domingo, abril 21, 2013

A metafísica do não agir - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR

GAZETA DO POVO - PR - 21/04

“Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica!”, ordenou Fernando Pessoa, por meio do heterônimo Álvaro de Campos, em “Lisbon Revisited”. A julgar pela nossa capacidade nacional de teorizar sobre tudo ou quase tudo e agir muito pouco e sempre atrasados, está na hora de repetir o brado do príncipe dos poetas da língua portuguesa aqui em além-mar.

Meu querido professor Alberto Guerreiro Ramos, que a toda hora cito neste espaço, fazia uma distinção crítica entre a mentalidade brasileira e a norte-americana: segundo ele, “no Brasil tudo se ideologiza; nos Estados Unidos, tudo se operacionaliza”. E brincava: se descobrirem uma máquina revolucionária capaz de funcionar com muito pouca energia, no dia seguinte, nos Estados Unidos, milhares de empresários estarão desenvolvendo formas de utilizá-la, outros milhares de consultores estarão afiando as garras para assessorá-los, universidades estarão correndo contra o tempo para ensinar como usá-la. Aqui perderíamos dias, meses e anos discutindo as virtudes e os defeitos da máquina, e desenvolvendo teorias conspiratórias a respeito dos motivos que levaram alguém a desenvolvê-la, tais como a dominação definitiva do “saber” mecânico sobre o trabalho humano, suas implicações políticas, a necessidade do governo de controlar e policiar seu uso etc. etc. etc.

Estou exagerando? Não. Lembremo-nos da famigerada Lei da Informática. Enquanto o mundo desenvolvido utilizava intensivamente computadores para reduzir custos, aumentar a eficiência e acelerar a inovação, no Brasil a pseudoindústria da informática copiava máquinas já obsoletas como prova de que éramos capazes de produzir nossos próprios computadores “sem ficar reféns do complexo industrial-tecnológico e militar dos países cêntricos”. Deu no que deu e perdemos duas décadas vivendo na ilusão de estar desenvolvendo uma indústria moderna, quando na realidade estávamos copiando projetos superados e anacrônicos.

Enquanto subsidiávamos e protegíamos por quatro décadas as montadoras estrangeiras para produzir veículos em nosso país “com o fim de propiciar o desenvolvimento da indústria nacional”, o mundo desenvolvido se ocupava em melhorar os níveis de consumo, reduzir a poluição dos veículos, desenvolver novos materiais mais leves e resistentes, investir na melhora dos padrões de segurança. Quando despertamos, o Brasil produzia em 1990 carros desenvolvidos 40 anos atrás e havia muito tempo abandonados em seus países de origem.

Conseguimos nos livrar dessas almas penadas, mas está na hora de aplicar a mesma lição de Fernando Pessoa a outros domínios, pois nada ou muito pouco se faz para realmente modernizar, por exemplo, a educação, a saúde e a segurança pública no Brasil. Mas muito tutano é investido para descobrir novas razões para não fazê-lo. Exemplo recente? O Plano Nacional de Educação prevê que a escola infantil a partir dos 4 anos de idade seja universalizada no Brasil nos próximos anos. Excelente iniciativa, como provam estudos idôneos e a experiência mundial, mas que exige investimentos volumosos e urgentes. Porém, em vez de começarmos a nos preparar para criar um ensino infantil de qualidade, a inteligentsia nacional já começou a discutir animadamente se ela é realmente necessária, se está certo ou errado torná-la obrigatória, se a lei não é inconstitucional, blablablá.

Socorro! Tirem daqui a metafísica e tragam de volta o mundo real!

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