domingo, abril 21, 2013

Dialogando com a dor - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 21/04

Não simpatizo nada com a ideia de sentir dor. Para minha sorte, elas foram raras. Vivi dois partos normais que pareceram um piquenique no campo, nada doeu, sobrou relaxamento e prazer. Quando penso em dor física, o que me vem à lembrança são as idas ao dentista quando era criança. Começava a sofrer já na noite anterior, sentia enjoos fortíssimos, não conseguia dormir, passava a madrugada chorando só de imaginar que no dia seguinte teria que enfrentar a broca e seu barulho aterrorizante. Estou falando de uma época em que crianças tinham cárie hoje muitas nem sabem o que é isso, bendito flúor.

O que fazer em relação a esse tipo de dor? Se nos pega de surpresa (um tombo, uma cabeçada, um corte), suportar. Se for uma dor interna, tomar um analgésico e esperar que passe. Não se pode dialogar com a dor física. Músculos, nervos, órgãos, pele, essa turma não escuta ninguém. Ainda bem que (com exceção das dores crônicas) não são dores constantes, e sim pontuais. De repente, somem.

Já a dor psíquica não é tão breve. Pode durar semanas. Meses. Sem querer ser alarmista, pode durar uma vida. Porém, ela é mais elegante que a dor física: nos dá a chance de chamá-la para um duelo, ao contrário da outra, que é um ataque covarde. A dor psíquica possibilita um diálogo, e isso torna a luta menos desigual. São dois pesos-pesados, sendo que você é o favorito. Escolha suas armas para vencê-la.

Armas?

Por exemplo: redija cartas para si mesmo. Escreva sobre o que você sente e depois planeje seus próximos passos. Escrever exorciza, invoca energia. Cartas e cartas para si mesmo, estabelecendo uma relação íntima entre você e sua dor – amanse-a.

Terapia. A cura pela fala. Você buscando explicar em palavras como foi que permitiu que ela ganhasse espaço para se instalar, de onde você imagina que ela veio, quem a ajudou a se apoderar de você. Uma investigação minuciosa sobre como ela se desenvolveu e sobre a acolhida que recebeu: sim, nós e nossas dores muitas vezes nos tornamos um só. É difícil a gente se apartar do que nos dói, pois às vezes é a única coisa que dá sentido à nossa vida.

Livros. O mais deslumbrante canal de comunicação com a dor, pois através de histórias alheias reescrevemos a nossa própria e suavizamos os efeitos colaterais de estar vivo. Ler é o diálogo silencioso com nossos fantasmas. A leitura subverte nossas certezas, redimensiona nossos dramas, nos emociona, faz rir, pensar, lembrar. Catarses intimidam a dor.

Meditação. Religião. Contato com a natureza. Viagens. Amigos. Solidão. Você decide por qual caminho irá dialogar com a sua dor, num enfrentamento que, mesmo que você não saia vitorioso, ao menos fortalecerá seu caráter.

Quem não dialoga com sua dor psíquica, não a reconhece como a inimiga admirável que é, capaz de torná-lo um ser humano melhor. A reduz a uma simples dor de dente e, como uma criança, desespera-se sozinho no escuro.

Um Senado para rir e chorar - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Nenhum programa de humor me provocou mais risos na semana passada que a história protagonizada por um senador e um garçom, ambos de Tocantins. O senador João Costa, do Partido da Pátria Livre (PPL), preparou um discurso de 14 páginas sobre o aborto. Ao chegar ã tribuna, uma surpresa: o plenário estava vazio. Que fazer? Como falar para cadeiras, ainda mais cm sessão transmitida pela TV Senado? Em vez de cancelar o discurso, ele decidiu sentar-se no lugar do presidente e recriou a realidade, encenando uma sessão patética.

O senador João chamou o garçom Johnson Alves Moreira para fazer figuração. Não sabemos se Johnson posou de senador falso por pena ou se ganhou uma gratificação de João. Deveria. Johnson ficou em pé por meia hora, mexendo a cabeça em tom de aprovação, com a câmera focando em sua calvície e suas costas, numa tentativa de dar credibilidade as palavras do senador. João abriu o discurso assim: "Senhor presidente,senhores senadores, senhoras senadoras, senhores e senhoras presentes, e aqueles que acompanham esta sessão pela rádio e TV Senado..." Na plateia, só Johnson.

A história foi relatada em detalhe pela repórter Maria Lima, do jornal O Globo.

A foto também é assinada por cia. Um pequeno texto primoroso, por expor o ridículo de uma Casa que paga regiamente senadores para não fazer nada ou quase nada, além de queimar nosso dinheiro na fogueira das vaidades. Segundo o relato, o "garçom-senador virou motivo de piadinhas dos seguranças, que sugeriram que ele fizesse um aparte". Johnson disse ter gostado da "experiência".

O senador João encerrou seu discurso sobre "os direitos do nascituro" com outra simulação, como se houvesse uma fila de senadores para falar: "Considerando a exiguidade do tempo e o número de oradores, solicito que as peças do pronunciamento sejam dadas como lidas. Obrigado pela atenção" Só faltou a claque.

As dúvidas são: para seus colegas senadores, João Costa não passa de um João ninguém e, por isso, não interessa sua posição sobre o aborto? Ou há outros dias de gazeta institucionalizada no Senado, além de segunda e sexta-feira? Como se sente um senador que finge falar para uma multidão, diante de cadeiras vazias? A sessão João & Johnson ficará nos anais do Senado como o "dia do garçom".

Nenhum tema político causou mais asco na semana passada que a aposentadoria de Roseana Sarney como servidora do Senado. Ela entrou para o Senado em 1974, aos 21 anos de idade, sem prestar concurso público, num "trem da alegria", chamado por sua assessoria de "processo seletivo" Ela só trabalhou como servidora durante trés anos, entre 1982 e 1985, quando o pai, José Sarney, já era senador. O Senado informa que contratou Roseana em novembro de 1984 e que, agora, a aposentou do cargo de "Analista Legislativo". É de chorar.

Em 1985, Roseana pediu licença do Senado para acompanhar o pai na Presidência da República, até 1990. Voltou como senadora e saiu depois como governadora. Continuou a contribuir para o RPPS, a previdência dos servidores. Isso é que é visão de futuro... Agora, pediu aposentadoria integral c ganhou. Roseana, em nota, afirmou que a "aposentadoria ocorre 38 anos depois" de ter começado a "trabalhar" para o Senado. Simples assim. E legal, ainda por cima.

Roseana receberá por mês, de aposentadoria, RS 23.859,34. Como governadora do Maranhão, ganha RS 15.409,95. O Maranhão, capitania dos Sarneys, é o Estado com o segundo pior IDH do Brasil - perdeu a primazia para o Estado de Renan Calheiros, Alagoas. Se Roseana quisesse, poderia acumular três aposentadorias quando deixasse o cargo atual: como ex-governadora, ex-senadora e ex-servidora. Porque são fontes diferentes. É o motivo oficial. No país do rombo na Previdência, calcula-se que 67% dos aposentados pelo INSS recebam o equivalente ao salário mínimo: R$ 678. Um sistema de castas duro de engolir, impossível de explicar.

Roseana teve escola particular de enriquecimento com o pai, que acumulou todas as fontes de renda possíveis - como o auxilio-moradia embolsado irregularmente. Há dois anos, o site Congresso em Foco divulgou que José Sarney recebia um supersalário de R$ 62 mil por mês: a soma do subsídio de quase R$ 27 mil do Senado aos R$ 35 mil de duas aposentadorias, no governo no Maranhão e no Tribunal de Justiça estadual.

Ao contrário do pai, Roseana prometeu "devolver aos cofres públicos" a parte dos rendimentos que ultrapassar o teto do funcionalismo, R$ 28 mil. Não sabemos como fará isso. Para o Senado, ela não pode devolver nada. Depositará na conta do Tesouro? Fará um requerimento abrindo mão de quase um terço de sua remuneração mensal de RS 39 mil? Doará para a Fundação Sarney? Vamos esperar para ver. Prometo divulgar seu ato de generosidade, Roseana.

Ah se não fosse a realidade! - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 21/04

Jovens insistirem num sonho revolucionário que há muito já se dissipou, é, no mínimo, surpreendente


Estava assistindo a um programa de televisão onde eram entrevistados alguns artistas de teatro e cinema. Um deles, que foi entrevistado isoladamente, e que não era brasileiro, demonstrou sua profunda decepção com o momento atual e especialmente com sua geração, desinteressada da revolução.

Por isso mesmo, sentia-se isolado, uma vez que, no seu entender, a sociedade atual é inaceitável e teria que ser varrida do mapa. Não deixou claro que outra sociedade seria posta no lugar desta, mas certamente nada teria a ver com o capitalismo.

Em seguida, falou uma jovem atriz que, embora não tão radical quanto o anterior, também lamentou o fato de que a sua geração, ao contrário da de seus pais, não sonha com a revolução, nem pensa nisso.

O entrevistado seguinte, um pouco mais velho, também lamentou a falta de espírito transformador que impera hoje, quando as pessoas só pensam em seus próprios interesses, indiferentes aos problemas que tornam nossa sociedade inaceitável.

Enquanto os ouvia, me veio à lembrança uma conversa que tive, faz já algum tempo, com uma jovem universitária. Tinha ido à UFRJ fazer uma palestra e ela ficara de me trazer de volta para casa.

Deu-me o exemplar de um jornal do PC do B e perguntou o que eu achava das ideias desse partido. Respondi que não estava muito atualizado com o que aquele partido pregava mais recentemente mas, no passado, opunha-me a seu radicalismo exagerado. Ela não gostou de ouvir isso e defendeu o radicalismo como a única maneira de levar à mudança da sociedade capitalista.

Sem pretender travar polêmica com a moça, mas puxado por ela a discutir o assunto, argumentei. Com cuidado, perguntei-lhe se não lhe parecia bastante difícil fazer uma revolução comunista, hoje, depois de tudo o que aconteceu no mundo.

Veja bem --disse eu-- o sistema socialista, liderado pela URSS, chegou a ser a segunda potência militar e econômica do mundo e ainda assim, fracassou. Acha você que, agora, quando já quase nada existe daquele poder, é que vocês aqui no Brasil vão fazer a revolução e recomeçar tudo de novo? --perguntei-lhe.

-- E por que não?, disse ela. A URSS seguiu o caminho errado. Lembrei-lhe que a China, que tinha divergência com os soviéticos, também mudou e tornou-se agora um país capitalista. A resposta dela foi que a China nunca tinha sido de fato comunista. -- E Cuba? Cuba é que está certa? Mas a coisa por lá não anda muito bem. -- Aquilo ali não é socialismo, respondeu ela.

Fiquei olhando-a, sem entender. Então tudo o que aconteceu, desde a revolução de 1917, estava errado, nada daquilo era o verdadeiro socialismo? Sim, era isto o que ela afirmava ali, dentro daquele carro.

O verdadeiro socialismo era o do PC do B, embora seja ele hoje um partido sem maior expressão na vida política brasileira e tudo o que conseguiu foi ocupar o Ministério dos Esportes nos governos do PT. E logo o Ministério dos Esportes! Se há uma coisa que sempre esteve fora da preocupação do PC do B foram exatamente os esportes, que certamente viam como pura alienação...

Ao comentar essa conversa com o professor que me convidara a fazer a tal palestra, ouvi dele que, dos 30 alunos que compunham aquela turma, quase todos, senão todos, se diziam comunistas.

Admito que fiquei realmente surpreso. Que pessoas de minha geração, por terem militado na esquerda, ainda se mantenham fiéis àquelas convicções ideológicas, dá para entender. Mas jovens, que nasceram após o fim do sistema socialista, insistirem num sonho revolucionário que há muito já se dissipou, é, no mínimo, surpreendente.

Mas tampouco dá para entender a tese daquela mocinha para a qual tudo o que houve e ainda resta com o nome de comunismo não deu certo porque não era o verdadeiro comunismo. Ou seja, se fosse, teria dado certo. Pensando assim, ela se sente à vontade para acreditar em algo que não precisa acontecer para existir. A conclusão é que esse pessoal não dá muita bola para a realidade.

Agora mesmo, apareceu na internet um documento, supostamente assinado pelo PC do B, PT e outras entidades, solidarizando-se com a Coreia do Norte, que estaria sendo ameaçada pelos belicistas norte-americanos. Pode?

O debate - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 21/04

O apresentador entra no palco, onde estão três cadeiras.

Apresentador – Boa noite. Teremos hoje o último debate da nossa série Criacionismo ou Evolucionismo: Qual é a sua?. Afinal, fomos feitos por Deus ou descendemos dos macacos? O debate desta noite é o que todos estavam esperando, o que explica o auditório lotado e as cadeiras extras. Durante toda a semana tivemos aqui embates memoráveis entre defensores do criacionismo e defensores do evolucionismo, culminando com o debate de ontem, entre Richard Dawkins e o padre Rossi, que foi abandonado por Dawkins aos gritos de “Não. Não!” na metade, quando o padre Rossi ameaçou cantar.

E quem poderá esquecer o debate de quarta-feira sobre racionalismo empírico versus dogmatismo religioso entre Rene Descartes e Blaise Pascal, o desentendimento que começou quando Descartes confundiu “dogma” com “dogman” e perguntou se o Homem Cachorro era um novo super-herói dos quadrinhos e continuou quando Descartes reagiu a um argumento teológico de Pascal gritando “Au secours!” e Pascal ouviu mal e protestou “Olha o nível”, até se esclarecer que Descartes estava pedindo socorro.

Depois disso não houve entendimento possível e todos se lembram de como acabou a noite. Por sinal, para os que ficaram preocupados, informo que Descartes já saiu do hospital e está em repouso, em casa. Mas vamos ao grande debate desta noite. Os dois participantes não precisam de apresentações. O primeiro é... Charles Darwin em pessoa! Mr. Darwin, por favor.

Charles Darwin entra no palco e é aplaudidíssimo por parte da plateia. O resto da plateia aplaude educadamente.

Apresentador – Charles Darwin, quem não sabe, é o fundador do evolucionismo. Foram seus estudos sobre a adaptação dos genes ao meio e a seleção natural que deram origem a teoria da evolução das espécies, inclusive a espécie humana, que descenderia dos macacos. Apesar de estar morto desde 1882, Mr. Darwin concordou, gentilmente, em participar do nosso simpósio, principalmente quando soube quem seria o outro debatedor. Não é, Mr. Darwin?

Darwin – É. Será uma oportunidade para esclarecer alguns pontos.

Apresentador – E aqui está ele, senhoras e senhores. O outro debatedor desta noite. O grande, o eterno, o nunca assaz louvado... Deus Nosso Senhor!

Deus entra no palco saudando o público e é recebido com uma ovação. Parte da plateia grita “Senhor! Senhor! Senhor!”. Deus senta à direita do apresentador, Darwin à esquerda.

Darwin – Senhor, eu queria aproveitar esta oportunidade para dizer que, em momento algum a minha teoria negou a sua existência, ou desrespeitou o seu poder. Eu vivi e morri como um cristão. Só não podia esconder minha descoberta.

Deus – Eu sei, meu filho, eu sei. E você estava certo.

Darwin (surpreso) – Eu estava certo?!

Deus – Estava. Aquela história que eu criei o homem do barro, à minha imagem, e depois fiz a mulher da sua costela... Tudo literatura. Licença poética. O homem descende do macaco. Eu quis que fosse assim. E quis que você descobrisse. A sua obra é a maior prova de que eu (aliás, Eu) existo. E mando. Num mundo regido pelo acaso você dificilmente chegaria aonde chegou.

Apresentador – Então o senhor acredita num...

Deus – Evolucionismo dirigido. Um pouco como o capitalismo na China.

Darwin – Mas então por que tanta gente resiste à ideia de que o homem descende do macaco e não foi criado por Deus à sua imagem?

Deus – Ah, meu filho. A vaidade humana nem Eu controlo.

Pense Melhor - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 21/04

O cigarro é um vício traiçoeiro: custa barato, pode ser comprado em qualquer botequim, e não é crime


Qual a coisa mais preciosa do mundo? Não é dinheiro, nem amor, nem poder, e vou dar uma pista: não tem forma, nem cheiro, nem cor, não pode ser emprestada, nem dada, nem comprada. Não se vive sem, mas muitos fazem bobagens, um dia precisam dela para viver, mas aí pode ser um pouco -ou muito- tarde. Adivinhou?

As pessoas começam a fumar cedo: porque é moda, para mostrar que não seguem as modas, ou por qualquer coisa tão boba quanto. Aconteceu comigo.

Fumei todos os cigarros a que tive direito, e houve um momento em que escadas e ladeiras viraram um verdadeiro suplicio. O curioso -e trágico- é que nunca nenhum amigo (e foram muitos), ao me ver assim, me disse que o problema era o cigarro.

E como eu não sabia, quando parava para descansar, num café ou num banco de rua, relaxava fumando mais um cigarro, ai ai.

Há alguns anos fiquei mais ou menos e parei, claro. Quando voltei a me sentir bem, achei que fumar um cigarrinho ou dois não me faria nenhum mal, e tive pequenas recaídas. Como sou ansiosa, e se puserem uma caixa de chocolates perto de mim vou comer até o último, com os cigarros é a mesma coisa -sem comentários.

Comecei então a inventar pequenos truques: comprava dois cigarros no varejo, na banca de jornais; à noite, se fosse preciso, comprava mais dois. Dessa forma, eu achava que havia vencido o vicio, mas se algum amigo tirava um maço do bolso eu me atirava como se fosse a mais miserável viciada em crack.

Houve vezes em que, num restaurante -no tempo em que ainda se fumava em restaurantes- eu via alguém fumando, chegava perto e dizia, na maior simplicidade, "eu deixei de fumar, será que posso filar um cigarrinho?"

Não há maior solidariedade do que entre viciados, sejam eles em cocaína, heroína, ou nicotina. As pessoas a quem eu pedia um cigarro eram todas simpáticas, nunca nenhuma delas me disse não; sempre sorrindo, cúmplices, compreensivas.

A vida foi correndo solta, até que em uma viagem a um país onde cigarros não são vendidos no varejo, comprei um maço. Foi o primeiro de muitos; voltei péssima, as coisas tinham ido além do limite. Tive medo, parei no tranco, mais uma vez, e entendi que com vícios não dá para brincar.

Hoje, quando vejo uma pessoa fumando na rua tenho vontade de parar, sacudi-la pelos ombros e contar o que foi o cigarro na minha vida. Mas lembro que quando ouvia um discurso contra o fumo, acendia um, só para provocar; como se pode ser tão idiota?

O cigarro é um vício traiçoeiro: custa barato, pode ser comprado em qualquer botequim, e não é crime. Além disso, é -aparentemente- o companheiro na hora do estresse, da solidão, da festa, da tristeza, enfim, de todas as horas.

Eu me convenceria de que o cigarro não faz mal se visse, numa reunião de diretoria de um Marlboro da vida, quando são discutidas as novas técnicas de marketing para aumentar as vendas, todos fumando. Aliás, se fosse um só diretor, já me convenceria.

Dá para acreditar que alguém ponha um tubinho na boca, acenda e aspire, várias vezes por dia, sabendo que -é inevitável- um dia vai sofrer de falta de ar?

Como eu dizia, a coisa mais importante que existe na vida não tem cheiro, nem forma, nem cor, e não se compra com dinheiro nenhum: é o ar que se respira.

P.S.: Quanto mais cedo você parar, melhor, mas é sempre tempo. Para mim, foi.

Só mesmo no Pirandello - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 21/04

Se um dia se escrever a história do "Baixo Augusta", será indispensável registrar também a pré-história desse fervedouro da noite paulistana - e, nela, abrir vasto capítulo para o inesquecível pioneiro que foi, ao longo dos anos 80, o Spazio Pirandello, no 311 da Rua Augusta. Boa parte está contada no livro Spazio Pirandello - Assim era, se lhe parece, de um dos ex-donos da casa, Wladimir Soares, mas certamente há muito mais o que acrescentar.

De minha parte, a primeira de fartas lembranças fortes é a da noite de janeiro de 1980 em que ali estive, com uns colegas, para beber e chorar mágoas. Motivo para conjugar os dois verbos não faltava. Chegara ao fim uma aventura que por seis meses nos apaixonara e consumira: o Jornal da República, miragem em torno da qual Mino Carta havia reunido marujos de alto coturno - Claudio Abramo, Clóvis Rossi, Ricardo Kotscho, Nirlando Beirão, Roberto Pompeu de Toledo, Paulo Markun, tantos mais - e que, mesmo com tripulação de primeira, naufragou.

Foi essa ressaca que levamos naquela noite ao Pirandello, aberto dias antes por Wladimir e o ator Antonio Maschio na porção mais fuleira da Augusta, num sobrado onde, dizia-se, o jovem Oswald de Andrade afiou os dentes para a Antropofagia. À guisa de engov para almas escalavradas, os anfitriões ofereceram aos sem-jornal uma taça de champanhe - delicadeza e hospitalidade que seriam distintivos do Pirandello nos 10 anos em que esteve sob seu comando.

Havia outros, como a irreverência e a criatividade, especialmente saudáveis num momento em que se vislumbrava o fim da ditadura. Que Brasil aquele! Com a anistia, voltavam os exilados, e um deles, Fernando Gabeira, desafi(n)ava a rigidez dos companheiros ao lembrar, não só com sua tanga de crochê, que fazer revolução é mais do que depor uns generais. A aids, de que se começaria a ouvir falar em 1983, ainda não pusera freio na liberação sexual - da qual o Pirandello era reduto escancarado, quando a vizinha Rua Frei Caneca não era ainda rima para gay.

Impossível esquecer cenas como a que presenciei num fim de noite, quando, o serviço já encerrado, um companheiro de mesa pediu ao garçom mais uma vodca. Sem lhe dar tempo de depositar o copo sobre a mesa, ele avançou no ar uma língua ávida e saburrosa - e, com impassibilidade vacum, olhos semicerrados, se pôs a lamber meticulosamente a mão do garçom, o qual, excedendo-se no profissionalismo, a manteve estendida, trêmula mas não muito, o bastante para que se pudesse ouvir um nervoso chacoalhar de gelo no cristal do copo.

Num tempo de "bares ideológicos" (o Pauliceia 22 era ninho do Partidão, e o Bar da Terra, de trotskistas), aquele era ecumênico. No mesmo lugar onde se gestou a Campanha das Diretas, podia-se, na Sexta-feira Santa, tomar sopa de hóstia (não-consagrada). Chegou ali, antes que em muita redação, a notícia de que Tancredo não tomaria posse no dia seguinte. Era uma quinta-feira e eu estava lá, com Sonia Goldfeder e Flaminio Fantini, ressarcindo-nos de mais um pedregoso fechamento na IstoÉ.

Fomos nós que, não de Brasília, onde rolava o drama, mas daquele bar, comunicamos a novidade ao editor da revista. Em seguida, encharcados de excitação cívico-etílica, saímos pela noite, ansiosos por saber como a notícia batera em cada bar ideológico. O que não nos impediu de às 9 da manhã estar na redação, incorporados ao mutirão da reportagem sobre a não-posse de Tancredo. Assim prosseguiríamos por semanas, durante as quais boletins triunfalistas davam conta de crescentes melhoras no estado de saúde do presidente eleito. A pátria cruzara os dedos com tanta fé que alguém - no burburinho do Pirandello, exatamente - chegou a afirmar: só um milagre poderá matá-lo!

Nas velhas paredes do bar, em 1980, Vania Toledo expôs fotos de homens nus, alguns deles habitués da casa. Lembro-me do ar blasé com que o pessoal fingia ignorar os pingolins ao vento - até que chegassem três senhoras finas, com aqueles cabelos azulados de tia-avó, e, desinibidamente, se pusessem a admirar a anatomia da rapaziada.

Só mesmo no Pirandello.

Deus, Einstein e os dados - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 21/04

Ao escrever que Deus não joga com dados, Einstein demonstrou incômodo com a mecânica quântica


Talvez o leitor tenha já ouvido falar da famosa frase de Einstein em carta ao físico Max Born, de 4 de dezembro de 1926, popularizada como "Deus não joga dados". Que dados e que Deus eram esses?

Einstein referia-se à física quântica, que explica o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas, como elétrons, prótons e fótons, as "partículas de luz".

Os "dados" aqui aludem a probabilidades, ao fato de no mundo quântico ser impossível determinar onde um objeto vai estar. No máximo, podemos calcular a probabilidade de ele ser encontrado aqui ou ali, com esta ou aquela energia.

Isso era bem diferente da física anterior, na qual ao saber a posição e velocidade de um objeto era possível, em princípio, determinar sua posição futura com precisão limitada só pelo instrumento de medida.

Para Einstein, uma física não determinista não podia ser a última palavra na descrição da natureza.

Outra versão, mais abrangente, deveria explicar as probabilidades e os paradoxos do mundo quântico. Aparentemente, Einstein estava equivocado. Deus joga dados sim.

A versão completa da frase de Einstein é um pouco diferente: "A mecânica quântica é certamente impressionante. Mas uma voz interior me diz que não é ainda a coisa real. A teoria diz muito, mas não nos traz mais perto dos segredos do Velho. Eu, pelo menos, estou convencido de que Ele não joga com dados".

O "Velho" aqui é uma figura metafórica representando não o Deus judaico-cristão, mas o espírito da natureza, a essência da realidade.

Para Einstein, a função da ciência é desvendar essa estrutura, revelar como funciona o mundo.

Por outro lado, ele tinha consciência de que nossas formulações científicas eram meras aproximações do que realmente ocorre: "Vejo a natureza como uma estrutura magnífica que podemos compreender apenas imperfeitamente e que deveria inspirar em qualquer pessoa com capacidade de reflexão um sentimento de humildade".

O que incomodava Einstein era a interpretação da mecânica quântica, que diferia da sua visão de mundo. Em parte, foi ele mesmo o culpado, ao propor que a luz podia ser interpretada como onda (como todos já sabiam em 1905) ou como partícula. Como é que a mesma coisa poderia se manifestar de formas tão diferentes?

A coisa piorou quando a equação descrevendo elétrons em torno de núcleos atômicos, a "mecânica ondulatória" que Erwin Schrödinger propôs em 1926, descrevia algo imaterial. Em vez de uma onda normal, como uma de água, a equação descreve uma "função de onda" cuja interpretação, proposta por Born, era muito estranha: o quadrado (para os experts, valor absoluto) da função dava a probabilidade de medirmos a partícula em determinada posição ou com determinada energia.

Ou seja, a equação fundamental da matéria não descrevia matéria!

Nesse caso, a essência da natureza não era algo de concreto, mas uma abstração matemática. A teoria funcionava, mas sua interpretação era um mistério. Esse era o problema que Einstein tinha com o Deus que joga dados. E até hoje, quando físicos começam a pensar no assunto, não conseguem evitar uma certa ansiedade, mesmo com todo o sucesso da física quântica.

A energia do oceano - RENATO CRUZ

O Estado de S.Paulo - 21/04

Os oceanos são uma grande fonte potencial de energia. E eu não estou falando do petróleo da camada pré-sal. O movimento das ondas, das marés e das correntes marinhas e as diferenças de temperatura e da salinidade das águas podem ser convertidos em energia elétrica. Mas a tecnologia para isso tudo não foi totalmente dominada. Existem vários projetos-piloto no mundo, sem que se tenha encontrado uma solução viável economicamente para que os mares passem a gerar energia em larga escala.

O professor Segen Estefen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identifica uma oportunidade para o Brasil nessa área. "Temos condição de ser competitivos no mar, já que perdemos a corrida na energia solar e na eólica", disse Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ. Na semana passada, ele participou, no Recife, do 5.º Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência 2013.

Em qualquer lugar, esse é um campo novo. De acordo com o relatório "Fontes de Energias Renováveis e Mitigação da Mudança Climática", publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas em 2011, somente 0,002% do total da oferta de energia no mundo tem origem no mar.

O Brasil tem um dos projetos de ponta nessa área. No ano passado, foi instalada no Porto do Pecém, a 60 quilômetros de Fortaleza, uma usina de ondas. Com tecnologia da Coppe, teve apoio da Tractebel e do governo do Ceará. O investimento é de cerca de R$ 15 milhões, com recursos do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A costa brasileira tem um potencial de geração de energia de 114 gigawatts (GW). Desse total, cerca de 20% são viáveis, de acordo com o professor da UFRJ. Para se ter uma ideia do que seriam esses 22 GW, a usina hidrelétrica de Itaipu tem uma capacidade instalada de 14 GW. Os mares podem se tornar uma fonte alternativa importante de energia renovável, caso os desafios tecnológicos sejam resolvidos.

A usina de ondas de Pecém é um projeto experimental, com capacidade de 100 quilowatts (um quilowatt equivale a um milionésimo de gigawatt). Segundo Estefen, a usina foi construída com tecnologia 100% nacional, desenvolvida no Laboratório de Tecnologia Submarina da Coppe. Um dos pesquisadores chegou a registrar uma patente nos Estados Unidos.

O sistema tem dois módulos, cada um deles formado por uma boia com 10 metros de diâmetro e um braço mecânico de 22 metros de comprimento. As ondas fazem as boias subir e descer, e movimentam os braços mecânicos. O movimento alternado aciona uma bomba mecânica, que libera um jato com força equivalente a uma queda d'água de 400 metros, similar às das grandes hidrelétricas. O jato aciona uma turbina, que ativa um gerador e produz energia elétrica. A água desse jato não é do mar, mas água doce num sistema fechado que existe na usina.

Até agora, a usina de ondas funcionou durante alguns períodos. "Agora queremos colocar o laboratório em operação contínua", disse Estefen. "O desafio é garantir a confiabilidade do equipamento e manter a usina produzindo energia." A ideia seria garantir uma produção mínima de energia, como acontece nas usinas eólicas.

A tecnologia usada em Pecém surgiu no laboratório da Coppe, que também desenvolve soluções para exploração de petróleo em águas profundas. Segundo o professor da UFRJ, o próximo projeto será criar uma usina em alto-mar, no Rio de Janeiro. O projeto está sendo discutido com a Marinha e deve ser financiado por Furnas. A ideia é criar e instalar um módulo só, com investimento de cerca de R$ 8 milhões. Sem ocupar espaço na costa, que pode ser caro, a geração de energia do oceano acabaria por se tornar mais viável.

Os clientes poderiam ser as próprias plataformas do pré-sal. "O petróleo ainda vai dominar por algumas décadas", reconheceu Estefen. Mas, na sua visão, a exploração de petróleo em águas profundas pode ajudar o Brasil a desenvolver e dominar a tecnologia de geração de energia do mar, preparando o caminho para o futuro.

Em ritmo de definições - JOÃO BOSCO RABELLO

O Estado de S.Paulo - 21/04

Fora do tempo, a campanha presidencial em curso já ganhou dinâmica eleitoral cobrando aos seus principais atores a antecipação de definições que, em circunstâncias normais, ocorreriam no final do ano. No ritmo em que se desenvolve, não é exagero prever que o limite para alguns é o final desse primeiro semestre.

São os casos, em primeiro lugar, do PSB e, com menos pressão, do PSDB, ambos alcançados pela estratégia do governo de antecipar o processo. Ao primeiro é cada vez mais difícil a confortável condição de candidato e aliado, que lhe proporciona um palanque sem custo. Ao segundo, urge a conquista da unidade interna.

A semana que passou produziu fatos ilustrativos dessa corrida da oposição contra o relógio para fazer frente à desenvoltura, "no limite da irresponsabilidade", com que o governo atropela a legislação, transformando a agenda presidencial em roteiro de campanha eleitoral.

Aécio Neves aparentemente consolidou o acordo que lhe dará a presidência do PSDB na Convenção Nacional de 19 de maio, investindo-o de autoridade política para conduzir as alianças com vistas a 2014.

A fusão do PPS com o PMN, com o objetivo de apoiar Eduardo Campos, tanto solidifica sua candidatura, quanto apressa a ruptura com o governo, cobrada por uma base ávida por cargos e de olho nos do PSB.

Irritado com o apoio do PSB ao novo partido de Marina Silva, o PT intensificou na quarta-feira, a cobrança sobre Dilma: "Ficou claro que o PSB é oposição", disse o líder do partido, José Guimarães (CE). "O governo deve ter consciência disso." Mais claro,impossível.


Operação tartaruga

A pressão por cargos faz o governo refém de partidos insatisfeitos com a composição ministerial. Com uma base obesa e voraz, o Planalto acompanha cenas de traição explícita. Na Comissão de Infraestrutura do Senado, o PTB retarda a indicação para diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), retaliação do líder do partido, Gim Argello (DF), que não conseguiu reconduzir seu afilhado, Ivo Borges, para novo mandato na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A mesma para onde o ex-ministro dos Transportes, Paulo Passos aguarda a aprovação do PR, seu partido, que o apeou do cargo.

Nem relator

Na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), estão congeladas as indicações para agências reguladoras. Passados quase dois meses, não ganharam sequer relatores as indicações para diretor da Anvisa e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O presidente da comissão, Waldemir Moka (PMDB-MS), é tido como fiel a Eduardo Campos.

Fiado, não

O governo deve ceder aos governadores para chegar a um acordo em torno da alíquota única do ICMS. Para viabilizar a votação do projeto que unifica a alíquota no território nacional, o governo deixaria caducar a MP 599, que cria um fundo regional para compensar os Estados pelas perdas decorrentes da alíquota única. O fundo passaria a ser criado via projeto de lei complementar, do senador Paulo Bauer (PSDB-SC), e votado antes da alíquota, por desconfiança dos governadores.

Ofensiva

A presidente Dilma Rousseff tem agenda no Rio Grande do Norte dia 29, em continuidade à ofensiva no Nordeste contra Eduardo Campos apoiado pela ex-governadora Wilma de Faria. Dilma costura a candidatura do ministro da Previdência, Garibaldi Alves, que resiste à missão. Ao PT, caberia a vaga ao Senado.

Autonomia ao BC - agora vai? - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 21/04

"No meu governo não tem ninguém autorizado a falar de inflação e juros sem ser o Banco Central. O ministro da Fazenda fala sobre dívida e superávit", respondeu a presidente Dilma Rousseff à pergunta de jornalistas sobre opiniões contraditórias de integrantes de sua equipe econômica. Ocorreu num café da manhã no Palácio do Planalto, em 28 de dezembro do ano passado, portanto, há apenas quatro meses. Pois se estrepou quem confiou na declaração da presidente.

Há 15 dias, em palestra a empresários, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou a falar de juros e admitiu a possibilidade de elevar a Selic. E na terça-feira, véspera da reunião do Copom para decidir a taxa, a própria presidente Dilma tratou de antecipar a decisão e ainda deu a dica do porcentual de aumento: "Será possível fazer em patamar bem menor". No mercado, as apostas em aumento de 0,5% na taxa recuaram para 0,25%. E quem ainda tinha dúvida sobre se o governo interfere nas decisões do Copom passou a ter certeza.

Para cumprir com êxito a missão de "assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente", como está escrito em destaque em seu site, o Banco Central (BC) precisa trabalhar com autonomia, não sofrer influências políticas que o enfraquecem nos embates cotidianos com especuladores e dificultam o êxito de sua missão. Declarações inconvenientes contrariam objetivos do BC, do governo e da própria presidente. Quer ver um exemplo?

Durante a reunião dos Brics na África do Sul, no final de março, Dilma declarou discordar de políticas de combate à inflação que sacrifiquem o crescimento. Efeito imediato, a taxa de juros no mercado futuro despencou. Irritada, ela acusou agentes do mercado de manipularem suas palavras. Se tivesse ficado calada, nada disso teria acontecido, o mercado não teria motivo nem respaldo para criar volatilidade, instabilidade.

Nos países onde a autonomia ao BC é garantida em lei foi consolidado um entendimento geral - no governo, na sociedade, no mercado - de que decisões sobre juros e controle da inflação cabem exclusivamente ao BC. E ninguém questiona. Não se vê o presidente Barack Obama nem o primeiro-ministro inglês, David Cameron, darem palpite sobre juros, como fazem Dilma e seus ministros no Brasil. Aqui, vivemos um sistema híbrido em que a autonomia do BC foi respeitada por FHC e Lula, menos por Dilma, porém, por não estar regulamentada em lei, depende da vontade de quem ocupa o trono em Brasília.

Mas surgiu algo novo que pode mudar para melhor a estrutura do BC e o rumo dessa questão. Aparentemente sem o aval de Dilma, o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), revelou à Agência Estado que vai discutir e colocar a autonomia em votação. O ponto de partida será um projeto do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), pelo qual o Conselho Monetário Nacional (CMN) define a meta de inflação e a diretoria do BC tem autonomia para decidir e executar políticas que garantam seu cumprimento. Para isso, os oito diretores terão mandato fixo de seis anos, durante os quais o presidente do País só poderá demiti-los por motivo grave definido na lei e com aprovação do Senado.

A proteção contra demissões injustificadas é o que garante independência, autonomia e liberdade para os diretores do BC tomarem decisões que contrariem a opinião ou o desejo do presidente, de ministros e da classe política, sem temer represálias. Por vezes, o combate à inflação exige decisões impopulares, de que os políticos não gostam, mas que são absolutamente necessárias.

A intenção de Dornelles é discutir e aprovar para a autonomia vigorar em 2015. O próximo presidente, portanto, poderá manter parcialmente ou mudar todos os atuais diretores. Mas, como o mandato é de seis anos, seu sucessor vai conviver por dois anos com toda a diretoria que encontrar. Não convém a coincidência do término de mandatos. Melhor alterná-los entre os oito diretores, como constava de projeto do BC no final da gestão de FHC.

Tutores de Maduro - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 21/04

A pequena diferença de votos, os mortos nos protestos, as reações autoritárias deixarão cicatrizes no governo de Nicolás Maduro, na Venezuela. A recontagem dos votos é um alívio, mas não deve mudar o resultado. A trinca no chavismo foi vista na declaração do presidente da Assembleia, Diosdado Cabello, de que é preciso fazer autocrítica diante da vitória por margem mínima.

O maior risco que o governo de Maduro corre, caso não consolide sua liderança política na Venezuela, vem dos militares, e não da oposição. Os militares governam mais de 20 estados. Numa forma de se garantir, Chávez colocou companheiros de farda como candidatos aos governos estaduais. Estão nas mãos de civis os poucos estados governados pela oposição.

Outra fatia do poder está nas mãos dos cubanos, que têm predominância sobre os setores de segurança e inteligência e controlam toda a área de saúde.

- A situação na Venezuela tem todas essas complexidades. Chávez entregou às Forças Armadas, especialmente ao Exército, grandes fatias do poder. Por outro lado, os militares venezuelanos não veem com bons olhos o controle de oficiais cubanos na área de segurança e inteligência. Além disso, quase 50 mil médicos dominam a área da saúde. Maduro também terá que consolidar o próprio chavismo, que tem várias facções - disse o embaixador Rubens Ricupero.

Maduro nunca será Chávez, por mais que tente encarnar o fantasma do líder, mas a oposição também não é mais aquela. Os métodos administrativos de Hugo Chávez eram discutíveis, mas ele alimentou demandas de participação dos mais pobres na vida do país, da qual eles não vão mais abrir mão. Por isso, a oposição liderada por Henrique Capriles não pode ser o rosto jovem da velha oligarquia bipartidária - Copei e AD - que governou a Venezuela antes de Chávez.

Também não pode ser a mesma oposição que tentou o golpe em 2002. Neste ponto, o curioso é que o governo acusa a oposição de golpista - e houve de fato o triste episódio de 2002 - mas a tentativa de golpe militar que Hugo Chávez liderou, em 1992, é tratado como um ato heroico e uma data cívica nacional. Não se fala que ele foi anistiado depois.

A novidade da eleição permanece intrigando os analistas. Maduro despencou 10 pontos em poucas semanas, desde as primeiras pesquisas de intenção de votos. O chavismo perdeu apoio. A aceitação da recontagem pelo Conselho Nacional Eleitoral dará mais legitimidade ao eleito. Por um tempo, o CNE não disfarçou sua parcialidade. A composição do órgão que comanda as eleições foi alterada nos últimos anos para ser favorável ao chavismo.

As reações autoritárias de maduro de impedir manifestações, censurar as televisões e ameaçar não repassar recursos da federação para Miranda, o estado governador por Henrique Capriles, só aprofundam a divisão da sociedade venezuelana.

Hugo Chávez governou pela divisão da sociedade. Ele extraia poder e seguidores demonizando uma parte dela. Esse é seu pior legado. O conflito do país não é fácil de sanar, principalmente por um líder sem carisma como Nicolás Maduro.

A crise econômica com inflação, desabastecimento, déficit público, dívida alta e baixo crescimento pode tornar mais difícil ainda a governabilidade do país. O excesso de militarização da política e da administração é outro complicador. A presença excessiva dos cubanos, outro. Não há bom tempo à frente.

O melhor seria se Maduro tentasse trabalhar pela conciliação da sociedade venezuelana, o que significa fazer o oposto da radicalização que está propondo neste primeiro momento.

Se a oposição quiser se preparar para governar a Venezuela - seja no meio do mandato, no caso de referendo revocatório -, ou se ganhar a próxima eleição daqui a seis anos, tem que começar a trabalhar para vencer os focos de resistência. O referendo é previsto na Constituição para o meio do mandato.

Mas, nos próximos meses e anos, o grande fiador de qualquer solução serão as Forças Armadas.

- Na hipótese de o governo Maduro não controlar as reações contrárias, ou não reverter a crise econômica, as Forças Armadas é que entrarão em ação. Ao contrário de outros países, em que os militares governaram e saíram desmoralizados, na Venezuela, o último governo militar acabou em 1957 - lembrou Ricupero.

Decisão equivocada - AMIR KHAIR

O Estado de S.Paulo - 21/04

Nunca foi tão tumultuada e tensa a decisão do Copom de quarta-feira passada. Há alguns meses já havia forte pressão do mercado financeiro pela elevação da Selic. Argumentavam que a inflação nos últimos 12 meses estava se elevando e iria romper o teto da meta. Omitiam que a inflação mensal era cadente desde o início do ano: janeiro, 0,86%; fevereiro, 0,60%; e março, 0,47%.

O Banco Central (BC) se contrapunha a essa pressão arguindo "cautela", pois no exterior o preço das commodities está desabando e os dados internos são de queda mensal da inflação.

Mais recentemente, começaram algumas análises a defender que a inflação só cairia se o mercado de trabalho desaquecesse, ou seja, os salários tinham de crescer menos e, para isso, recomendam elevação no desemprego. Outras análises sugerem que o governo deveria diminuir despesas e segurar o crédito. Ambas visam a redução da atividade econômica como terapia de combate à inflação.

A presidente se contrapôs a isso em pronunciamento no dia 27 de março, quando esteve na África do Sul, afirmando que não iria sacrificar o crescimento para combater a inflação.

Imediatamente, a parcela do mercado que ainda apostava na elevação da Selic mudou para a manutenção dessa taxa. Mas o mercado financeiro não recuou, e passou insistentemente a tachar o BC de leniente com a inflação, de ter perdido a autonomia e de não mais ancorar as expectativas inflacionárias.

Apesar dessa pressão e da forte elevação dos alimentos in natura (responsáveis por 43% do IPCA deste ano), a maioria dos analistas não previa alteração na Selic, segundo o jornal Valor Econômico em matéria do dia 12 último. Nesse mesmo dia, o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central deram declarações que reviraram as expectativas, e todo mundo passou a prever que o Copom iria aumentar a Selic. É possível que essas declarações tenham ocorrido por ordem do Planalto, pois a pressão política foi intensa na mídia, repercutindo a elevação de alguns alimentos in natura, com destaque para o tomate, tomado como símbolo da inflação.

Erro. Ao elevar a Selic o objetivo do BC é esfriar a economia, partindo do pressuposto de que há excesso de demanda em relação à oferta. A pergunta é: a economia está aquecida? Seguramente, não. Saímos de um pífio crescimento de 0,9% no ano passado, depois de um fraco crescimento de 2,7% em 2011, índices bem abaixo do crescimento médio mundial (3,9% em 2011 e 3,1% em 2012). Os primeiros indicadores para este ano apontam para crescimento no País até 3%, abaixo do crescimento mundial previsto pelo FMI de 3,3% segundo o World Economic Outlook, publicado na terça-feira.

Demanda x oferta. Mas por que há análises que apontam que a inflação é devida ao excesso de demanda em face da oferta? É que citam, para exemplificar, o setor de serviços, cuja inflação nos últimos 12 meses atingiu 8,4%.

Esse setor quase não sofre concorrência externa e assim, reajusta preços de acordo com a demanda e essa, de fato, tem superado nos últimos anos a oferta, por causa do forte crescimento da classe média ocorrida especialmente nos anos dourados de 2004/2008, quando a economia cresceu em média 4,8% ao ano. O que não dizem essas análises é que o setor de serviços representa apenas 25% do IPCA.

Para os bens comercializáveis, que influem metade do IPCA, há claramente excesso de oferta em relação à demanda, seja pela elevada ociosidade nas empresas, seja pela oferta internacional, muitas vezes superior à doméstica. Assim, para o conjunto da economia, o que se verifica é excesso de oferta em relação à demanda.

Perspectivas. É necessário sair do campo político de pressões e contrapressões e procurar ver alguns importantes condicionantes dos preços nos próximos meses. Não arrisco previsões além de 3 a 4 meses, pois principalmente o cenário externo sofre alterações por vezes importantes, surpreendendo a todos.

Há que considerar que: 1) o mundo é desinflacionário em commodities. O índice que as mede vem despencando como reflexo do crescimento mundial se reduzindo a cada avaliação; 2) os alimentos, que foram responsáveis por 76% da inflação deste ano, já começaram a cair fortemente, como apontou o IGP-10 no dia 16; 3) apontado como o vilão da inflação, o preço do tomate despencou 75% no dia 17 (Estadão, 18/4); 4) a previsão de experientes analistas de preços é de que este e o próximo mês serão de inflação baixa; 5) o governo continuará a desonerar produtos contribuindo para a redução de custos e preços e; 6) apesar do fluxo cambial fortemente negativo, o governo segura com mão de ferro o câmbio para manter artificialmente baratos os produtos importados.

É de se esperar, portanto, arrefecimento da inflação nos próximos meses, e isso independentemente do BC e da aposta do mercado financeiro de aumentos de 0,25 ponto porcentual em cada uma das próximas quatro reuniões do Copom.

1.º no ranking. Segundo dados básicos da Bloomberg e boletim Focus, o Brasil reconquistou a liderança do maior juro nominal do mundo, junto com a Índia. Pior ainda, no juro real (excluída a inflação) prefixado 12 meses à frente, o Brasil já era líder mundial absoluto com 2,8% antes da reunião do Copom e, se continuar a elevar a taxa Selic, vai se isolar cada vez mais.

1.º a elevar. O Brasil é o primeiro país a elevar o juro desde setembro de 2012, quando o Banco Central da Rússia aumentou a taxa. Todas as decisões de bancos centrais são por estabilidade ou redução nos juros devido à fraca atividade econômica, que ainda é mais fraca no Brasil.

Essa decisão do Copom e, caso siga o que pauta o mercado financeiro, de mais elevações da Selic, gera mais despesa com juros no governo federal, e quem paga essa conta é o contribuinte. É necessário que o governo, que não conseguiu resistir à pressão do mercado financeiro, diagnostique melhor o comportamento futuro da inflação para evitar nova decisão equivocada.

Que rainha sou eu? - REVISTA VEJA

Nós pagávamos o motel para LULA meter a vara na vagabunda!


REVISTA VEJA

VEJA revela os detalhes da sindicância que foi mantida em segredo pelo governo porque poderia criar "instabilidade institucional". Ela mostra como a ex-secretária Rosemary Noronha se aproveitou da intimidade com o ex-presidente Lula para ganhar dinheiro, traficar poder e viver como uma soberana
Construído no centro da Piazza Navona. um dos endereços mais cobiçados de Roma, o Palazzo Pamphili é uma preciosidade arquitetônica entre os edifícios que abrigam a embaixada brasileira nas capitais do mundo. O prédio. erguido no século XVII tem salões, quartos e pátios adornados com quadros, esculturas e afrescos barrocos de alta qualidade artística. São poucos os privilegiados que conhecem suas dependências mais íntimas. Estão nessa lista presidentes e ex-presidentes da República e personalidades estrangeiras convidadas, entre elas a princesa Diana da Inglaterra.
Tão luxuoso quanto restrito, sabe-se agora, o palácio frequentado pela realeza e por chefes de estado também abriu seus aposentos reservados para uma funcionária publica. Rosemary Noronha, ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, que protagonizou recentemente um dos mais rumorosos casos de promiscuidade entre os interesses públicos e privados. VEJA teve acesso a documentos oficiais que registram esse e outros capítulos inéditos da história envolvendo a mulher que por anos. conduziu uma repartição pública como se fosse um pequeno reino - o reino de Rose.
Durante dois meses, uma comissão especial do governo colheu depoimentos de funcionários, vasculhou mensagens eletrônicas, registros de agenda e listas de visitantes para tentar reconstituir, ao menos em parte, a rotina no gabinete da Presidência da República em São Paulo entre 2009 e 2012. No ano passado, a Polícia Federal descobriu que Rosemary Noronha usava a influência e a intimidade que desfrutava com o ex-presidente Lula para se locupletar do poder. Ela patrocinou lobbies. agendou encontros com autoridades e ajudou uma quadrilha que vendia pareceres a empresários.
Em troca, recebia vantagens e remuneraçáo em dólar, euro, real e até em won a moeda coreana. Exonerada do cargo e indiciada por formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva.
Rosemary foi alvo de uma sindicância conduzida por técnicos da Presidência.
O relatório final da investigação, mantido em segredo por determinação expressa do próprio governo, é a síntese do que para alguns é a norma fria do serviço público em Brasília, uma grande loja de facilidades.
O resultado da investigação é um manual de como proceder para fraudar e trapacear no comando de um cargo público quando seu ocupante priva da intimidade do presidente da República. Sob o comando da Casa Civil da Presidência. os técnicos rastrearam anormalidades na evolução patrimonial de Rosemary Noronha e recomendaram que ela seja investigada por suspeita de enriquecimento ilícito. Um processo administrativo já foi aberto na Controladoria-Geral da União. Ex-bancária, Rose. como é chamada pelos mais íntimos, foi uma destacada militante do movimento sindical no início da década de 90. Era admirada na categoria pelos belos cabelos longos e por outras peculiaridades do seu biótipo. Seus talentos foram logo notados pelos figurões do PT. O então deputado José Dirceu. de quem se tornou muito amiga, contratou-a como secretária de gabinete. Logo depois, promovida. Rose passou a organizar a agenda do candidato Lula, cuidar das suas contas, anotar seus recados, enfim, gerenciar o cotidiano do futuro presidente. E fazia isso com muita competência, segundo pessoas próximas. No governo petista, ela continuou cuidando do dia a dia do presidente, principalmente quando havia viagens internacionais. Por determinação do cerimonial do Palácio do Planalto. era autorizada a se engajar na comitiva sempre que Marisa, a esposa de Lula, não podia acompanhar o marido. Sem uma função definida. Rose ficava hospedada no mesmo hotel do presidente. de prontidão para ser acionada em caso de necessidade. A extrema proximidade com o presidente provocou ciúme e desentendimentos. Em 2007 ela deixou o cargo de assessora especial de Lula e assumiu a chefia do escritório da Presidência da República em São Paulo. Àquela época, a corte já sabia: falar com Rose era o atalho mais rápido para se comunicar com o presidente.
A sindicância destoa da tradição dos governos petistas de amenizar os pecados de companheiros pilhados em falcatruas. Dedicado exclusivamente aos feitos da poderosa chefe de gabinete, o calhamaço de 120 páginas produzido pela sindicância é severo com a ex-secretária.
Mostra que Rosemary encontrou diferentes formas de desvirtuar as funções do cargo. Ela pedia favores ao "PR" - como costumava se referir a Lula em suas mensagens - com frequência. Era grosseira e arrogante com seus subalternos. Ao mesmo tempo, servia com presteza aos poderosos, sempre interessada em obter vantagens pessoais - um fim de semana em um resort ou um cruzeiro de navio, por exemplo. Rosemary adorava mordomias. Usava o carro oficial para ir ao dentista, ao médico, a restaurantes e para transportar as filhas e amigos. O motorista era seu contínuo de luxo. Rodava São Paulo a bordo do sedã presidencial entregando cartas e pacotes, fazendo depósitos bancários e realizando compras. Como uma rainha impiedosa, ela espezinhava seus subordinados.
Depoimentos de motoristas, secretárias e copeiras que recebiam ordens da ex-secretária revelam uma rotina de humilhações públicas. Rosemary gritava e distribuía insultos na frente de visitantes do gabinete. Um simples cumprimento ou um boa tarde dirigido a ela na hora errada poderia resultar em tremenda grosseria. Certo dia. humilhou uma secretária a tal ponto que o caso foi parar no hospital. Depois de cair em prantos por ter sido ameaçada de demissão, a servidora passou mal e precisou ser socorrida pelos bombeiros do órgão. Ao constatar que a pressão dela estava muito alta. o bombeiro chamou Rosemary â sala e relatou a necessidade de levar a servidora imediatamente ao médico.
Não havia ambulância disponível mas alguém lembrou que o carro oficial estava na garagem. Rosemary ficou transtornada com a sugestão e proibiu o motorista de prestar socorro. A funcionária e o bombeiro acabaram indo de táxi para o hospital. Depois disso, a rainha Rose ainda proibiu a servidora de lhe dirigir a palavra e, por fim. a demitiu.
Rosemary Noronha se comportava e era tratada como majestade, independentemente de onde estivesse. Os registros de uma viagem à Itália em 2010, por exemplo, comprovam que as regalias à sua disposição extrapolavam as fronteiras. Mensagens inéditas reunidas no relatório da investigação mostram que a ex-secretária foi recebida com honras de chefe de estado na embaixada  brasileira em Roma. "Todas as facilidades possíveis lhe foram disponibilizadas. Rose temia ter problemas com a imigração no desembarque em Roma. O embaixador José Viegas enviou-lhe uma carta oficial  que poderia ser apresentada em caso de algum imprevisto. Rose não conhecia a Itália. O embaixador colocou o motorista oficial à sua disposição. Rose não linha hotel. O embaixador convidou-a a ficar hospedada no Palazzo Pamphili -  ela não ocuparia um quarto qualquer. Na mensagem, o embaixador brasileiro saudou a ida de Rose com um benvenuli!, em seguida desejou-lhe buon viaggio e avisou que ela ficaria hospedada com o marido no "quarto vermelho". Quarto vermelho?!
Como o Itamaraty desconhece esse tipo de denominação, acredita-se que "quarto vermelho" fosse um código para identificar os aposentos relacionados ao chefe - assim como normalmente se diz ' telefone vermelho", "botão verme lho", "sala vermelha"... Independentemente disso, com a ajuda da Controlado-ria-Geral da União, a investigação da Casa Civil confirmou que a ex-chefe de gabinete não estava a trabalho em Roma.
Por isso, considerou que a estada nas dependências diplomáticas configurou mais um caso de apropriação particular do patrimônio público e recomendou que o Itamaraty apurasse o episódio. Indagado, o embaixador José Viegas, que deixou o posto em 2012. disse que não podia "discriminar quem chega com dinheiro público ou privado" à embaixada.
Em tese. portanto, qualquer mortal de passagem por Roma está autorizado a pernoitar uns dias na embaixada. Sobre o tal "quarto vermelho", garantiu que se trata de um cômodo secundário.
Tanto nessa passagem pela embaixada brasileira em Roma quanto nos desmandos e abusos cometidos no gabinete de São Paulo, a fonte de poder de Rosemary sempre foi a mesma: a relação de intimidade com o ex-presidente Lula. Por força dessa proximidade, ela passava boa pane do tempo recebendo gente importante preocupada cm bajulá-la. Um rosário de empresários que apostavam no prestígio dela para conseguir reuniões com servidores inacessíveis do governo, intermediar contratos milionários em órgãos públicos e abrir caminho para nomeações em cargos de alto escalão. Diariamente, por telefone ou e-mail, dirigentes da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da Petrobras  para citar alguns exemplos, recebiam pleitos de Rosemary. Na maioria das vezes, os pedidos eram mequetrefes. como ingressos para shows e eventos culturais. Mas, em outras oportunidades  os contatos envolviam cifras milionárias. As mensagens interceptadas revelam a falta de cerimônia com que ela misturava interesses públicos com privados. chegando até a falsificar diplomas para ela e o marido (veja o quadro na pág. 64). Por ser tão próxima de Lula - seu único fiador no cargo -. Rosemary manipulava nomeações nas mais variadas áreas do governo. De vagas em agências reguladoras a tribunais superiores, os candidatos constantemente recorriam a sua influência. Uma troca de mensagens apreendidas mostra que Francis Bicca, então assessor de Dias Toffoli na Advocacia-Geral da União, procurou os serviços de Rose para tentar emplacar o irmão em uma cadeira do Superior Tribunal Militar. Rosemary pergunta: "Quem mais além do Toffoli falou com o PR?". Bicca responde que "só tem certeza mesmo" da recomendação direta do "ministro José Dirceu. do Gilberto Carvalho e do Chefe, além dos militares". Rose diz a Bicca que cumpriu sua missão: "Entreguei ao PR. conversei e falei dos apoios. Ele levou o currículo e acho que vai dar tudo certo".
Nesse caso, alguma coisa deu errado. Depois de reconstituir esses episódios da corte de Rosemary, a ministra-chefe da Casa Civil. Gleisi Hoffmann. determinou a abertura de processo administrativo.
Um detalhe curioso: o relatório final da sindicância era mantido em segredo porque a comissão avaliou que sua divulgação poderia causar "instabilidade institucional". A reação de Rosemary Noronha (veja o quadro ao lado) mostra que realmente há motivos mais do que concretos para tamanha preocupação.


A ameaça de Rose

Rosemary Noronha está magoada e ameaça um revide em grande estilo. Sentindo-se desamparada pelos velhos companheiros que deixaram correr solta a investigação que pode levá-la mais uma vez às barras da Justiça, agora por enriquecimento ilícito, a ex-chefe do gabinete presidencial em São Paulo ameaça contar seus segredos e implicar gente graúda do partido e do governo. Se não for apenas mais um jogo de chantagem típico dos escândalos do universo petista. Rose poderá enfim dar uma grande contribuição ao país. Pelo menos até aqui, a ameaça da amiga dileta de Lula faz-se acompanhar de lances concretos - tão concretos que têm preocupado enormemente a cúpula partidária. O mais emblemático deles é a troca da banca responsável por sua defesa. Rose, que vinha sendo defendida por advogados ligados ao PT. acaba de contratar um escritório que durante anos prestou serviços a tucanos. 0 Medina Osório Advogados, banca com sede em Porto Alegre e filial no Rio de Janeiro, trabalhou para o PSDB nacional e foi responsável pela defesa de tucanos em vários processos, como os enfrentados pela ex-governadora gaúcha Yeda Crusius.

Os novos advogados foram contratados para defendê-la no processo administrativo em que ela é acusada de usar e abusar da estrutura da Presidência da República em benefício próprio - justamente o motivo da mágoa que Rose guarda de seus antigos companheiros. Para ela, com esforço, até dá para compreender que a companheirada não tenha conseguido parar a Operação Porto Seguro, investigação da Polícia Federal que apontou suas ligações com uma máfia especializada em vender pareceres oficiais. O que ela não engole é que o próprio Palácio do Planalto, numa apuração administrativa, esteja permitindo que seus podres venham a tona - e, mais do que isso. que ela possa ser responsabilizada e cobrada judicialmente por seus malfeitos. Dizendo-se abandonada, ela já confidenciou a pessoas próximas que está perto de explodir. O que isso quer dizer? Não se sabe. O fato é que seus advogados anunciaram que vão arrolar como testemunhas de defesa no processo figuras-chave da república petista. Na semana passada, ela decidiu pedir que quatro destacados companheiros sejam ouvidos na investigação administrativa tocada pelo governo. Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência e ex-chefe de gabinete de Lula, e Erenice Guerra, ex-ministra da Casa Civil e ex-braço-direito da presidente Dilma, encabeçam a lista. Completam o rol Beto Vasconcelos, atual número 2 da Casa Civil, e Ricardo Oliveira, ex-vice-presidente do Banco do Brasil e um assíduo visitante do gabinete que ela chefiava na Avenida Paulista. São apenas os primeiros nomes, segundo a estratégia montada pela ex-secretária.

A pátria de chuteiras - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 21/04

O governo criou um símbolo e um slogan próprios para a Copa de 2014. Eles são diferentes dos da Fifa, exclusivos da
entidade e dos patrocinadores. A logomarca poderá ser usada por governos estaduais, prefeituras e
empresas não patrocinadoras. A inspiração é em experiência semelhante nas Olimpíadas de Londres 2012. 

Missão quase cumprida
O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) já tem 650 mil assinaturas para a criação do Solidariedade. Dessas, 412 mil só no Estado de São Paulo. Elas estão passando pelos cartórios eleitorais de todo o país. Até sexta-feira, 130 mil haviam sido aceitas. Como milhares de assinaturas são descartadas por não coincidir com as dos cartórios, Paulinho quer juntar 750 mil.

‘Sexo, drogas e rock and roll’
É rocambolesco o escândalo das fraudes praticadas pela consultoria RCA Assessoria no programa Minha Casa Minha Vida. Sobre as peças que constam do processo no Tribunal de Justiça de São Paulo, um dos trechos diz: “Daniel Vital Nolasco gaba-se de ter obtido a senha após passar uma noite em um motel...” Ele referia-se a uma funcionária da Secretaria de Habitação do Ministério das Cidades. Em outro está registrado: “Carlos de Luna gaba-se de ter uma relação estreita com parceiros do PT”. E adiante: “( ... ) que já participaram de orgias com garotas de programa na companhia de Carlos de Luna”, referindo-se a então ocupantes de cargos no Planalto.

“Quando o governo sangrou o DEM, o governador Eduardo Campos e a Marina Silva se omitiram. Agora que eles são afetados, protestam. Isso é oportunismo!”

Rodrigo Maia Deputado federal (RJ) e ex-presidente do DEM

Cláusula pétrea
A ordem no governo Dilma é não deixar evoluir na base aliada a defesa da redução da maioridade penal. Acha que não resolve a questão da segurança e impunidade. Segundo o Planalto, não há apelo que mude a opinião do governo.

Divisão de tarefas
Peemedebistas presentes na casa do vice Michel Temer, quarta-feira à noite, para tratar dos arranjos regionais da aliança PT-PMDB, relatam que o ministro Aloizio Mercadante falava como coordenador da campanha da reeleição.

Sem chance de superfaturar
O Ministério da Saúde criou sistema inédito para uso das emendas dos parlamentares. Em site, oferece pacotes de projetos adequados ao tamanho da cidade e da população, como instalação de unidades básicas de saúde, leitos para hospitais, equipamentos e tratamentos. A medida impede o desvio da verba, como acontece em licitações fraudulentas e superfaturamento.

Olho no olho
Um integrante do governo explicou que, desta vez, a presidente Dilma está tendo uma conversa prévia com todos os principais candidatos à vaga de Carlos Ayres Britto no STF. O encontro não significa que o jurista está nomeado.

Sonho de consumo
O PPS fez as contas. Sua bancada foi eleita em nove estados. O partido tem 18 estados para oferecer aos novos deputados. Os que aderirem terão tempo de TV para suas campanhas à reeleição. A expectativa: de dez a quinze novos filiados.

SETORES DA OPOSIÇÃO avaliam que o alvo da lei contra novos partidos é Marina Silva. Dizem que, sem ela, Dilma vence com “um pé nas costas”.

Se colar, colou - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 21/04

Com o resumo do acórdão do mensalão publicado, advogados dos condenados traçam a linha dos questionamentos ao resultado do julgamento. Criminalistas vão apontar "contradição'' do STF (Supremo Tribunal Federal) ao rejeitar o desmembramento do processo por haver réus sem foro privilegiado e, depois, mandar o caso de Carlos Alberto Quaglia para a primeira instância. O argentino alegou que sua defesa não foi intimada na fase processual, e teve o recurso acatado.

Foco 
Já a defesa de José Dirceu vai se concentrar em eventuais inconsistências na condenação do ex-ministro, para tentar reduzir a pena e evitar o regime fechado, sem gastar energia com questões gerais do julgamento, como a do duplo grau de jurisdição.

Fila 
Advogados desconfiam da eficiência do sistema para fazer download do acórdão, que estará disponível no site do STF a partir de amanhã. Os escritórios enviarão representantes a Brasília incumbidos de só sair da secretaria do Supremo com o caudaloso documento em mãos.

Herdeiros 
É acirrada a disputa por duas vagas no Tribunal Superior Eleitoral entre Evandro Pertence e Erick Pereira, filhos de Sepúlveda Pertence (ex-STF) e Emmanuel Pereira (TST).

Sem pedigree 
O advogado André Ramos Tavares, derrotado para uma vaga do CNJ, corre por fora na briga.

Mineira 
Diante do impasse de sobrenomes ilustres, a presidente Cármen Lúcia cogita quebrar a tradição e encaminhar lista sêxtupla, ou duas listas tríplices, ao plenário do Supremo. Se acontecer, será a primeira vez que o STF apreciará seis nomes na mesma sessão.

Última... 
A despeito das dúvidas quanto ao êxito da empreitada, a Rede, de Marina Silva, decidiu que recorrerá mesmo ao STF caso o projeto que restringe acesso de novas siglas a fundo partidário e tempo de TV passe pelo Senado sem alterações.

... instância 
Os sonháticos pretendem alegar afronta a dois princípios constitucionais: o da anterioridade e o da razoabilidade. No QG da nova legenda, advogados estudam os precedentes legais para sustentar a ação.

SOS 1 
Reunidos a partir de quarta em Brasília para seminário de sustentabilidade, prefeitos das capitais esperam de Dilma Rousseff pacote de bondades para os municípios de médio e grande porte. Pedem contratações de médicos formados fora do país, desoneração de tarifas de transporte público e redução dos juros da divida com a União.

SOS 2 
Com a presença confirmada de 500 prefeitos, o evento marcará a transição na presidência da Frente Nacional. Sai João Coser (PT), de Vitória, entra José Fortunati (PDT), de Porto Alegre. Além da aguardada presença de Dilma, as ministras Miriam Belchior (Planejamento) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente) farão exposições.

Expresso 
Entre as parcerias acertadas com Dilma, Fernando Haddad considera a mais próxima de sair do papel a que prevê crédito de R$ 1 bilhão para 66 km de corredores de ônibus. O projeto, da gestão de Gilberto Kassab, foi adaptado pelo petista.

Ufa! 
O prefeito acredita ter conseguido sinal verde para o financiamento de parte significativa de suas promessas de campanha, mas está apreensivo com os entraves de execução, sobretudo em licitação e licenciamento.

PowerPoint 
Dilma levou Aloizio Mercadante (Educação), Alexandre Padilha (Saúde) e outros dois ministros à reunião com Haddad. "Mas não se falou em política. Foi só planilha. Uma atrás da outra", diz um partícipe.

tiroteio
Estou curioso para saber quando a presidente Dilma vai convocar rede nacional de TV para anunciar a volta da política de alta dos juros.
DO SENADOR AÉCIO NEVES (MG), pré-candidato do PSDB à Presidência, sobre a decisão do Copom de elevar em 0,25 ponto a taxa Selic para conter a inflação.

contraponto


Estrela solitária

Torcedor do Botafogo, Renan Calheiros (PMDB-AL) presidia a sessão na quarta-feira quando José Sarney (PMDB-AP) pediu a palavra. O presidente do Senado negou e deu preferência a Walter Pinheiro (PT-BA).

--Como eu, ele daqui a pouco vai ter que assistir ao jogo. Vamos, ao botafoguense, deferir essa preferência.

Eis que Pinheiro reagiu enfático:

--Mas eu sou tricolor, presidente.

Renan deu a palavra ao alvinegro Jorge Viana (PT-AC).

--Fica caracterizado, então, que, ao botafoguense, garantiremos sempre a precedência!

A metafísica do não agir - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR

GAZETA DO POVO - PR - 21/04

“Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica!”, ordenou Fernando Pessoa, por meio do heterônimo Álvaro de Campos, em “Lisbon Revisited”. A julgar pela nossa capacidade nacional de teorizar sobre tudo ou quase tudo e agir muito pouco e sempre atrasados, está na hora de repetir o brado do príncipe dos poetas da língua portuguesa aqui em além-mar.

Meu querido professor Alberto Guerreiro Ramos, que a toda hora cito neste espaço, fazia uma distinção crítica entre a mentalidade brasileira e a norte-americana: segundo ele, “no Brasil tudo se ideologiza; nos Estados Unidos, tudo se operacionaliza”. E brincava: se descobrirem uma máquina revolucionária capaz de funcionar com muito pouca energia, no dia seguinte, nos Estados Unidos, milhares de empresários estarão desenvolvendo formas de utilizá-la, outros milhares de consultores estarão afiando as garras para assessorá-los, universidades estarão correndo contra o tempo para ensinar como usá-la. Aqui perderíamos dias, meses e anos discutindo as virtudes e os defeitos da máquina, e desenvolvendo teorias conspiratórias a respeito dos motivos que levaram alguém a desenvolvê-la, tais como a dominação definitiva do “saber” mecânico sobre o trabalho humano, suas implicações políticas, a necessidade do governo de controlar e policiar seu uso etc. etc. etc.

Estou exagerando? Não. Lembremo-nos da famigerada Lei da Informática. Enquanto o mundo desenvolvido utilizava intensivamente computadores para reduzir custos, aumentar a eficiência e acelerar a inovação, no Brasil a pseudoindústria da informática copiava máquinas já obsoletas como prova de que éramos capazes de produzir nossos próprios computadores “sem ficar reféns do complexo industrial-tecnológico e militar dos países cêntricos”. Deu no que deu e perdemos duas décadas vivendo na ilusão de estar desenvolvendo uma indústria moderna, quando na realidade estávamos copiando projetos superados e anacrônicos.

Enquanto subsidiávamos e protegíamos por quatro décadas as montadoras estrangeiras para produzir veículos em nosso país “com o fim de propiciar o desenvolvimento da indústria nacional”, o mundo desenvolvido se ocupava em melhorar os níveis de consumo, reduzir a poluição dos veículos, desenvolver novos materiais mais leves e resistentes, investir na melhora dos padrões de segurança. Quando despertamos, o Brasil produzia em 1990 carros desenvolvidos 40 anos atrás e havia muito tempo abandonados em seus países de origem.

Conseguimos nos livrar dessas almas penadas, mas está na hora de aplicar a mesma lição de Fernando Pessoa a outros domínios, pois nada ou muito pouco se faz para realmente modernizar, por exemplo, a educação, a saúde e a segurança pública no Brasil. Mas muito tutano é investido para descobrir novas razões para não fazê-lo. Exemplo recente? O Plano Nacional de Educação prevê que a escola infantil a partir dos 4 anos de idade seja universalizada no Brasil nos próximos anos. Excelente iniciativa, como provam estudos idôneos e a experiência mundial, mas que exige investimentos volumosos e urgentes. Porém, em vez de começarmos a nos preparar para criar um ensino infantil de qualidade, a inteligentsia nacional já começou a discutir animadamente se ela é realmente necessária, se está certo ou errado torná-la obrigatória, se a lei não é inconstitucional, blablablá.

Socorro! Tirem daqui a metafísica e tragam de volta o mundo real!

Medo e controle - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 21/04

Os atuais momentos íntimos poderão não ser mais tão íntimos. Nada de gravador debaixo da cama, primitivo e arriscado


Essa estupidez inqualificável perpetrada em Boston aviva o receio de um futuro de insegurança, desconfiança e medo para toda a Humanidade. Grande parte dela já enfrenta isso, mas todos podemos esperar um futuro bem diferente do que os que cresceram no século passado imaginavam. Acreditávamos possível uma vida privada, sem partilhar com ninguém nosso comportamento pessoal, práticas, idiossincrasias e mesmo esquisitices que não fossem da conta alheia. Encarávamos como um pesadelo distante e evitável o mundo descrito por George Orwell em1984, com sua omnipresente teletela sempre ligada e a vida dos governados escrutinada em todos os detalhes.

Hoje a tecnologia prevista por Orwell parece saída das velhas séries de Flash Gordon e a aspiração a uma vida privada, ao menos parcialmente livre do controle do Estado e de grandes organizações, não passa agora — e no futuro muito mais — de uma utopia ou lembrança nostálgica. Estamos só começando, mas a tecnologia marcha aceleradamente e as mudanças chegam sem aviso, para só as percebermos quando se torna claro que vieram para ficar. Muitos de nós entontecemos com essa velocidade, gostaríamos que houvesse mais tempo para assimilar as novidades, cansamos de tanto aprender e desaprender sem cessar. Os recalcitrantes se escondem delas, fazem tudo para ignorá-las e mesmo hostilizá-las, mas sabemos que não adianta. Por exemplo, se um vírus hipotético afetasse repentinamente todos os computadores de um país qualquer, inclusive o Brasil, o caos seria absoluto. Não teríamos comunicações, água, energia elétrica, aviões voando, bancos e comércio funcionando, hospitais, nada mesmo. O vírus resultaria, nesse sentido, muito mais eficaz que um bombardeio pesado. Os programas de sabotagem eletrônica são importante arma de guerra, porque não há como escapar da malha informática.

O atentado de Boston aumentará o empenho não só do governo americano, mas de todos os outros, em reforçar e aprimorar mecanismos de segurança. Isso está longe, é claro, de restringir-se a revistas em aeroportos, episódicas varreduras em busca de explosivos, contratação de pessoal especializado e assim por diante. O mais importante é o acompanhamento da vida de cada um, porque, nestes tempos loucos, todos são suspeitos. Londres, por exemplo, está cada vez mais coberta de câmeras de segurança e a circulação de um indivíduo talvez já possa, ou em breve poderá, ser acompanhada o dia inteiro. Por onde quer que ele passe ou aonde vá, lá estará a câmera de olho.

Penso em filmes policiais de antigamente, com a cena da saída do suspeito em seu carro e o detetive pegando um táxi e dando a ordem de “siga aquele carro” ao motorista. A ordem agora é diferente, é “monitore esse celular”. A depender do caso, o sujeito pode ter sua vida completamente espionada, desde os locais por que circula às conversas de que participa — e isso inclui os eles e elas cujos cônjuges desconfiem de prevaricação. Aliás, grampear telefone, celular ou não, é coisa do passado. Vocês já devem ter lido que cada voz humana é única, é como as impressões digitais, não há duas idênticas. Em decorrência, mesmo que um ouvido animal não distinga entre vozes muito parecidas, há aparelhos que distinguem e, se lhes fornecem essa assinatura vocal, ela sempre será identificada. A novidade é que o “grampeado” não tem como fugir. Quando ele começa a falar no telefone, seja celular, doméstico ou orelhão, em qualquer lugar onde esteja, uma central especializada compara a voz com as assinaturas em seu poder. Se reconhece a do freguês, grava a conversa. Fulano pode disfarçar a voz e dizer que é Sicrano à vontade, mas o banco de dados não se engana. E, se as chamadas forem cifradas, o governo certamente alegará razões de Estado para exigir dos autores a chave da cifra.

Os atuais momentos íntimos poderão não ser mais tão íntimos. Nada de gravador debaixo da cama, primitivo e arriscado. O amanto ou amanta (eu faço que esqueço, mas não esqueço as novas normas gramaticais da República) poderá até engolir um minúsculo gravador de circuito integrado, com microfone configurado para suprimir frequências sonoras inoportunas, como as de borborigmos e assemelhados, mas de resto capaz de gravar uma bela trilha sonora do embate amoroso, desde os jogos preliminares à hora de vestir a roupa. Também mentir ficará bem difícil, porque os novos detectores de mentiras não mais se fiam numa combinação complexa e enganosa de alterações cardíacas, respiratórias ou nervosas, mas em sensores que medem mudanças inconscientes na voz e na emissão da fala — dizem que estão ficando infalíveis.

A tendência comum, talvez normal, é o cidadão aceitar sua perda de privacidade, em troca da segurança individual ou da coletividade, até porque não costumam dar-lhe escolha e o medo é uma força muito grande, mais difícil de vencer que outras emoções. E é reacendido não somente por fatos da magnitude do que aconteceu em Boston e suas previsíveis consequências, como pelo que a gente encontra, por exemplo, na internet. Para citar apenas um caso, lembro os muitos sites que mencionam impressoras 3D, as quais tornam possível que se compre um objeto na rede e a entrega seja feita por um aplicativo que instrui a impressora do comprador a “imprimir”, ou seja, reproduzir aquele objeto na casa do comprador, sem necessidade de entregador. As impressoras e os programas já estão em funcionamento, aprimorados diariamente. Não é fantástico? É, sim, pelo menos até vocês fuçarem outros sites e descobrirem empresas desenvolvendo programas, materiais e impressoras 3D para oferecer armas de combate. Qualquer um, do bandido ao psicopata, poderá comprar e “imprimir” quantas quiser, sem numeração ou registro. Dá medo disso, dá medo daquilo — e a gente fica sem saber o que pensar.

´Ueba! Adoro o Kim Jong-BUM! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 21/04

E se reduzirem muito a maioridade penal, vamos ter Maternidade de Segurança Máxima!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Pensamento da semana: com esse frio, quem saiu do armário, depois da Daniela Mercury, foi o meu edredom. Rarará!

Voltei, domingueiros! E excepcionalmente eu não estava em férias. Estava me recuperando duma cirurgia. E aí aproveitei e fiz vasectomia, desentortei o pingolim e botei silicone no saco. Rarará!

E o Eike Batista vence licitação para explorar o Brasil.

E depois do sepultamento da Margaret Thatcher as indústrias de laquê do planeta faliram! E o bombástico epitáfio dela: "Essa sabia como tratar um argentino". Rarará!

E a maioridade penal? Eu sei como resolver o problema da maioridade penal. Toda criança já nasce com 18 anos! E se reduzirem muito a maioridade penal, vamos ter Maternidade de Segurança Máxima! "Foi aquele, seu delegado, aquele de chupeta amarela." Mas aí você vai ver os "de menor". E o menor é um cavalão de dois metros de altura segurando uma barra de ferro de oito metros de largura! Medo! Rarará!

E duas piadas prontas! "Coordenadora do Procon de Cianorte presa com dinheiro falso." E esta: "Ex-gay, pastor e deputado do PSB revela que: 'Não posso ficar perto de homem; a carne é fraca'". Então, não é ex-gay. A cura saiu pela culatra! Rarará!

E esta: "Kiko do 'Chaves' será embaixador de Porto Alegre na Copa do Mundo". Gentalha! Gentalha! Gentalha!

E eu sei porque o Kiko vai ser embaixador na Copa: porque ele usa bola quadrada. E o nosso futebol é uma bola quadrada!

E a Coreia do Norte? O Kim Jong-BUM! Aquele gorducho mimado pensa que tá jogando War. E o chargista Bennett revela a exigência do Kim Jong-Pum para selar a paz mundial: uns 30 milhões de PlayStations 4, desbloqueados! Rarará!

E sabe por que o ditador da Coreia do Norte quer atacar a Coreia do Sul? Porque ele detesta o "Gangnam Style"! Rarará!

O Brasileiro é Cordial! Olha esta num muro do Mercadão de Madureira, no Rio: "Não pinte nem cole cartaz nessa parede. Evite problemas. CAÇO ATÉ O INFERNO". E o povo ainda tem medo do Kim Jong-Pum! Rarará!

E essa promoção no super G Barbosa, Fortaleza: "De$contão! De R$ 0,90 por R$ 0,89!". Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Dos chatos - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

O GLOBO - 21/04

Há chatos e chatos. Há o chato pegajoso, o chato que telefona muito, o chato que cutuca. Há o enochato, que faz questão que você saiba que ele sabe tudo sobre vinhos, e o ecochato, assim chamado porque se preocupa demais com ecologia ou porque vive se repetindo, como um eco. Há o egochato, cujo único assunto é ele mesmo, e o chato hipocondríaco, uma especialização do egochato, cujo único assunto é sua própria saúde, ou falta dela. Há o chato invasivo, que fala a centímetros do seu nariz, e o chato hiperglota, que não para de falar. Mas também há – embora seja raro – o chato que se flagra, que tem consciência de que é chato e quer se regenerar, e que diz muito “Eu estou sendo chato? Hein? Hein?”, e portanto é o pior chato de todos.

Tem o caso daquele chato com autocrítica que decidiu pedir ajuda, mas não sabia quem procurar. Chatice não se cura com remédios ou com exercícios, muito menos com cirurgia. Não existem clínicas para a recuperação de chatos. O que fazer? Nosso chato resolveu consultar um psicanalista.

– É que eu sou chato, doutor, e sei que sou chato.

– Deve ter alguma coisa a ver com sua mãe.

– Minha mãe? Por que minha mãe?

– É que na psicanálise sempre partimos da hipótese de que, seja o que for, a culpada é a mãe. Facilita o tratamento. Mas me fale da sua infância.

– Bem, na escola meu apelido era “Sarna”. Também me chamavam de “Desmancha Bolinho” porque assim que eu chegava num grupo, o grupo se desfazia.

– Sua família também o achava chato?

– Não sei. Mas desconfiei quando, nos meus dezoito anos, eles me deram as chaves da casa e em seguida mudaram todas as fechaduras.

– E sua vida amorosa?

– É normal, eu acho. Até me casei, embora minha mulher alegue que meu pedido de casamento a fez dormir e que só saiu do estado comatoso no altar, onde teve que dizer “sim” para não dar vexame. Hoje vivemos bem, em casas separadas, apesar de eu só poder visitá-la nos dia 29 de fevereiro, se ela não mandar dizer que não está. Tivemos um filho que eu ninava quando era bebê, mas ele fingia que dormia para eu parar. É o efeito que eu tenho nas pessoas, doutor.

Ser chato é uma fatalidade biológica ou a chatice é um produto do meio? É possível deixar de ser chato com algum programa de reorientação? É o meu tom de voz que chateia ou o que eu digo? Ou as duas coisas juntas? Hein, doutor? Doutor...? Doutor...? Acorde, doutor!