crime aproveita foi quem o cometeu”.Parece bastante simples e até intuitivo, condição que ninguém precisaria estudar para inferir. Mas, como sabemos, esta vida é cheia de surpresas e foi assim que, diante de uma notícia que vi num noticiário de televisão, me ocorreu que a perguntinha não é feita tão frequentemente quanto se suporia.
Ou então não é feita de jeito nenhum. A matéria era sobre o roubo de uma carga de cigarros no Rio de Janeiro, se não me engano na Avenida Brasil, em que houve até tiroteio e morreu gente. Mais bandidos, pensamos diante da tevê. É, mais bandidos, mais assaltantes, ladrões e assassinos, polícia neles.
Certo, mas onde fica a perguntinha? Acho que os ladrões de cigarros, se tivessem conseguido levar o caminhão, não iam montar uma barraquinha na Rua Uruguaiana, ou sair oferecendo pacotes de cigarros de casa em casa, a preços de ocasião. Ou seja, os ladrões obviamente ganham com um roubo bem-sucedido, mas quem ganha são apenas eles? Claro que não, pois, como acontece em outros ramos do comércio, quem deve lucrar bem mais não é o “produtor”, mas o atravessador. Alguma empresa ou organização capaz de vender os cigarros “legalmente” está, com certeza, por trás de todos os roubos de cigarros. Não existe loja ou boteco que anuncie cigarros roubados, logo parte do que se compra e vende na praça como legítimo é roubada. E ninguém estoca cigarros para investir.
Todos os outros roubos de mercadorias também têm que ser vistos nessa ótica. Roubaram uma carreta cheia de máquinas de lavar. Novamente se pergunta: os ladrões vão sair de casa em casa, oferecendo máquinas de lavar? Ou computadores, ou televisores, ou liquidificadores? Vão vendê-los na feira? Não vão. Esses aparelhos estarão expostos nas vitrines de alguma loja ou cadeia de lojas, para serem vendidos livremente, quem sabe se em alguma promoção sensacional, sem juros e com o primeiro pagamento depois do carnaval do próximo ano. Evidentemente que não estou acusando nenhuma loja ou cadeia em especial, mas não vejo como as coisas podem deixar de ser assim.
A velha pergunta, portanto, não é feita. E, como perguntar não ofende, por que as investigações, que eu saiba, nunca descobriram essas e outras lojas, das quais deve haver alguns milhares pelo Brasil afora, ou em países com que temos fronteiras? De novo, não posso fazer acusações, mas somente levantar suspeitas perfeitamente lógicas. A quem aproveita não haver investigações? Em primeiro lugar às lojas, mas, logo em seguida, a quem não faz as perguntas, as autoridades que deveriam buscar e flagrar as mercadorias receptadas. Se não buscam nem flagram, é justo desconfiar que algumas mãozonas estão sendo molhadas nesse processo todo, talvez até agentes municipais, estaduais e federais, numa esplêndida operação federativa, que só faz dizer bem da criatividade e da capacidade de trabalhar em conjunto do brasileiro, além da solidez de nossas instituições delinquentes.
Há exemplos ainda mais interessantes, como o caso dos remédios. Até imagino algum ladrão de carga vendendo um laptop na feira de Caruaru, mas remédio, inclusive de tarja preta, é bem mais difícil. Creio que nenhum de vocês deixa de tomar conhecimento, periodicamente, do roubo de um caminhão enorme, carregado de remédios. Que é que fazem com tanto remédio? Como ganham dinheiro com isso? Quanta gente, de farmácias a farmacêuticos ou outros profissionais de saúde, está envolvida nesses roubos? Como é que se desova, sem problemas com a lei, esse material todo? Quem está implicado em todos os processos postos em ação por esses e muitos outros crimes? Enfim, cui prodest?Perguntinha chata, assim como é chata a afirmação de Sêneca. E o pior é que, se a fizermos em relação a alguns dos grandes males brasileiros, as respostas poderão ser até mais inquietantes, porque alguém está sendo beneficiado por eles — e não somos nós.
Cultura e terror - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 28/04
As diversas concepções religiosas e políticas podem levar os homens a divergências insuperáveis
Essa minha ideia de que o homem é, sobretudo, um ser cultural, não deve ser entendida como uma visão idealizada e otimista, pelos simples fato de que isso o distingue dos outros seres naturais.
Se somos seres culturais, se pensamos e com nosso pensamento inventamos os valores que constituem a nossa humanidade, diferimos dos outros animais, que se atêm a sua animalidade e agem conforme suas necessidades vitais imediatas.
Entendo que, ao contrário dos outros animais, o homem nasceu incompleto e, por essa razão, teve de inventar-se e inventar o mundo em que vive. Por exemplo, um bisão ou um tigre nasce com todos os recursos necessários à sua sobrevivência, mas o homem, para caçar o bisão, teve que inventar a lança.
Isso, no plano material. Mas nasceu incompleto também no plano intelectual, porque é o único animal que se pergunta por que nasceu, que sentido tem a existência. Para responder a essas e outras perguntas, inventou a religião, a filosofia, a ciência e a arte.
Assim, construiu, ao longo da história, uma realidade cultural, inventada, que alcança hoje uma complexidade extraordinária e fascinante. O homem deixou de viver na natureza para viver na cidade que foi criada por ele.
Mas, o fato mesmo de se inventar como ser cultural criou-lhe graves problemas, nascidos, em grande parte, daqueles valores culturais. É que, por serem inventados, variam de uma comunidade humana para outra, gerando muitas vezes conflitos insuperáveis. As diversas concepções filosóficas, religiosas, estéticas e políticas podem levar os homens a divergências insuperáveis e até mesmo a conflitos mortais.
Pode ser que me engane, mas a impressão que tenho é de que o homem, por ser essencialmente os seus valores, tem que afirmá-los perante o outro e obter dele sua aceitação. Se o outro não os aceita, sente-se negado em sua própria existência. Daí por que, a tendência, em certos casos, é levá-lo a aceitá-los por bem ou por mal. Chega-se à agressão, à guerra.
Certamente, nem sempre é assim, depende dos indivíduos e das comunidades humanas; depende sobretudo de quais valores os fundamentam.
De modo geral, é no campo da religião e da política que a intolerância se manifesta com maior frequência e radicalismo. A história humana está marcada por esses conflitos, que resultaram muitas vezes em guerras religiosas, com o sacrifício de centenas de milhares de vidas.
Com o desenvolvimento econômico e ampliação do conhecimento científico, a questão religiosa caiu para segundo plano, enquanto o problema ideológico ganhou o centro das atenções.
A questão da riqueza, da desigualdade social e consequentemente da justiça social tornou-se o núcleo dos conflitos entre as classes e o poder político. Esse fenômeno, que se formou em meados do século 19, ocuparia todo o século 20, com o surgimento dos Estados socialistas. O ápice desse conflito foi a Guerra Fria, resultante do antagonismo entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Surpreendente, porém, é que, em pleno século do desenvolvimento científico e tecnológico, tenha eclodido uma das expressões mais irracionais da intolerância religiosa: o terrorismo islâmico, surgido de uma interpretação fanatizada daquela doutrina.
O terrorismo não nasceu agora mas, a partir do conflito entre judeus e palestinos, lideranças fundamentalistas islâmicas o adotaram como arma de uma guerra santa contra a civilização ocidental, que não segue as palavras sagradas do Corão.
Em consequência disso, homens e mulheres jovens, transformados em bombas humanas, não hesitam em suicidar-se inutilmente, convencidos de que cumprem a vontade de Alá e serão recompensados com o paraíso.
Parece loucura e, de fato, o é, mas diferente da doença psíquica propriamente dita. É uma loucura decorrente do fanatismo político ou religioso, que muda o amor a Deus em ódio aos infiéis.
Embora o Corão condene o assassinato de inocentes, na opinião dos promotores de tais atentados --que matam sobretudo inocentes-- só é proibido matar os "nossos" inocentes, como afirmou Bin Laden, não os inocentes "deles".
Tudo isso mostra que o homem é mesmo um ser cultural, mas que a cultura tanto pode nos transformar em santos como em demônios.
As diversas concepções religiosas e políticas podem levar os homens a divergências insuperáveis
Essa minha ideia de que o homem é, sobretudo, um ser cultural, não deve ser entendida como uma visão idealizada e otimista, pelos simples fato de que isso o distingue dos outros seres naturais.
Se somos seres culturais, se pensamos e com nosso pensamento inventamos os valores que constituem a nossa humanidade, diferimos dos outros animais, que se atêm a sua animalidade e agem conforme suas necessidades vitais imediatas.
Entendo que, ao contrário dos outros animais, o homem nasceu incompleto e, por essa razão, teve de inventar-se e inventar o mundo em que vive. Por exemplo, um bisão ou um tigre nasce com todos os recursos necessários à sua sobrevivência, mas o homem, para caçar o bisão, teve que inventar a lança.
Isso, no plano material. Mas nasceu incompleto também no plano intelectual, porque é o único animal que se pergunta por que nasceu, que sentido tem a existência. Para responder a essas e outras perguntas, inventou a religião, a filosofia, a ciência e a arte.
Assim, construiu, ao longo da história, uma realidade cultural, inventada, que alcança hoje uma complexidade extraordinária e fascinante. O homem deixou de viver na natureza para viver na cidade que foi criada por ele.
Mas, o fato mesmo de se inventar como ser cultural criou-lhe graves problemas, nascidos, em grande parte, daqueles valores culturais. É que, por serem inventados, variam de uma comunidade humana para outra, gerando muitas vezes conflitos insuperáveis. As diversas concepções filosóficas, religiosas, estéticas e políticas podem levar os homens a divergências insuperáveis e até mesmo a conflitos mortais.
Pode ser que me engane, mas a impressão que tenho é de que o homem, por ser essencialmente os seus valores, tem que afirmá-los perante o outro e obter dele sua aceitação. Se o outro não os aceita, sente-se negado em sua própria existência. Daí por que, a tendência, em certos casos, é levá-lo a aceitá-los por bem ou por mal. Chega-se à agressão, à guerra.
Certamente, nem sempre é assim, depende dos indivíduos e das comunidades humanas; depende sobretudo de quais valores os fundamentam.
De modo geral, é no campo da religião e da política que a intolerância se manifesta com maior frequência e radicalismo. A história humana está marcada por esses conflitos, que resultaram muitas vezes em guerras religiosas, com o sacrifício de centenas de milhares de vidas.
Com o desenvolvimento econômico e ampliação do conhecimento científico, a questão religiosa caiu para segundo plano, enquanto o problema ideológico ganhou o centro das atenções.
A questão da riqueza, da desigualdade social e consequentemente da justiça social tornou-se o núcleo dos conflitos entre as classes e o poder político. Esse fenômeno, que se formou em meados do século 19, ocuparia todo o século 20, com o surgimento dos Estados socialistas. O ápice desse conflito foi a Guerra Fria, resultante do antagonismo entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Surpreendente, porém, é que, em pleno século do desenvolvimento científico e tecnológico, tenha eclodido uma das expressões mais irracionais da intolerância religiosa: o terrorismo islâmico, surgido de uma interpretação fanatizada daquela doutrina.
O terrorismo não nasceu agora mas, a partir do conflito entre judeus e palestinos, lideranças fundamentalistas islâmicas o adotaram como arma de uma guerra santa contra a civilização ocidental, que não segue as palavras sagradas do Corão.
Em consequência disso, homens e mulheres jovens, transformados em bombas humanas, não hesitam em suicidar-se inutilmente, convencidos de que cumprem a vontade de Alá e serão recompensados com o paraíso.
Parece loucura e, de fato, o é, mas diferente da doença psíquica propriamente dita. É uma loucura decorrente do fanatismo político ou religioso, que muda o amor a Deus em ódio aos infiéis.
Embora o Corão condene o assassinato de inocentes, na opinião dos promotores de tais atentados --que matam sobretudo inocentes-- só é proibido matar os "nossos" inocentes, como afirmou Bin Laden, não os inocentes "deles".
Tudo isso mostra que o homem é mesmo um ser cultural, mas que a cultura tanto pode nos transformar em santos como em demônios.
A ginga irrelevante - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO
O GLOBO - 28/04
A ideia que se tinha do futebol europeu como um futebol sem cintura custou a morrer. Já deveria ter acabado há 60 anos, com o exemplo da seleção húngara de Puskas e companhia, mas ainda persistiu por muito tempo. O futebol da Europa podia ser eficiente, bem organizado e até vitorioso, mas lhe faltava o nosso poder de improvisação, o nosso talento inato, a nossa ginga. A morte protelada mas definitiva deste preconceito se deve em grande parte à proliferação de canais de TV que hoje mostram todos os campeonatos europeus, numa dieta intensiva de grandes jogos saborosa para quem gosta de futebol, mas que, ao mesmo tempo, nos faz muito mal. Porque o contraste entre o que se vê lá e o que se vê aqui é óbvio. Basta comparar o último jogo da seleção brasileira com as semifinais da Liga dos Campeões da Europa que a televisão está mostrando.
É de se suspirar de inveja.
Mas nem a ginga perdeu seu valor nem, numa surpreendente evolução biológica, os europeus adquiriram cinturas. Jogadores brasileiros continuam a ter sucesso no mundo todo com sua habilidade de nascença e ninguém jamais dirá que um Robben ou um Schweinsteiger, do triturador Bayern Munich, tem ginga, ou o seu equivalente em alemão. O que eles têm é tudo que vem depois da ginga, ou que torna a ginga irrelevante. Schweinsteiger é o maior exemplo atual da falta que “cintura”, com tudo que o termo significa e resume, não faz. O jogador que mais se aproxima de um Schweinsteiger na seleção brasileira é o volante Fernando, e a diferença entre os dois é o que mais acentua o contraste. E como o Felipão não escalou o Fernando para começar o jogo contra o Chile e tem dito que volante que também ataca é uma quimera, corremos o risco de desperdiçar nosso único simulacro de Schweinsteiger.
Eu sei, eu sei. Não se deve admirar super-homens alemães muito rapidamente. É o que nos ensina a história, inclusive do futebol. Mas Schweinsteiger é apenas o exemplo mais evidente no momento do futebol utilitário, que brilha porque funciona, mesmo sem cintura, e que sem o Fernando nós não temos. Talvez a supercobertura do futebol europeu pela TV nos eduque. No fim da Primeira Guerra Mundial, quando os soldados americanos voltavam para casa, fizeram até uma música que perguntava “Como vamos mantê-los trabalhando no campo depois que eles conheceram Paris?” Começou aí a urbanização acelerada do país. Uma transformação parecida pode acontecer no futebol brasileiro, de tanto ver como estão jogando na Europa.
A ideia que se tinha do futebol europeu como um futebol sem cintura custou a morrer. Já deveria ter acabado há 60 anos, com o exemplo da seleção húngara de Puskas e companhia, mas ainda persistiu por muito tempo. O futebol da Europa podia ser eficiente, bem organizado e até vitorioso, mas lhe faltava o nosso poder de improvisação, o nosso talento inato, a nossa ginga. A morte protelada mas definitiva deste preconceito se deve em grande parte à proliferação de canais de TV que hoje mostram todos os campeonatos europeus, numa dieta intensiva de grandes jogos saborosa para quem gosta de futebol, mas que, ao mesmo tempo, nos faz muito mal. Porque o contraste entre o que se vê lá e o que se vê aqui é óbvio. Basta comparar o último jogo da seleção brasileira com as semifinais da Liga dos Campeões da Europa que a televisão está mostrando.
É de se suspirar de inveja.
Mas nem a ginga perdeu seu valor nem, numa surpreendente evolução biológica, os europeus adquiriram cinturas. Jogadores brasileiros continuam a ter sucesso no mundo todo com sua habilidade de nascença e ninguém jamais dirá que um Robben ou um Schweinsteiger, do triturador Bayern Munich, tem ginga, ou o seu equivalente em alemão. O que eles têm é tudo que vem depois da ginga, ou que torna a ginga irrelevante. Schweinsteiger é o maior exemplo atual da falta que “cintura”, com tudo que o termo significa e resume, não faz. O jogador que mais se aproxima de um Schweinsteiger na seleção brasileira é o volante Fernando, e a diferença entre os dois é o que mais acentua o contraste. E como o Felipão não escalou o Fernando para começar o jogo contra o Chile e tem dito que volante que também ataca é uma quimera, corremos o risco de desperdiçar nosso único simulacro de Schweinsteiger.
Eu sei, eu sei. Não se deve admirar super-homens alemães muito rapidamente. É o que nos ensina a história, inclusive do futebol. Mas Schweinsteiger é apenas o exemplo mais evidente no momento do futebol utilitário, que brilha porque funciona, mesmo sem cintura, e que sem o Fernando nós não temos. Talvez a supercobertura do futebol europeu pela TV nos eduque. No fim da Primeira Guerra Mundial, quando os soldados americanos voltavam para casa, fizeram até uma música que perguntava “Como vamos mantê-los trabalhando no campo depois que eles conheceram Paris?” Começou aí a urbanização acelerada do país. Uma transformação parecida pode acontecer no futebol brasileiro, de tanto ver como estão jogando na Europa.
No picadeiro - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 28/04
O ato cogerador da 'crise' é de Gilmar Mendes, a pedido de um partido do próprio Congresso, o PSB
A "crise" entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino que está a "crise", na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um efeito enorme na grande arquibancada chamada país.
Não é verdade, como está propalado, que o Congresso, e nem mesmo uma qualquer de suas comissões, haja aprovado projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente levado a plenário. A CCJ considerou que sim. E nenhum outro passo o projeto deu.
Daí a dizer dos parlamentares que "eles rasgaram a Constituição", como fez o ministro do STF Gilmar Mendes, vai uma distância só equiparável à sua afirmação de que o Brasil estava sob "estado policial", quando, no governo Lula, o mesmo ministro denunciou a existência de gravação do seu telefone, jamais exibida ou comprovada pelo próprio ou pela investigação policial.
De autoria do deputado do PT piauiense Nazareno Fonteles, o projeto, de fato polêmico, não propõe que as decisões do STF sejam submetidas ao Congresso, como está propalado. Isso só aconteceria, é o que propõe, se uma emenda constitucional aprovada no Congresso fosse declarada inconstitucional no STF. Se ao menos 60% dos parlamentares rejeitassem a opinião do STF, a discordância seria submetida à consulta popular. A deliberação do STF prevaleceria, mesmo sem consulta, caso o Congresso não a apreciasse em 90 dias.
Um complemento do projeto propõe que as "súmulas vinculantes" -decisões a serem repetidas por todos os juízes, sejam quais forem os fundamentos que tenham ocasionalmente para sentenciar de outro modo- só poderiam ser impostas com votos de nove dos onze ministros do STF (hoje basta a maioria simples). Em seguida a súmula, que equivale a lei embora não o seja, iria à apreciação do Congresso, para ajustar, ou não, sua natureza.
O projeto propalado como obstáculo à criação de novos partidos, aprovado na Câmara, não é obstáculo. Não impede a criação de partido algum. Propõe, isso sim, que a divisão do dinheiro do Fundo Partidário siga a proporção das bancadas constituídas pela vontade do eleitorado, e não pelas mudanças posteriores de parlamentares, dos partidos que os elegeram para os de novas e raramente legítimas conveniências. Assim também para a divisão do horário eleitoral pago com dinheiro público.
A pedido do PSB presidido pelo pré-candidato Eduardo Campos, Gilmar Mendes concedeu medida limitar que sustou a tramitação do projeto no Congresso, até que o plenário do STF dê a sua decisão a respeito. Se as Casas do Congresso votassem, em urgência urgentíssima, medida interrompendo o andamento de um processo no Supremo Tribunal federal, não seria interferência indevida? Violação do preceito constitucional de independência dos Poderes entre si? Transgressão ao Estado de Direito, ao regime democrático? E quando o Supremo faz a interferência, o que é?
Ao STF compete reconhecer ou negar, se solicitado, a adequação de aprovações do Congresso e de sanções da Presidência da República à Constituição. Outra coisa, seu oposto mesmo, é impedir a tramitação regimental e legal de um projeto no Legislativo, tal como seria fazê-lo na tramitação de um projeto entre partes do Executivo.
O ato intervencionista e cogerador da "crise", atribuído ao STF, é de Gilmar Mendes -e este é o lado lógico e nada surpreendente do ato. Mas o pedido, para intervenção contra competência legítima do Congresso, foi de um partido do próprio Congresso, o PSB, com a aliança do PSDB do pré-candidato Aécio Neves e, ainda, dos recém-amaziados PPS-PMN.
Com o Congresso e o STF, a Constituição está na lona.
O ato cogerador da 'crise' é de Gilmar Mendes, a pedido de um partido do próprio Congresso, o PSB
A "crise" entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino que está a "crise", na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um efeito enorme na grande arquibancada chamada país.
Não é verdade, como está propalado, que o Congresso, e nem mesmo uma qualquer de suas comissões, haja aprovado projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente levado a plenário. A CCJ considerou que sim. E nenhum outro passo o projeto deu.
Daí a dizer dos parlamentares que "eles rasgaram a Constituição", como fez o ministro do STF Gilmar Mendes, vai uma distância só equiparável à sua afirmação de que o Brasil estava sob "estado policial", quando, no governo Lula, o mesmo ministro denunciou a existência de gravação do seu telefone, jamais exibida ou comprovada pelo próprio ou pela investigação policial.
De autoria do deputado do PT piauiense Nazareno Fonteles, o projeto, de fato polêmico, não propõe que as decisões do STF sejam submetidas ao Congresso, como está propalado. Isso só aconteceria, é o que propõe, se uma emenda constitucional aprovada no Congresso fosse declarada inconstitucional no STF. Se ao menos 60% dos parlamentares rejeitassem a opinião do STF, a discordância seria submetida à consulta popular. A deliberação do STF prevaleceria, mesmo sem consulta, caso o Congresso não a apreciasse em 90 dias.
Um complemento do projeto propõe que as "súmulas vinculantes" -decisões a serem repetidas por todos os juízes, sejam quais forem os fundamentos que tenham ocasionalmente para sentenciar de outro modo- só poderiam ser impostas com votos de nove dos onze ministros do STF (hoje basta a maioria simples). Em seguida a súmula, que equivale a lei embora não o seja, iria à apreciação do Congresso, para ajustar, ou não, sua natureza.
O projeto propalado como obstáculo à criação de novos partidos, aprovado na Câmara, não é obstáculo. Não impede a criação de partido algum. Propõe, isso sim, que a divisão do dinheiro do Fundo Partidário siga a proporção das bancadas constituídas pela vontade do eleitorado, e não pelas mudanças posteriores de parlamentares, dos partidos que os elegeram para os de novas e raramente legítimas conveniências. Assim também para a divisão do horário eleitoral pago com dinheiro público.
A pedido do PSB presidido pelo pré-candidato Eduardo Campos, Gilmar Mendes concedeu medida limitar que sustou a tramitação do projeto no Congresso, até que o plenário do STF dê a sua decisão a respeito. Se as Casas do Congresso votassem, em urgência urgentíssima, medida interrompendo o andamento de um processo no Supremo Tribunal federal, não seria interferência indevida? Violação do preceito constitucional de independência dos Poderes entre si? Transgressão ao Estado de Direito, ao regime democrático? E quando o Supremo faz a interferência, o que é?
Ao STF compete reconhecer ou negar, se solicitado, a adequação de aprovações do Congresso e de sanções da Presidência da República à Constituição. Outra coisa, seu oposto mesmo, é impedir a tramitação regimental e legal de um projeto no Legislativo, tal como seria fazê-lo na tramitação de um projeto entre partes do Executivo.
O ato intervencionista e cogerador da "crise", atribuído ao STF, é de Gilmar Mendes -e este é o lado lógico e nada surpreendente do ato. Mas o pedido, para intervenção contra competência legítima do Congresso, foi de um partido do próprio Congresso, o PSB, com a aliança do PSDB do pré-candidato Aécio Neves e, ainda, dos recém-amaziados PPS-PMN.
Com o Congresso e o STF, a Constituição está na lona.
Supremos & extremos - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 28/04
Enquanto segue o truco institucional entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional com lances cada vez mais ousados, os pré-candidatos a presidente da República vão silenciosamente fazendo seu jogo. Deslocam-se com desenvoltura no sentido de colocar mais essa crise no colo do PT, do PMDB e do governo Dilma Rousseff e organizar as rodadas seguintes.
Quanto ao primeiro passo, colocar a crise no colo do governo e do PT é fácil. O primeiro grito de guerra partiu dos petistas, na emenda do deputado Nazareno Fonteles (PI), um petista que procura limitar os poderes do Supremo. Depois, na visão de muitos, veio o PMDB atropelando as normais regimentais para votar tudo a toque de caixa, de forma a não dar tempo de tevê e fundo partidário aos novos partidos, incluindo a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, ex-senadora que obteve 18% das intenções de voto nas eleições de 2010.
Essas foram as sementes que germinaram toda a confusão e têm as digitais do PT, do PMDB, dos grandes partidos e do governo. Medidas extremas. Nunca é demais lembrar o que certa vez dizia o então deputado José Eduardo Cardozo, hoje ministro da Justiça. Ele era mestre em afirmar que a oposição não precisava se preocupar em criar arapucas para os petistas porque eles eram capazes de armá-las sozinhos. Pelo visto, a frase continua bem atual, uma vez que a crise se baseia em ofensivas que um mínimo de racionalidade e de bom senso teria ajudado a evitar.
Enquanto isso, na oposição...
Diante do barulho ensurdecedor desse carnaval de Congresso versus Supremo, o senador Aécio Neves, do PSDB, e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, conversam pelo salão. No papel de pré-candidatos a presidente da República na disputa do ano que vem, trabalharam o conjunto de seus respectivos partidos para ajudar a Rede de Marina Silva e outras novas legendas na manutenção de tempo de tevê e fundo partidário. Agora, entrarão no mês de maio com um novo argumento para estarem juntos. A proposta de emenda constitucional, de Aécio Neves, que fixa o mandato de cinco anos para presidente da República, acabando com a reeleição.
A única forma de diluir essa ligação no momento seria o PT aceitar a emenda que extermina a reeleição. Mas dentro do partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva há quem diga que não dá para levantar essa bola para Aécio Neves cortar. O tema ainda não foi discutido pelas instâncias partidárias, mas a estratégia do PT, pelo menos em princípio, é denunciar a reeleição como uma invenção dos tucanos e do antigo PFL — o que não está errado, uma vez que a emenda geradora do direito de concorrer a dois mandatos foi apresentada pelo deputado Mendonça Filho, ainda no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e aprovada no fim de 1997, ou seja, às vésperas do ano eleitoral, em tempo de ser aplicada. E, agora que o governo petista está em alta perante a população — e se considerando com chances de reeleger Dilma e (será?) até o sucessor —, vem a emenda para acabar com a festa do partido de Lula.
Se os petistas seguirem nessa batida e o PSB fechar com a emenda de Aécio, é mais um tijolinho para separar socialistas de petistas e aproximar Eduardo dos tucanos. E, assim, de grão em grão, as afinidades vão surgindo. E, reza a lenda, quando as afinidades aparecem na política, assim como na vida, as pessoas terminam caminhando juntas. Nem que seja só por um período. Eduardo e Aécio estão nessa fase. Lá na frente é outra história. Afinal, como já disse o governador pernambucano, é preciso ganhar 2013 para chegar em 2014. E, pelo visto, esse vencimento de 2013 do PSB passa longe do PT. Não por acaso, Dilma se embala na Copa. Mas é essa é outra história.
Quanto ao primeiro passo, colocar a crise no colo do governo e do PT é fácil. O primeiro grito de guerra partiu dos petistas, na emenda do deputado Nazareno Fonteles (PI), um petista que procura limitar os poderes do Supremo. Depois, na visão de muitos, veio o PMDB atropelando as normais regimentais para votar tudo a toque de caixa, de forma a não dar tempo de tevê e fundo partidário aos novos partidos, incluindo a Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, ex-senadora que obteve 18% das intenções de voto nas eleições de 2010.
Essas foram as sementes que germinaram toda a confusão e têm as digitais do PT, do PMDB, dos grandes partidos e do governo. Medidas extremas. Nunca é demais lembrar o que certa vez dizia o então deputado José Eduardo Cardozo, hoje ministro da Justiça. Ele era mestre em afirmar que a oposição não precisava se preocupar em criar arapucas para os petistas porque eles eram capazes de armá-las sozinhos. Pelo visto, a frase continua bem atual, uma vez que a crise se baseia em ofensivas que um mínimo de racionalidade e de bom senso teria ajudado a evitar.
Enquanto isso, na oposição...
Diante do barulho ensurdecedor desse carnaval de Congresso versus Supremo, o senador Aécio Neves, do PSDB, e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, conversam pelo salão. No papel de pré-candidatos a presidente da República na disputa do ano que vem, trabalharam o conjunto de seus respectivos partidos para ajudar a Rede de Marina Silva e outras novas legendas na manutenção de tempo de tevê e fundo partidário. Agora, entrarão no mês de maio com um novo argumento para estarem juntos. A proposta de emenda constitucional, de Aécio Neves, que fixa o mandato de cinco anos para presidente da República, acabando com a reeleição.
A única forma de diluir essa ligação no momento seria o PT aceitar a emenda que extermina a reeleição. Mas dentro do partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva há quem diga que não dá para levantar essa bola para Aécio Neves cortar. O tema ainda não foi discutido pelas instâncias partidárias, mas a estratégia do PT, pelo menos em princípio, é denunciar a reeleição como uma invenção dos tucanos e do antigo PFL — o que não está errado, uma vez que a emenda geradora do direito de concorrer a dois mandatos foi apresentada pelo deputado Mendonça Filho, ainda no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e aprovada no fim de 1997, ou seja, às vésperas do ano eleitoral, em tempo de ser aplicada. E, agora que o governo petista está em alta perante a população — e se considerando com chances de reeleger Dilma e (será?) até o sucessor —, vem a emenda para acabar com a festa do partido de Lula.
Se os petistas seguirem nessa batida e o PSB fechar com a emenda de Aécio, é mais um tijolinho para separar socialistas de petistas e aproximar Eduardo dos tucanos. E, assim, de grão em grão, as afinidades vão surgindo. E, reza a lenda, quando as afinidades aparecem na política, assim como na vida, as pessoas terminam caminhando juntas. Nem que seja só por um período. Eduardo e Aécio estão nessa fase. Lá na frente é outra história. Afinal, como já disse o governador pernambucano, é preciso ganhar 2013 para chegar em 2014. E, pelo visto, esse vencimento de 2013 do PSB passa longe do PT. Não por acaso, Dilma se embala na Copa. Mas é essa é outra história.
O Brasil no mata-burro - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 28/04
Erro rudimentar de política econômica faz o país empacar e esquecer de debates mais fundamentais
O BRASILZINHO empacou de novo no mata-burro da inflação. Mata-burro, aquele estrado sobre uma vala debaixo das porteiras, feito para impedir que o gado, cavalos e quiçá burros fujam. A gente não consegue fugir.
Entra ano, sai ano, e cá estamos a discutir de novo se a taxa de juros deve subir 0,25 ponto ou 0,5 ponto, em quatro ou oito prestações mensais, ou a perder de vista.
Pior não é a recaída nessa conversinha, mas o filme que deu origem à série de preços em alta e crescimento em baixa.
Lá em 2011 o governo de Dilma Rousseff parecia ter optado por uma combinação razoável de política de gastos públicos e de juros, ao menos da boca para fora: gasto menor, juro menor.
O caldo porém entornou com o Pibinho de 2011. O governo ficou atônito com o baixo crescimento e afobou-se. Juntou a fome com a vontade de comer. Intervencionistas de coração, Dilma & Cia saíram do armário, rasgaram a fantasia de economistas comportados e precipitaram-se a baixar medidas de estímulo e decretos mais ou menos informais de regulação de preços.
Não deu certo. Ao final de três anos, 2011-2013, o Brasil terá crescido uns 2,2%. Poderíamos ter perdido esse tempo na oficina, consertando o carro. Mas continuamos rodando e vamos chegar a 2014 com o motor avariado. No fim das contas, o crescimento ficaria na mesma, mas o carro não bateria pino.
Não haverá desastre. Mas ainda viajaremos no ritmo de carroças.
Não, não se trata de dizer que há receitas únicas em economia, que não precisamos do Estado ou que nossos problemas são apenas macroeconômicos (gasto público, juros, inflação etc). Mas certas misturas, chiclete com banana, uísque na feijoada, não dão certo.
Para começo de conversa, gastar mais, reduzir juros e querer inflação baixa é algo que não faz lé com cré.
Segundo, mas ainda mais importante, é ignorância ou má-fé acreditar que anabolizante é solução para o crescimento; apenas cria uma ilusão que nos impede de pensar em problemas fundamentais.
O Brasil precisa do Estado e de regulações para várias coisas, mas o Estado e normas estão fora do lugar, muita vez no mesmo lugar em que estavam nos tempos da ditadura, da inflação crônica e dos sonhos de autarquia econômica. O mundo mudou, até nós mudamos um pouco, e os móveis cafonas continuam no mesmo lugar.
O Estado dissipa energia e dinheiro engessando a economia, em vez de criar infraestrutura e, menos ainda, de incentivar a criação de novos setores e democratizar as oportunidades econômicas (pequenas e novas empresas comem o pão que o diabo cuspiu).
Recolhemos impostos demais e fazemos dívida para sustentar uma máquina que não funciona, dirigida por gente inepta, administrada de modo disfuncional.
Temos uma estrutura econômica que resultou em empresas que não inovam, associadas de forma oportunista ao Estado, e em que não há incentivos ou meios bastantes de qualificar gente (educação é mais que isso, mas passemos).
Com tanto problema fundamental, a gente se perde num debate primitivo sobre o meio ponto dos juros e politiquice macroeconômica.
Este colunista vai se privar dessa discussão pelas próximas quatro semanas. Estará em férias.
Erro rudimentar de política econômica faz o país empacar e esquecer de debates mais fundamentais
O BRASILZINHO empacou de novo no mata-burro da inflação. Mata-burro, aquele estrado sobre uma vala debaixo das porteiras, feito para impedir que o gado, cavalos e quiçá burros fujam. A gente não consegue fugir.
Entra ano, sai ano, e cá estamos a discutir de novo se a taxa de juros deve subir 0,25 ponto ou 0,5 ponto, em quatro ou oito prestações mensais, ou a perder de vista.
Pior não é a recaída nessa conversinha, mas o filme que deu origem à série de preços em alta e crescimento em baixa.
Lá em 2011 o governo de Dilma Rousseff parecia ter optado por uma combinação razoável de política de gastos públicos e de juros, ao menos da boca para fora: gasto menor, juro menor.
O caldo porém entornou com o Pibinho de 2011. O governo ficou atônito com o baixo crescimento e afobou-se. Juntou a fome com a vontade de comer. Intervencionistas de coração, Dilma & Cia saíram do armário, rasgaram a fantasia de economistas comportados e precipitaram-se a baixar medidas de estímulo e decretos mais ou menos informais de regulação de preços.
Não deu certo. Ao final de três anos, 2011-2013, o Brasil terá crescido uns 2,2%. Poderíamos ter perdido esse tempo na oficina, consertando o carro. Mas continuamos rodando e vamos chegar a 2014 com o motor avariado. No fim das contas, o crescimento ficaria na mesma, mas o carro não bateria pino.
Não haverá desastre. Mas ainda viajaremos no ritmo de carroças.
Não, não se trata de dizer que há receitas únicas em economia, que não precisamos do Estado ou que nossos problemas são apenas macroeconômicos (gasto público, juros, inflação etc). Mas certas misturas, chiclete com banana, uísque na feijoada, não dão certo.
Para começo de conversa, gastar mais, reduzir juros e querer inflação baixa é algo que não faz lé com cré.
Segundo, mas ainda mais importante, é ignorância ou má-fé acreditar que anabolizante é solução para o crescimento; apenas cria uma ilusão que nos impede de pensar em problemas fundamentais.
O Brasil precisa do Estado e de regulações para várias coisas, mas o Estado e normas estão fora do lugar, muita vez no mesmo lugar em que estavam nos tempos da ditadura, da inflação crônica e dos sonhos de autarquia econômica. O mundo mudou, até nós mudamos um pouco, e os móveis cafonas continuam no mesmo lugar.
O Estado dissipa energia e dinheiro engessando a economia, em vez de criar infraestrutura e, menos ainda, de incentivar a criação de novos setores e democratizar as oportunidades econômicas (pequenas e novas empresas comem o pão que o diabo cuspiu).
Recolhemos impostos demais e fazemos dívida para sustentar uma máquina que não funciona, dirigida por gente inepta, administrada de modo disfuncional.
Temos uma estrutura econômica que resultou em empresas que não inovam, associadas de forma oportunista ao Estado, e em que não há incentivos ou meios bastantes de qualificar gente (educação é mais que isso, mas passemos).
Com tanto problema fundamental, a gente se perde num debate primitivo sobre o meio ponto dos juros e politiquice macroeconômica.
Este colunista vai se privar dessa discussão pelas próximas quatro semanas. Estará em férias.
Dinheiro de todos a favor de poucos - EUGÊNIO BUCCI
O ESTADÃO - 28/04
Existe um escaninho dentro do Estado brasileiro em que o patrimonialismo não apenas sobrevive, como passa muito bem e nem nos diz obrigado. Nesse escaninho só seu, o neopatrimonialismo engorda, cresce e ocupa espaços cada vez mais espaçosos. Exibicionista, gosta de aparecer. Não se envergonha. É dado a melancias no pescoço.
O nome desse escaninho é comunicação governamental. Trata-se de rubrica muito especial da administração pública. Ostenta taxas exponenciais de crescimento. Nos governos estaduais, municipais e também no governo federal, os gastos para financiar a propaganda não param de aumentar. Na Prefeitura de São Paulo, o orçamento da publicidade oficial saltou de R$ 9,7 milhões em 2005 para R$ 126,4 milhões em 2011. No governo paulista, o ritmo de expansão não é menos intenso. Enquanto a gestão Geraldo Alckmin, de 2003 a 2006, destinou R$ 188 milhões à propaganda, a gestão José Serra, de 2007 a 2010, consumiu R$ 756 milhões no mesmo quesito - conforme revelou uma reportagem de Fernando Gallo, publicada no Estado no início deste mês. O agigantamento dos gastos das estatais paulistas acompanha a escalada: só a Sabesp, que não gastou R$ 10 milhões ao longo de 2003, ultrapassou a casa dos R$ 98 milhões em 2012.
Se as verbas da educação e da segurança se avolumassem nas mesmas taxas, a cidade e o Estado de São Paulo teriam a maior concentração de Prêmios Nobel do planeta e o governador não teria que sair por aí defendendo a redução da maioridade penal a cada novo latrocínio.
De seu lado, o Palácio do Planalto não fica para trás. Somados, os gastos da administração direta do governo federal (a Presidência da República e seus ministérios) e da administração indireta (as estatais, como Petrobrás e Banco do Brasil) vêm oscilando em torno da marca do bilhão de reais.
No ano de 2009, houve um pico: R$ 1,7 bilhão. Era ano pré-eleitoral.
E não é só isso. Não é apenas por meio da propaganda paga que o erário financia a boa imagem do governo. Há outro quesito, no qual quase ninguém presta atenção: as assessorias de imprensa em escala industrial.
Agora, há uma semana, exatamente no domingo passado, o Estado publicou uma reportagem de João Domingos, Wilson Tosta e Isadora Peron que revela uma cifra eloquente: os dispêndios anuais do governo federal com as assessorias de imprensa - incluindo Presidência e ministérios-alcançam a casa dos R$ 97 milhões. E isso é apenas o aperitivo. "Cerca de 500 profissionais cuidam da imagem da administração, repassando informações oficiais a jornais, TVs, rádios e canais de internet privados",anota a reportagem. "Nas empresas estatais, com o Petrobrás e Correios, a estimativa - elas não divulgam números - é de que o gasto chegue a R$ 250 milhões ao ano, com 1.200 profissionais envolvidos." Parte desse serviço é terceirizada. Entre outras coisas, as empresas contratadas confeccionam peças em linguagem jornalística para emissoras do interior, que as reproduzem, além de atuar nas redes sociais, com o objetivo de fortalecer e difundir pontos de vista pró-governo.
Claro que um governo não apenas pode, mas deve ter assessores de imprensa. Bem preparados, esses profissionais facilitam o contato entre repórteres e autoridades. Desde que comprometidos com os princípios constitucionais da administração pública, melhoram o fluxo de informações de interesse público e contribuem para que o Estado seja mais transparente e acessível. Coisa diferente, bem diferente, é essa nova "estratégia de comunicação governamental", que leva o Estado amontar, ao lado da faraônica publicidade governamental, verdadeiras usinas de conteúdo que fabricam press releases em série com o objetivo de direcionar a opinião pública a favor da Presidência da República.
Nesse caso, o que temos é o emprego do dinheiro público, dinheiro que por definição é de todos os cidadãos, para promover, direta ou indiretamente, a boa imagem de uns poucos: a imagem dos que governam.
Essa nova escola de "comunicação pública", vamos deixar bem claro, de pública não tem nada. É inteiramente privatizada, seja porque contrata empresas privadas para campanhas massivas e permanentes (muito além do que seria uma assessoria de imprensa, por assim dizer, republicana), seja porque, por meio da ferramenta da publicidade paga, transforma os governos em anunciantes comuns, comerciais. Com uma diferença nada sutil: enquanto a publicidade comercial ordinária procura vender um bem ou um serviço, a publicidade governamental não vende coisa alguma que não seja o sorriso do pessoal que manda.
Quem ganha com isso? Não é o cidadão.
Quem ganha é somente o partido do governo, que turbina a própria popularidade e se cacifa para as próximas eleições. É por isso que a nova "comunicação pública" constitui uma nova modalidade de patrimonialismo, pois emprega os recursos públicos para beneficiar interesses privados (interesses partidários são interesses privados).
Depois alguns ainda se espantam quando verificam que, no Brasil, as agências de publicidade vão ocupando o lugar (que antes era só das empreiteiras) na arte macabra de embaralhar interesses públicos e privados.
Existe um escaninho dentro do Estado brasileiro em que o patrimonialismo não apenas sobrevive, como passa muito bem e nem nos diz obrigado. Nesse escaninho só seu, o neopatrimonialismo engorda, cresce e ocupa espaços cada vez mais espaçosos. Exibicionista, gosta de aparecer. Não se envergonha. É dado a melancias no pescoço.
O nome desse escaninho é comunicação governamental. Trata-se de rubrica muito especial da administração pública. Ostenta taxas exponenciais de crescimento. Nos governos estaduais, municipais e também no governo federal, os gastos para financiar a propaganda não param de aumentar. Na Prefeitura de São Paulo, o orçamento da publicidade oficial saltou de R$ 9,7 milhões em 2005 para R$ 126,4 milhões em 2011. No governo paulista, o ritmo de expansão não é menos intenso. Enquanto a gestão Geraldo Alckmin, de 2003 a 2006, destinou R$ 188 milhões à propaganda, a gestão José Serra, de 2007 a 2010, consumiu R$ 756 milhões no mesmo quesito - conforme revelou uma reportagem de Fernando Gallo, publicada no Estado no início deste mês. O agigantamento dos gastos das estatais paulistas acompanha a escalada: só a Sabesp, que não gastou R$ 10 milhões ao longo de 2003, ultrapassou a casa dos R$ 98 milhões em 2012.
Se as verbas da educação e da segurança se avolumassem nas mesmas taxas, a cidade e o Estado de São Paulo teriam a maior concentração de Prêmios Nobel do planeta e o governador não teria que sair por aí defendendo a redução da maioridade penal a cada novo latrocínio.
De seu lado, o Palácio do Planalto não fica para trás. Somados, os gastos da administração direta do governo federal (a Presidência da República e seus ministérios) e da administração indireta (as estatais, como Petrobrás e Banco do Brasil) vêm oscilando em torno da marca do bilhão de reais.
No ano de 2009, houve um pico: R$ 1,7 bilhão. Era ano pré-eleitoral.
E não é só isso. Não é apenas por meio da propaganda paga que o erário financia a boa imagem do governo. Há outro quesito, no qual quase ninguém presta atenção: as assessorias de imprensa em escala industrial.
Agora, há uma semana, exatamente no domingo passado, o Estado publicou uma reportagem de João Domingos, Wilson Tosta e Isadora Peron que revela uma cifra eloquente: os dispêndios anuais do governo federal com as assessorias de imprensa - incluindo Presidência e ministérios-alcançam a casa dos R$ 97 milhões. E isso é apenas o aperitivo. "Cerca de 500 profissionais cuidam da imagem da administração, repassando informações oficiais a jornais, TVs, rádios e canais de internet privados",anota a reportagem. "Nas empresas estatais, com o Petrobrás e Correios, a estimativa - elas não divulgam números - é de que o gasto chegue a R$ 250 milhões ao ano, com 1.200 profissionais envolvidos." Parte desse serviço é terceirizada. Entre outras coisas, as empresas contratadas confeccionam peças em linguagem jornalística para emissoras do interior, que as reproduzem, além de atuar nas redes sociais, com o objetivo de fortalecer e difundir pontos de vista pró-governo.
Claro que um governo não apenas pode, mas deve ter assessores de imprensa. Bem preparados, esses profissionais facilitam o contato entre repórteres e autoridades. Desde que comprometidos com os princípios constitucionais da administração pública, melhoram o fluxo de informações de interesse público e contribuem para que o Estado seja mais transparente e acessível. Coisa diferente, bem diferente, é essa nova "estratégia de comunicação governamental", que leva o Estado amontar, ao lado da faraônica publicidade governamental, verdadeiras usinas de conteúdo que fabricam press releases em série com o objetivo de direcionar a opinião pública a favor da Presidência da República.
Nesse caso, o que temos é o emprego do dinheiro público, dinheiro que por definição é de todos os cidadãos, para promover, direta ou indiretamente, a boa imagem de uns poucos: a imagem dos que governam.
Essa nova escola de "comunicação pública", vamos deixar bem claro, de pública não tem nada. É inteiramente privatizada, seja porque contrata empresas privadas para campanhas massivas e permanentes (muito além do que seria uma assessoria de imprensa, por assim dizer, republicana), seja porque, por meio da ferramenta da publicidade paga, transforma os governos em anunciantes comuns, comerciais. Com uma diferença nada sutil: enquanto a publicidade comercial ordinária procura vender um bem ou um serviço, a publicidade governamental não vende coisa alguma que não seja o sorriso do pessoal que manda.
Quem ganha com isso? Não é o cidadão.
Quem ganha é somente o partido do governo, que turbina a própria popularidade e se cacifa para as próximas eleições. É por isso que a nova "comunicação pública" constitui uma nova modalidade de patrimonialismo, pois emprega os recursos públicos para beneficiar interesses privados (interesses partidários são interesses privados).
Depois alguns ainda se espantam quando verificam que, no Brasil, as agências de publicidade vão ocupando o lugar (que antes era só das empreiteiras) na arte macabra de embaralhar interesses públicos e privados.
Inflação abaixo de 5% é impossível? - SAMUEL PESSOA
FOLHA DE SP - 28/04
A política de aceitar inflação maior tem custo alto no longo prazo; pensei que já tivéssemos aprendido a lição
A Folha de quinta-feira passada noticiou que o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, afirmou que o Brasil apresenta uma "inflação de base entre 5% e 6%. Ela não supera isso, mas também dificilmente fica abaixo disso".
O ministro afirma que a redução da inflação de base para valores abaixo da faixa entre 5% e 6% dependerá da recuperação da competitividade da economia.
Sugere em seguida, sempre segundo a Folha, que, "com as medidas de combate aos gargalos logísticos, que vão reduzir os custos e elevar a produtividade das empresas brasileiras", será possível alcançarmos valores mais baixos da inflação.
A fala do ministro defende ponto de vista de que a inflação não é essencialmente um fenômeno monetário. Isto é, dado que temos problemas na oferta de infraestrutura, teremos que conviver com inflação mais elevada.
Pergunta: todos os países do mundo com baixa oferta de infraestrutura convivem com inflação mais elevada? Certamente não! A baixa oferta de infraestrutura produz, se o sistema de preços do país funcionar direito, tarifas elevadas. Se o sistema de preços não funcionar direito, produzirá filas.
O fato de nossa infraestrutura ser ruim já nos causa muitos desconfortos. Não imaginava que teria que causar o desconforto adicional de termos de conviver com inflação maior.
Nas últimas semanas, vários comentaristas e colunistas têm defendido pontos de vista análogos ao do ministro. Por exemplo, argumenta-se que o fato de os funcioná- rios públicos terem poder de barganha excessivo e, portanto, salário acima da produtividade explicaria em parte os elevados níveis de inflação do Brasil.
Outros argumentam que o fato de diversos setores da economia --principalmente os de bens intermediários, como siderurgia e cimento-- serem muito concentrados e, portanto, apresentarem baixíssima competição seria outro fator que explicaria a inflação de fundo mais elevada.
Provavelmente todos os fatos arrolados são verdadeiros. Temos forte carência na oferta de serviços de utilidade pública, provavelmente os servidores públicos são remunerados acima da produtividade e há de fato diversos setores de bens intermediários com margens excessivas.
Como no caso da infraestrutura, esses fatos sugerem que o preço relativo dos serviços de utilidade pública, dos serviços dos funcionários públicos e dos bens intermediários serão elevados em comparação aos demais preços.
Ou seja, esses grupos da sociedade conseguirão abocanhar rendas maiores do que a sua contribuição para a produção.
Abocanhar renda superior à sua contribuição à produção representa distorção microeconômica e pode acarretar perda de eficiência e, consequentemente, redução do potencial de crescimento.
A redução do crescimento se transforma em maior inflação quando a política monetária se torna leniente e delega à aceleração inflacionária a gestão do conflito distributivo.
Não há nada que obrigue que a solução do conflito distributivo seja por meio de aceleração da inflação.
Se for verdade que as carências de infraestrutura do país causam inflação na casa de 5% a 6% ao ano, logo as pessoas incorporação esse inflação futura nas suas expectativas e os aumentos de salário no mercado de trabalho serão superiores a esse valor. Entramos na terrí- vel espiral preços-salários de triste memória.
Certamente o ministro sabe que a espiral preços-salários opera e, portanto, que não é possível trocar permanentemente maior inflação por maior crescimento.
O que o ministro afirma é que existe a decisão política de aceitar temporariamente inflação maior até que os investimentos em infraestrutura maturem.
Trata-se de política com algum retorno no curto prazo com custos elevados no longo prazo. Pensei que já tivéssemos aprendido essa lição.
A política de aceitar inflação maior tem custo alto no longo prazo; pensei que já tivéssemos aprendido a lição
A Folha de quinta-feira passada noticiou que o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, afirmou que o Brasil apresenta uma "inflação de base entre 5% e 6%. Ela não supera isso, mas também dificilmente fica abaixo disso".
O ministro afirma que a redução da inflação de base para valores abaixo da faixa entre 5% e 6% dependerá da recuperação da competitividade da economia.
Sugere em seguida, sempre segundo a Folha, que, "com as medidas de combate aos gargalos logísticos, que vão reduzir os custos e elevar a produtividade das empresas brasileiras", será possível alcançarmos valores mais baixos da inflação.
A fala do ministro defende ponto de vista de que a inflação não é essencialmente um fenômeno monetário. Isto é, dado que temos problemas na oferta de infraestrutura, teremos que conviver com inflação mais elevada.
Pergunta: todos os países do mundo com baixa oferta de infraestrutura convivem com inflação mais elevada? Certamente não! A baixa oferta de infraestrutura produz, se o sistema de preços do país funcionar direito, tarifas elevadas. Se o sistema de preços não funcionar direito, produzirá filas.
O fato de nossa infraestrutura ser ruim já nos causa muitos desconfortos. Não imaginava que teria que causar o desconforto adicional de termos de conviver com inflação maior.
Nas últimas semanas, vários comentaristas e colunistas têm defendido pontos de vista análogos ao do ministro. Por exemplo, argumenta-se que o fato de os funcioná- rios públicos terem poder de barganha excessivo e, portanto, salário acima da produtividade explicaria em parte os elevados níveis de inflação do Brasil.
Outros argumentam que o fato de diversos setores da economia --principalmente os de bens intermediários, como siderurgia e cimento-- serem muito concentrados e, portanto, apresentarem baixíssima competição seria outro fator que explicaria a inflação de fundo mais elevada.
Provavelmente todos os fatos arrolados são verdadeiros. Temos forte carência na oferta de serviços de utilidade pública, provavelmente os servidores públicos são remunerados acima da produtividade e há de fato diversos setores de bens intermediários com margens excessivas.
Como no caso da infraestrutura, esses fatos sugerem que o preço relativo dos serviços de utilidade pública, dos serviços dos funcionários públicos e dos bens intermediários serão elevados em comparação aos demais preços.
Ou seja, esses grupos da sociedade conseguirão abocanhar rendas maiores do que a sua contribuição para a produção.
Abocanhar renda superior à sua contribuição à produção representa distorção microeconômica e pode acarretar perda de eficiência e, consequentemente, redução do potencial de crescimento.
A redução do crescimento se transforma em maior inflação quando a política monetária se torna leniente e delega à aceleração inflacionária a gestão do conflito distributivo.
Não há nada que obrigue que a solução do conflito distributivo seja por meio de aceleração da inflação.
Se for verdade que as carências de infraestrutura do país causam inflação na casa de 5% a 6% ao ano, logo as pessoas incorporação esse inflação futura nas suas expectativas e os aumentos de salário no mercado de trabalho serão superiores a esse valor. Entramos na terrí- vel espiral preços-salários de triste memória.
Certamente o ministro sabe que a espiral preços-salários opera e, portanto, que não é possível trocar permanentemente maior inflação por maior crescimento.
O que o ministro afirma é que existe a decisão política de aceitar temporariamente inflação maior até que os investimentos em infraestrutura maturem.
Trata-se de política com algum retorno no curto prazo com custos elevados no longo prazo. Pensei que já tivéssemos aprendido essa lição.
Entre dois fogos - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 28/04
Este é um momento delicado e difícil do julgamento da Ação Penal 470. Há várias armadilhas nas quais se pode entrar e que anularão o trabalho feito até agora. É preciso garantir todo o direito à defesa, mas bloquear as infinitas possibilidades de protelação. Não é por outra razão que há tanto estresse institucional e ameaças ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público.
Pode acontecer um desfecho melancólico de toda a Ação que mobilizou o país, por quebrar o velho princípio de que aos poderosos não se aplica a lei. Nada está garantido ainda. O Supremo precisa ter a firmeza necessária para essa travessia no estreito caminho entre dois fogos. Não garantir a defesa dos réus será inaceitável, permitir as artimanhas da defesa será mostrar uma fraqueza que destruirá o processo.
Ao fim do período de análise do acórdão, vai se estruturar a defesa, e ela tem vários caminhos. Os embargos infringentes são os mais perigosos e os mais controversos. Eles são recursos através dos quais se pode praticamente refazer o julgamento da causa.
O problema é que eles existiam no regimento interno do Supremo na velha Constituição. O Supremo tinha o poder de legislar sobre seu próprio processo. Mas na nova legislação isso não seria mais possível, sustentam juristas. A Lei 8.038, que regulamenta todo o processo nos tribunais, não previu embargos infringentes, então, teoricamente, ele é um recurso que não pode ser usado. Se o Supremo Tribunal Federal os aceitar, o risco é de ocorrer praticamente um reinício do julgamento.
Há também os embargos de declaração, que são menos abrangentes porque esclarecem um ponto que ficou obscuro, uma contradição, um detalhe do acórdão. Eles são menos amplos, é mais fácil apreciá-los. O problema é que eles podem se multiplicar, e o Supremo, perder-se num labirinto de embargos ou ficar soterrado por eles. Nesse caso, a situação fugiria ao controle. A Justiça ficaria por anos a fio julgando a mesma ação.
O único caminho será o Supremo julgar os primeiros embargos de forma mais firme e rápida possível e determinar o cumprimento imediato das decisões já tomadas pelo tribunal, sem prejuízos de novos embargos. Os réus já estão condenados a penas de prisão, em regime aberto ou fechado, ou perda de mandato. Mas o tempo e a forma de reagir às armadilhas da defesa neste momento dirão se valerá o que foi escrito ao longo do processo.
Garantir todos os direitos dos condenados é uma obrigação no Estado de Direito. Por outro lado, a sociedade também tem direitos a serem respeitados: o que os juristas chamam de "efetividade da tutela penal", ou seja, a certeza de que aqueles que transgridem sejam punidos.
O caso do mensalão é emblemático por tudo o que ele foi até agora, por tudo o que se caminhou. A sociedade brasileira conseguiu romper com tradições que criavam duas classes de criminosos: os que podiam e os que não podiam ser julgados e condenados. Sobre os poderosos, nenhuma pena recaía. Sobre os fracos, a pena sempre foi aplicada com toda a sua força.
Por isso a importância desse caso vai além dele mesmo. E esse é o momento mais delicado: o de fazer cumprir o que foi determinado pelo Supremo. Os condenados têm a seu favor um batalhão de advogados, entre eles alguns dos mais brilhantes do Brasil, que conhecem todos os caminhos - e principalmente os descaminhos - da sistemática processual brasileira. Se o STF ficar perdido nas armadilhas do processo penal brasileiro, as penas jamais serão cumpridas. Não haverá um momento em que não restará nenhum recurso. Se for esperar esse momento, ele não chegará. Os embargos de declaração podem ser interpostos uns sobre outros e daqui a alguns anos estar lá o STF julgando o quarto ou o quinto embargo. Será o processo sem fim.
O Supremo mostrará equilíbrio se garantir tanto o direito aos réus quanto o direito da sociedade de ver a decisão efetivamente cumprida. Neste momento, o Congresso ameaça o Supremo de rebaixamento institucional, e o Ministério Público é ameaçado de perder seu poder de investigação. Nada disso é por acaso. O estresse institucional que o Brasil vive é parte do mesmo evento que pela importância que tem pode quebrar paradigmas ou confirmar velhos defeitos do país.
Este é um momento delicado e difícil do julgamento da Ação Penal 470. Há várias armadilhas nas quais se pode entrar e que anularão o trabalho feito até agora. É preciso garantir todo o direito à defesa, mas bloquear as infinitas possibilidades de protelação. Não é por outra razão que há tanto estresse institucional e ameaças ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público.
Pode acontecer um desfecho melancólico de toda a Ação que mobilizou o país, por quebrar o velho princípio de que aos poderosos não se aplica a lei. Nada está garantido ainda. O Supremo precisa ter a firmeza necessária para essa travessia no estreito caminho entre dois fogos. Não garantir a defesa dos réus será inaceitável, permitir as artimanhas da defesa será mostrar uma fraqueza que destruirá o processo.
Ao fim do período de análise do acórdão, vai se estruturar a defesa, e ela tem vários caminhos. Os embargos infringentes são os mais perigosos e os mais controversos. Eles são recursos através dos quais se pode praticamente refazer o julgamento da causa.
O problema é que eles existiam no regimento interno do Supremo na velha Constituição. O Supremo tinha o poder de legislar sobre seu próprio processo. Mas na nova legislação isso não seria mais possível, sustentam juristas. A Lei 8.038, que regulamenta todo o processo nos tribunais, não previu embargos infringentes, então, teoricamente, ele é um recurso que não pode ser usado. Se o Supremo Tribunal Federal os aceitar, o risco é de ocorrer praticamente um reinício do julgamento.
Há também os embargos de declaração, que são menos abrangentes porque esclarecem um ponto que ficou obscuro, uma contradição, um detalhe do acórdão. Eles são menos amplos, é mais fácil apreciá-los. O problema é que eles podem se multiplicar, e o Supremo, perder-se num labirinto de embargos ou ficar soterrado por eles. Nesse caso, a situação fugiria ao controle. A Justiça ficaria por anos a fio julgando a mesma ação.
O único caminho será o Supremo julgar os primeiros embargos de forma mais firme e rápida possível e determinar o cumprimento imediato das decisões já tomadas pelo tribunal, sem prejuízos de novos embargos. Os réus já estão condenados a penas de prisão, em regime aberto ou fechado, ou perda de mandato. Mas o tempo e a forma de reagir às armadilhas da defesa neste momento dirão se valerá o que foi escrito ao longo do processo.
Garantir todos os direitos dos condenados é uma obrigação no Estado de Direito. Por outro lado, a sociedade também tem direitos a serem respeitados: o que os juristas chamam de "efetividade da tutela penal", ou seja, a certeza de que aqueles que transgridem sejam punidos.
O caso do mensalão é emblemático por tudo o que ele foi até agora, por tudo o que se caminhou. A sociedade brasileira conseguiu romper com tradições que criavam duas classes de criminosos: os que podiam e os que não podiam ser julgados e condenados. Sobre os poderosos, nenhuma pena recaía. Sobre os fracos, a pena sempre foi aplicada com toda a sua força.
Por isso a importância desse caso vai além dele mesmo. E esse é o momento mais delicado: o de fazer cumprir o que foi determinado pelo Supremo. Os condenados têm a seu favor um batalhão de advogados, entre eles alguns dos mais brilhantes do Brasil, que conhecem todos os caminhos - e principalmente os descaminhos - da sistemática processual brasileira. Se o STF ficar perdido nas armadilhas do processo penal brasileiro, as penas jamais serão cumpridas. Não haverá um momento em que não restará nenhum recurso. Se for esperar esse momento, ele não chegará. Os embargos de declaração podem ser interpostos uns sobre outros e daqui a alguns anos estar lá o STF julgando o quarto ou o quinto embargo. Será o processo sem fim.
O Supremo mostrará equilíbrio se garantir tanto o direito aos réus quanto o direito da sociedade de ver a decisão efetivamente cumprida. Neste momento, o Congresso ameaça o Supremo de rebaixamento institucional, e o Ministério Público é ameaçado de perder seu poder de investigação. Nada disso é por acaso. O estresse institucional que o Brasil vive é parte do mesmo evento que pela importância que tem pode quebrar paradigmas ou confirmar velhos defeitos do país.
Revolução nos EUA e no Brasil - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 28/04
Os dois modelos econômicos de sucesso relacionados aos recursos naturais são o gás de xisto nos EUA e a agropecuária brasileira. É importante analisarmos as razões desse sucesso e suas similaridades.
O óleo de xisto, impregnado no xisto betuminoso, tinha uma exploração difícil, antieconômica e tecnologicamente complicada. O desenvolvimento de um modelo de exploração viável só foi possível por característica básica da estrutura fundiária americana: o proprietário do solo é o proprietário dos recursos minerais do subsolo.
Isso fez com que milhares de proprietários se dedicassem a buscar maneiras de exploração econômica daquela riqueza, envolvendo indivíduos e empresas grandes, médias e pequenas, até que finalmente um cidadão desenvolveu tecnologia viável.
Rapidamente, e de forma surpreendente, os EUA, que cada vez mais se tornavam dependentes do petróleo do Oriente Médio como fonte de energia, com consequências geopolíticas e econômicas importantes, conseguiram aumento significativo da produção doméstica e caminham para a autossuficiência, situação impensável alguns anos atrás.
Outra característica da economia americana também importante neste processo é o fato de a construção de gasodutos no país ser uma iniciativa privada, com licenciamento prático e veloz. Isso permitiu a rápida construção de uma rede nacional de gasodutos com investimentos de um número enorme de empresas e fundos.
Os EUA agora têm uma fonte de energia mais barata que as demais regiões do mundo, viabilizando a volta da competitividade de indústrias que se julgava terem definitivamente migrado para países em desenvolvimento, como a petroquímica. Todas as indústrias intensivas de energia têm hoje nos EUA vantagem competitiva relevante em função da energia abundante e barata.
A agropecuária brasileira tem características semelhantes ao fenômeno do gás de xisto. Em primeiro lugar, a propriedade privada da terra. A escolha do que, quando e onde plantar também é privada, sendo projeto e decisão de milhares de pequenos, médios e grandes empresários rurais. O gargalo ainda a ser equacionado é o transporte da safra.
Como em muitos países, a ação governamental bem-sucedida ocorreu na pesquisa tecnológica. A Embrapa é um exemplo disso. Seu desenvolvimento de sementes, variedades de plantas e tratamento do solo foram fundamentais para a revolução tecno-lógica no serrado brasileiro.
São dois exemplos, nos EUA e no Brasil, que oferecem muitas lições sobre o desenvolvimento econômico e o papel dos governos.
Os dois modelos econômicos de sucesso relacionados aos recursos naturais são o gás de xisto nos EUA e a agropecuária brasileira. É importante analisarmos as razões desse sucesso e suas similaridades.
O óleo de xisto, impregnado no xisto betuminoso, tinha uma exploração difícil, antieconômica e tecnologicamente complicada. O desenvolvimento de um modelo de exploração viável só foi possível por característica básica da estrutura fundiária americana: o proprietário do solo é o proprietário dos recursos minerais do subsolo.
Isso fez com que milhares de proprietários se dedicassem a buscar maneiras de exploração econômica daquela riqueza, envolvendo indivíduos e empresas grandes, médias e pequenas, até que finalmente um cidadão desenvolveu tecnologia viável.
Rapidamente, e de forma surpreendente, os EUA, que cada vez mais se tornavam dependentes do petróleo do Oriente Médio como fonte de energia, com consequências geopolíticas e econômicas importantes, conseguiram aumento significativo da produção doméstica e caminham para a autossuficiência, situação impensável alguns anos atrás.
Outra característica da economia americana também importante neste processo é o fato de a construção de gasodutos no país ser uma iniciativa privada, com licenciamento prático e veloz. Isso permitiu a rápida construção de uma rede nacional de gasodutos com investimentos de um número enorme de empresas e fundos.
Os EUA agora têm uma fonte de energia mais barata que as demais regiões do mundo, viabilizando a volta da competitividade de indústrias que se julgava terem definitivamente migrado para países em desenvolvimento, como a petroquímica. Todas as indústrias intensivas de energia têm hoje nos EUA vantagem competitiva relevante em função da energia abundante e barata.
A agropecuária brasileira tem características semelhantes ao fenômeno do gás de xisto. Em primeiro lugar, a propriedade privada da terra. A escolha do que, quando e onde plantar também é privada, sendo projeto e decisão de milhares de pequenos, médios e grandes empresários rurais. O gargalo ainda a ser equacionado é o transporte da safra.
Como em muitos países, a ação governamental bem-sucedida ocorreu na pesquisa tecnológica. A Embrapa é um exemplo disso. Seu desenvolvimento de sementes, variedades de plantas e tratamento do solo foram fundamentais para a revolução tecno-lógica no serrado brasileiro.
São dois exemplos, nos EUA e no Brasil, que oferecem muitas lições sobre o desenvolvimento econômico e o papel dos governos.