segunda-feira, abril 08, 2013

Porque Dilma é o novo Geisel... - SAMUEL PESSOA

REVISTA ÉPOCA


...Fernando Henrique foi Castello Branco e Lula, outro Médici. O ciclo econômico do regime militar se repete




No Brasil, nem a sociedade nem as elites que tomam as decisões têm convicção de que os mercados precisam de liberdade para funcionar bem. A adoção de políticas favoráveis a essa liberalização vem e vai em ciclos. Normalmente, um ciclo desses começa por causa de um cenário externo, que nos joga em direção à liberalização. No entanto, choques também externos que atinjam a economia servem de pretexto para que o penoso processo seja abandonado. A elite dirigente se volta, então, ao remédio de sempre: o Estado.

Que fique claro, não o Estado em sua função fundamental de tributar a sociedade e, em troca, oferecer serviços de seguro social, que protejam o cidadão das oscilações e riscos naturais de uma economia de mercado. Não o Estado que exerça seu saudável papel de reduzir as desigualdades herdadas do passado e as construídas pelo funcionamento do mercado. O Estado que se busca como remédio teria a capacidade de promover o desenvolvimento. Teria a capacidade de vislumbrar, por algum critério, quais setores produtivos são prioritários e dirigiria a eles os esforços públicos e privados.

Diferentemente do que se pensa, há conflito entre os dois Estados. O Estado de bem-estar social e o Estado desenvolvimentista disputam verbas do orçamento público. Não é por outro motivo que, dos anos 1950 aos 1970, no período do nacional-desenvolvimentismo, o Estado brasileiro investiu, em média, ridículo 1% do PIB em educação fundamental. Ao mesmo tempo, a taxa anual de crescimento da população beirou 3%. A conseqüência desse subinvestimento em educação foi a tragédia social dos anos 1980: favelização das grandes cidades, deterioração dos espaços públicos e explosão da criminalidade.

A falta de convicção da elite dirigente, à direita e à esquerda, nas instituições liberais de regulação econômica produz ciclos que se repetem com surpreendente semelhança. Não se requer do analista capacidade superior de observação para enxergar a repetição compulsiva, nem se trata de repetição burlesca de tragédias anteriores. Trata-se de repetição simples, como se a sociedade teimasse em não aprender. Nos últimos 50 anos, vivemos dois ciclos idênticos, em que um cenário externo leva à liberalização econômica. Depois, retomamos o crescimento, o cenário externo muda, recuamos nas reformas, estatizamos a economia e, no fim, reduzimos novamente nosso potencial de crescimento.

O primeiro desses ciclos iniciou-se no governo do presidente Humberto de Alencar Castello Branco (1964 a 1967), em seguida ao golpe que instituiu a ditadura militar. Os Estados Unidos e a Europa Ocidental cresciam vigorosamente. O Programa de Ação Econômica (Paeg) do novo governo brasileiro, entre outras medidas, promoveu uma reforma tributária, trabalhista, creditícia e monetária, além da redução das tarifas de importação, o que abriu a economia ao comércio exterior. Um conjunto enorme de leis e emendas constitucionais somente possíveis em períodos de exceção criou as bases para a retomada posterior do crescimento. A maturação das reformas institucionais do Paeg, em associação com um ciclo de crescimento da economia mundial, produziria as fortíssimas taxas de crescimento observadas no período do "milagre econômico", até os anos 1970.

Mas o primeiro choque externo do petróleo, em 1973, interrompeu o período do milagre. A resposta da política econômica, sob o presidente Ernesto Geisel (1974 a 1979), foi expandir o papel do setor público na função de promotor do desenvolvimento. Uma solução alternativa teria sido permitir a desaceleração ou até o encolhimento da economia, por certo período, para que os diversos setores absorvessem a perda de renda. Essa perda era real, já que o que o Brasil importava (petróleo) se tornara relativamente muito mais caro do que o que o país exportava. Mas admitir essa realidade estava fora de questão. Naquele momento, a sustentação política do regime de exceção dependia do crescimento.

O governo lançou um segundo Programa Nacional de Desenvolvimento (II PND). O plano exigia atrair capital externo, para compensar a falta de poupança doméstica e manter o ritmo dos investimentos. Houve forte endividamento de empresas privadas, com aval do Tesouro Nacional, para bancar projetos duvidosos. Futuramente, essa dívida seria estatizada. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a atuar mais intensamente. Ficaram famosos os empréstimos do banco com juros nominais prefixados, num período de inflação ascendente. Começou um descasamento no balanço do setor público: seu ativo - ou os créditos que acumulava com o setor privado - era expresso nominalmente, em moeda nacional. Seu passivo - ou a dívida com o setor privado doméstico e externo - era atrelado a algum índice de preços ou ao dólar. À origem do problema era clara: o governo e agências do governo tomavam dinheiro pagando juros mais altos e emprestavam dinheiro cobrando juros mais baixos.

Além da mão pesadíssima do Estado na direção do investimento e seu envolvimento financeiro direto, assumindo riscos monumentais, houve um processo de convivência com a inflação e diversas tentativas de controle direto de preços. Outro elemento importante do pacote foi a adoção, nos projetos incentivados pelo setor público, de objetivos ambiciosos e irrealistas de conteúdo nacional e de internalização praticamente de toda a indústria de bens de capital. A economia se fechou ao comércio internacional. O resto da história é conhecido e triste. Tornamo-nos, nos anos 1980, uma nação comparativamente mais pobre, desigual e atrasada.

Diversos estudos mostram que a aceleração do crescimento no período do milagre econômico foi essencialmente um fenômeno de produtividade. Ou seja, com um mesmo nível de crescimento do uso do trabalho e do capital, a economia passou a ser capaz de crescer mais. A precedência temporal do Paeg e a natureza do crescimento no período posterior - resultante de forte avanço da produtividade - sugerem que o milagre econômico resultou da melhora institucional promovida pelo Paeg. Há toda uma literatura teórica e empírica recente que sugere que a produtividade resulta de melhoras institucionais.

Estamos agora no ponto ruim de um segundo ciclo, igual àquele encerrado nos anos 1970. Observamos a aceleração de crescimento na passagem do governo de Fernando Henrique Cardoso para o governo Luiz Inácio Lula da Silva. A aceleração, de pouco mais de 1,5 ponto percentual, foi integralmente fruto da aceleração da produtividade. Não houve aceleração nas taxas de crescimento das horas trabalhadas nem do estoque de capital. Não coincidentemente, a aceleração do crescimento foi precedida por um período de liberalização da economia, desta vez bem mais longo que o do governo Castello Branco. A reforma feita na democracia é mais custosa e lenta do que na ditadura, mas também mais sólida.

O longo período de reformas da economia que abriu o novo ciclo iniciou-se antes do governo FHC, com a abertura no governo Fernando Collor de Mello. Terminou nos primeiros três anos do governo Lula, quando, com Antonio Palocci à frente do Ministério da Fazenda, muitas reformas elevaram a eficiência da intermediação financeira e permitiram o funcionamento de diversos mercados. A crise deflagrada pelas hipotecas de má qualidade nos Estados Unidos, em setembro de 2008, serviu de justificativa para que houvesse forte inflexão na política econômica. Isso nos jogou na fase final do ciclo. Entre outros elementos, a mudança na política econômica inclui:

- alteração no regime de câmbio flutuante para fortemente administrado. Nos últimos anos, vigora na prática o regime de câmbio fixo;

- tolerância com inflação maior. Há percepção generalizada de que o Banco Central trabalha com uma meta informal de 5,5% ao ano de inflação;

- controle de preços para tentar conter a inflação. Isso é visível nos combustíveis e na política de desoneração tributária;

- expansão do papel do BNDES na intermediação do investimento. Como nos anos 1970, as opções do banco são altamente questionáveis. Não há literatura que sustente que a política de criar empresas campeãs nacionais alavanque o crescimento;

- tendência a fechar a economia ao comércio internacional;

- direcionamento da política de desoneração tributária a alguns setores ou bens, em vez de estendê-la de forma equitativa a todos os setores produtivos;

- aumento do papel do Estado e da Petrobras no setor de petróleo. Isso ocorreu com o novo marco regulatório para o pré-sal. Ele dificulta os novos leilões de áreas a explorar;

- aumento da dificuldade do governo federal para desenhar leilões de concessão de serviços de utilidade pública.

Esse conjunto de medidas de política econômica responde, em parte, pela redução do potencial do crescimento da economia a que temos assistido nos últimos anos. Desde a saída de Palocci do Ministério da Fazenda, completou-se a última etapa da repetição: a excessiva intervenção do Estado reduz a eficiência da economia e nos leva de volta a níveis baixos de crescimento.

Essa interpretação é de um pesquisador que se filia à visão institucionalista do desenvolvimento econômico. Um pesquisador formado na tradição do estruturalismo latino-americano considerará essencialmente correto o pacote de políticas adotado desde a inflexão na condução de política econômica de 2008. A convivência de diferentes visões de mundo ou ideologias é inerente à ciência social. A complexidade do fato social impede que haja experimento empírico capaz de dirimir divergências.

Do ponto de vista da economia política, não há, na sociedade brasileira, uma sólida base de apoio e consenso favorável ao Estado desenvolvimentista. Há, sim, forte consenso favorável ao Estado de bem-estar social. Suas bases foram estabelecidas na Constituição de 1988 e, eleição após eleição, têm sido referendadas pelos eleitores. Não enxergo a possibilidade de qualquer grupo político ter como agenda a redução do Estado de bem-estar social. Mas, se persistir a dificuldade do novo desenvolvimentismo em produzir crescimento, é natural esperarmos uma ou mais candidaturas defendendo um modelo mais liberal na economia.

Samuel Pessoa é pesquisador associado do Ibre-FGV e sócio da consultoria de investimentos Reliance.

Ajuda para quem não precisa

Generoso como no passado, o BNDES liberou dinheiro barato para empresas com caixas forrados de recursos. Quem paga a conta é a sociedade.

Isabel Clemente

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi criado nos anos 1950 para financiar grandes projetos de infraestrutura num país fechado ao mundo, sem dinamismo e com muita inflação. Passados 60 anos, o país e o mundo mudaram, mas o BNDES, presidido agora pelo economista Luciano Coutinho, repete uma estratégia dos tempos do regime militar, período em que a instituição foi comandada por nove anos pelo engenheiro Marcos Vianna. Como no passado, o BNDES voltou a ser um generoso financiador das grandes empresas. Até das que não precisam.

Um levantamento do economista Einar Rivero, da Economática, feito para ÉPOCA, revela casos exemplares. Três das maiores empresas do país pegaram R$ 30,3 bilhões emprestados do BNDES para complementar seus investimentos. Essas mesmas empresas tinham mais de R$ 51,5 bilhões disponíveis em caixa, recursos que tanto poderiam ser reinvestidos como distribuídos aos acionistas. A mineradora Vale tinha R$ 17,5 bilhões quando pegou um financiamento de R$ 3,88 bilhões no ano passado. A Oi, do setor de telefonia, exibia no balanço de 2012 pelo menos R$ 7,8 bilhões em caixa, mas preferiu financiar R$ 5,4 bilhões. Em 2009, quando fechou um financiamento de R$ 4,4 bilhões, guardava pelo menos R$ 7 bilhões. A Vivo, outra tele, financiou R$ 3 bilhões em 2011 e deixou R$ 1,8 bilhão em caixa. Vivo e Oi não quiseram se manifestar. A Vale informa ter diversas fontes para seus investimentos, e não apenas o BNDES.

"O dinheiro do BNDES deveria ser para projetos importantes com restrição de crédito, mas não é o que acontece. Basta olhar o balanço. Se a empresa tem recursos próprios, não precisa do BNDES", diz o economista José Roberto Afonso, especialista em contas públicas. Segundo o economista Raul Velloso, outro especialista em contas do governo, o que pode explicar o procedimento dessas grandes empresas de preferir pegar empréstimos junto ao BNDES a usar recursos próprios é uma operação financeira vantajosa. Como o financiamento a juros baixos do BNDES sai barato para as empresas, elas preferem pegar seus lucros e aplicá-los no mercado financeiro. "Pode estar havendo uma mera substituição de recursos pelas empresas", diz Velloso. Para ele, essa operação financeira pode explicar por que, apesar dos crescentes desembolsos do BNDES, que chegaram a R$ 156 bilhões no ano passado, os investimentos na economia brasileira, fundamentais para promover o crescimento econômico, caíram de 20,5% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2010, para 17,4%, em 2012.

Um estudo de Ernani Teixeira Torres Filho e Luiz Macahyba, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), dá uma pista sobre como a indústria está fazendo essa "substituição" de lucros por financiamentos dos BNDES em seus investimentos. Em 2002, a principal fonte de investimento das indústrias era a retenção do próprio lucro. Nada menos que 60% do investimento realizado. Em 2010, o padrão mudou. A retenção de lucro caiu à metade, enquanto a participação do dinheiro barato do BNDES como fonte do investimento dobrou (para 31% do total).

O efeito "substituição" aparece também numa pesquisa conduzida por Sérgio Lazzarini, professor de estratégia de empresas do Insper, de São Paulo. Ele queria saber se as empresas com ajuda do BNDES investiam mais que as empresas sem dinheiro do banco. Sua equipe avaliou 360 empresas ao longo de 15 anos. A conclusão é que o banco teve papel fundamental para alavancar investimentos entre 1995 e 2002, um período conturbado de crises para os países emergentes. Naquele período, as empresas do Brasil não conseguiam acesso ao capital externo. "Depois de 2002, não conseguimos mais detectar o efeito do BNDES. Os dois grupos de empresas, com crédito do banco e sem, investiam praticamente a mesma coisa", diz Lazzarini.

Um fenômeno parecido ao que ocorrera entre 1995 e 2002 ressurgiu na esteira da crise financeira internacional de 2008. O BNDES voltou a ajudar as empresas a sustentar seus investimentos. Como foi feito isso? Com o dinheiro do Tesouro Nacional - ou seja, do meu, do seu, do nosso. Passado o efeito mais agudo da crise, os repasses do Tesouro para o BNDES, pensados de início para compensar a escassez de recursos da crise, se tornaram praxe. Desde então, superaram a marca dos R$ 350 bilhões. Em 2006, esses empréstimos não chegavam a R$10 bilhões.

Surgiu assim uma nova e justificada preocupação: qual o custo para a sociedade desses empréstimos? Para emprestar ao banco, o Tesouro aumenta sua dívida pública. Ele emite títulos e se compromete a pagar juros acima daqueles cobrados pelo BNDES, diz o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas. Além desse custo, há outros. O mais importante programa do banco é o Programa de Sustentação de Investimento (PSI). Ele dá financiamentos a empresas, com condições de pagamento supercamaradas. Os juros variam de 3% a 5,5% ao ano, e a carência para o início da amortização da dívida pelas empresas varia de três a 108 meses. No ano passado, o PSI liberou R$ 44 bilhões - R$ 21 bilhões para grandes corporações. Neste ano, terá R$ 100 bilhões para emprestar. O programa forçou os juros do BNDES, que já eram baixos, a cair ainda mais. Quem paga a diferença, de novo, é o Tesouro, diz Mansueto.

As transações entre BNDES e Tesouro são repletas de obscuridades, o que tornou um tema que já era espinhoso ainda mais difícil de acompanhar. Os empréstimos do Tesouro para o banco, que antes eram considerados despesas, viraram receita no balanço das contas públicas. É como trocar o sinal de uma operação matemática com uma canetada. "A cada semana, surge um truque novo. São operações complicadas com pouquíssima transparência", diz Mansueto, que vem dedicando tempo a decifrar as artimanhas do Tesouro. Todos esses "truques", diz ele, no final, elevam a dívida pública e impedem quedas na taxa de juros e na carga tributária. O custo desses subsídios é um mistério. Diante da falta de informações, o Tribunal de Contas da União determinou, no fim de 2012, que o Tesouro comece a deixar claro, nos balanços da União, o que gasta com os empréstimos ao BNDES. Mesmo com todas as injeções financeiras do Tesouro, o lucro do banco, no ano passado, caiu.

Um estudo dos economistas Gabriel Leal de Barros e José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, destaca outro problema do BNDES: a alta exposição do banco à Petrobras, contrariando todas as regras de prudência bancária. Além de financiar algumas empresas, o BNDES tem participação em várias outras - e, entre elas, a Petrobras ocupa lugar de destaque. Somadas as participações que o BNDES tem na Petrobras mais financiamentos, o banco empregou quase 100% de seu patrimônio líquido de referência numa empresa só.

Para o BNDES, a exposição à Petrobras "é compatível com seu papel de banco de desenvolvimento e com a importância da empresa e do setor". O banco afirma que se esforça não só para "fomentar o financiamento de longo prazo", como também "para elevar a taxa de investimentos da economia brasileira". Por financiar a compra de conteúdo nacional, o BNDES afirma que há benefícios evidentes em sua política e reitera que concede "igual tratamento" às companhias brasileiras. Os porta-vozes da Fazenda afirmam que não há risco em suas operações porque os clientes pagarão ao BNDES e o BNDES retomará o dinheiro para o Tesouro. No passado, quem pagou essa conta foi a sociedade brasileira.


Mário, imperador da Pérsia - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA


A Câmara Municipal de São Paulo está na iminência de reverenciar o homem certo com a homenagem errada. O homem certo é Mário Covas, dono de uma biografia que, na contramão do geral ceticismo e de não poucas evidências, prova a existência de políticos dignos no Brasil. A homenagem errada é conferir seu nome ao Viaduto do Chá, no centro de São Paulo, antiga e das mais simbólicas vias da cidade. A proposta de dar o nome de Covas ao viaduto dormia na Câmara desde a morte do então governador, em 2001. Foi ressuscitada nas últimas semanas e tem o apoio de 45 dos 55 vereadores.

A construção do Viaduto do Chá, inaugurado em 1892, quando São Paulo tinha 130 000 habitantes, constituiu-se numa das obras mais decisivas — se não a mais decisiva — já ousadas na cidade. Sua função era transpor o vale que tendo ao fundo o riacho do Anhangabaú, separava a colina em que se assentava o centro histórico da elevação do lado oposto. Imagine-se a dificuldade que antes, enfrentava quem precisasse ir de um lado ao outro.

Tinha de descer uma dura escarpa, seguir uma picada no meio do mato, lá embaixo, atravessar uma das pontes sobre o riacho e escalar a escarpa do outro lado. O viaduto representou a libertação da futura metrópole do ovo em que a aprisionava o sítio original — uma colina cercada pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú e por várzeas inundáveis. O nome "do Chá" pode parecer estranho a uma cidade que já então, começava a ser conhecida como capital do café, mas tinha sua razão de ser: plantações de chá estendiam-se por aquela área.

Mudar o nome do viaduto é iniciativa que se insere na geral leviandade com que, Brasil afora, as câmaras municipais se utilizam da prerrogativa de nomear e renomear logradouros públicos. No passado de São Paulo, há casos em que o fenômeno chegou ao limite da loucura. Quando, na Guerra de Canudos, em 1897, morreu o coronel Moreira César, propagandeado como um herói nacional, resolveu-se dar seu nome à Rua de São Bento, uma das primeiras da cidade, conhecida como tal havia dois séculos. Mais adiante, em 1927, sob o choque da morte do governador do estado, o presidente, como se dizia na época. Carlos de Campos, decidiu-se trocar o nome da Avenida Paulista pelo do falecido. Nos dois casos, ao ataque da loucura sucedeu a retomada da razão, e em pouco tempo as duas vias voltaram a ostentar os nomes originais.

No Brasil como um todo, o mais aberrante caso dos últimos tempos foi o da febre de renomeações que se seguiu à morte do deputado baiano Luís Eduardo Magalhães, filho e herdeiro político do cacique Antonio Carlos Magalhães. Ruas, avenidas e praças, em cada recanto da Bahia, tiveram suas placas mudadas, para homenagear o falecido — e ao mesmo tempo, claro, fazer um agrado ao desolado pai. Nada escapou da sanha homenageadora/ bajuladora. Até mesmo uma cidade, antes conhecida como Mimoso do Oeste, passou a chamar-se Luís Eduardo Magalhães, e foi cumprir a triste sina das cidades com nome de gente, um de cujos inconvenientes é a aspereza do gentílico (luís-eduardense? magalhense?). Mas o pior dos atentados foi atribuir ao falecido o nome do aeroporto de Salvador, antes conhecido como 442 de Julho", a sacrossanta data da independência da Bahia. Como o foram permitir os baianos? Como o permitem até hoje? Revolvei-vos, cidadãos de boa terra!

A sanha renomeadora volta-se em geral contra vias, locais ou equipamentos que não têm nome de gente. É o caso do Aeroporto 2 de Julho, da Avenida Paulista e também do Viaduto do Chá, nome tradicional dado pelo povo. Fica mais fácil, pois tirar nome de gente equivale a desrespeitar a memória histórica do destronado, ou ofender-lhe a família. Chá, em princípio, não reclama. Para apaziguarem os que se insurgem em nome da tradição, os vereadores de São Paulo propõem-se não a substituir o antigo nome, mas a acrescentar-lhe o novo. Viaduto do Chá Mário Covas seria a nova denominação. O truque já foi usado antes, na mesma São Paulo, quando o Túnel 9 de Julho passou a ser chamado de Túnel 9 de Julho Daher Elias Cutait. Virou um nome que, ao tentar homenagear ao mesmo tempo uma data (a do início da chamada Revolução de 1932) e uma pessoa, homenageia uma e outra apenas pela metade. No caso do Viaduto do Chá Mário Covas, os estrangeiros ficarão em dúvida se "Mário Covas" é uma marca de chá ou se "Chá" designa, com ortografia errada, um antigo imperador da Pérsia chamado Mário Covas.

Por que Dilma é tão popular!? - ALBERTO CARLOS ALMEIDA

REVISTA ÉPOCA

A última pesquisa do Datafolha mostrou que Dilma teria 58% dos votos se a eleição para presidente fosse hoje. Além disso, ela teria no Nordeste um desempenho eleitoral superior às demais regiões do país. O voto é muito mais previsível do que a maioria das pessoas imagina. O desempenho de Dilma no voto tem a ver com seu desempenho no governo.

Na mesma pesquisa do Datafolha, a presidente Dilma alcança a marca de 65% na soma de ótimo e bom. Grande parte dos votos vem desse grupo, vem daqueles que avaliam positivamente seu governo. A regra é simples e está baseada nas duas últimas eleições nas quais o presidente em exercício pôde se candidatar à reeleição, Fernando Henrique em 1998 e Lula em 2006.

O presidente tucano, segundo as pesquisas, teve 85% daqueles que avaliavam seu governo "ótimo" e 73% dos que o avaliavam "bom". Lula, por sua vez, converteu em votos 95% do ótimo e 82% do bom. Conclui-se que em situação de reeleição o governo converte de 80% a 85% de sua soma de "ótimo" e "bom" em votos.

Quando multiplicamos os 65% de ótimo e bom de Dilma por 0,8, obtemos 52%. Isso significa que, dos 58% de votos de Dilma na pesquisa do Datafolha, ao menos 52 pontos percentuais são de eleitores que avaliam positivamente seu governo.

Os números não mentem jamais, eles ajudam com frequência a fundamentar o que é óbvio. As pessoas que aprovam um determinado governo – pode ser o governo federal, algum governo estadual ou municipal – têm a tendência a votar, em sua grande maioria, para manter o que está bom.

O julgamento é sempre subjetivo. Um governo bom para um conjunto de pessoas pode ser péssimo para outro grupo. Contudo, o voto tende a ser coerente com a avaliação. Quem avalia positivamente um governo vota para mantê-lo, e quem o avalia negativamente vota para mudá-lo.

Quando a líder deste governo bem avaliado disputa a reeleição, é mais fácil para o eleitor decidir. Para ele manter o governo, basta votar em quem já é presidente, governador ou prefeito. O favoritismo de Dilma tem a ver com isso. Fernando Henrique e Lula foram reeleitos com aproximadamente 50% de ótimo e bom. Dilma tem bem mais que isso.

Do ponto de vista do governo, o grande desafio é manter a popularidade alta até o final do próximo ano. A aprovação de qualquer governo federal, no Brasil, desde o advento do Plano Real, está relacionada com o aumento do poder de compra da população, em particular dos mais pobres, que formam a grande maioria do eleitorado.

É verdade que a classe C aumentou. Não é menos verdade que a vida de grande parte da população segue sendo marcada pela escassez. Há indicadores que comprovam que o Brasil está 11 anos atrás do México – e 14 anos atrás da Rússia – no consumo per capita. A renda média familiar da classe C no Brasil é de pouco mais de R$ 1.500 por mês. Trata-se de uma renda que está longe de possibilitar que esse grupo tenha padrão de consumo próximo ao da classe média nos países desenvolvidos. Isso significa que qualquer aumento real no poder de compra dessa população, além de ser bem-vindo, é atribuído ao governo.

O perfil de idade de nossa população fez com que a necessidade de gerar empregos novos diminuísse bastante. A cada ano que passa diminui a quantidade de jovens que procuram seu primeiro emprego. Esse é um dos motivos que vêm contribuindo para a menor taxa de desemprego da história.

Adicionalmente, em que pese o crescimento do PIB de 0,9% no ano passado, o consumo das famílias aumentou em 3,1% em 2012. A combinação de desemprego em baixa e consumo das famílias em alta resulta, na ausência de uma inflação muito elevada, no aumento real do poder de compra. É esse aumento real que explica a elevada aprovação do governo Dilma.

Os políticos têm como prioridade conquistar e manter o poder – esse é o objetivo principal da atividade política. O governo quer ficar no poder e a oposição quer voltar a controlá-lo. Isso resulta na inexistência de dogmas. Ou seja, a inflação não é boa ou ruim em si mesma. A inflação é ruim caso traga com ela uma consequência política negativa. Fernando Henrique combateu a inflação em 1994 porque Lula era, no início daquele ano, o líder nas pesquisas de intenção de voto. Fernando Henrique manteve a inflação baixa para deter Lula em 1998. Lula aumentou o superávit primário e deu autonomia ao Banco Central para manter a inflação controlada. Seu eventual crescimento poderia colocar em risco a reeleição que viria a ser disputada em 2006.

Fernando Henrique e Lula, utilizando-se de instrumentos econômicos diferentes, foram reeleitos porque o poder de compra real da população aumentou em seus respectivos primeiros mandatos. Como contraponto, há a eleição de 2002, quando o desemprego foi muito elevado. Fernando Henrique não elegeu seu sucessor porque houve uma queda no poder de compra real justamente no ano eleitoral.

Do ponto de vista de qualquer governo, a combinação mais adequada entre taxa de emprego, aumento do consumo das famílias e inflação é aquela que mantém elevada – e preferencialmente em trajetória de alta – a popularidade presidencial. Assim, politicamente só faz sentido para Dilma combater a inflação quando ela resultar na redução real do poder de compra. Só nesse caso sua popularidade correrá o risco de cair - o que resultará, em seguida, em queda na intenção de votos.

O que as eleições presidenciais de 1998 e de 2006 nos ensinam é que a opinião pública tem suas leis – e uma delas é que presidente que disputa a reeleição converte no mínimo 80% da soma de seu "ótimo" e "bom" em votos. Do ponto de vista de Dilma, é preciso zelar para que a avaliação de seu governo permaneça alta até 2014. Esse é, para ela, o caminho mais seguro em direção à reeleição.


A Liga - PAULO CALÇADE

O ESTADÃO - 08/04

O que faria o Botafogo pensar em devolver o Engenhão para a Prefeitura do Rio de Janeiro? Construído para os Jogos Pan-americanos de 2007, custou seis vezes mais para o bolso do contribuinte do que o previsto. Sob o controle do clube, significava a possibilidade de reabilitação de uma das mais tradicionais instituições do esporte nacional.
Os problemas estruturais detectados na cobertura do estádio pesam menos na avaliação do Botafogo do que o fracasso na administração da nova casa. São os velhos e intermitentes problemas de gestão do futebol brasileiro. A situação é tão grave que até quem chafurda na incompetência já percebeu que algo deve ser feito.
Mas sempre pode ficar pior. A repórter Gabriela Moreira, da ESPN, revelou na quinta-feira que o Maracanã, depois de consumir R$ 1 bilhão para a Copa do Mundo de 2014, precisará de uma nova reforma para atingir os padrões técnicos exigidos pelo Comitê Olímpico Internacional para os Jogos de 2016. Vem aí mais uma obra, acredite.
Seria muito melhor escrever apenas sobre futebol. Mas que futebol? Houve algo relevante nos últimos dias, além da derrota do São Paulo para o Strongest e o confronto entre a polícia mineira e os jogadores do Arsenal de Sarandi? Talvez o amistoso da seleção brasileira contra a Bolívia, mas pensando bem...
O futuro está nas mãos dos clubes, na constituição de uma liga responsável pela organização do negócio. Há muito tempo a Inglaterra, de onde escrevo esta coluna, deixou a federação de lado.
Estou na cidade de Manchester para comentar o clássico entre os times da cidade. Aqui a rivalidade não é para amadores, mas tem limites. Precisa ser boa para todos.
A partilha equilibrada da receita de televisão é um bom exemplo disso. Não existe santo em gramados ingleses, mas a indústria funciona porque até os espertalhões sabem que a missão de organizar o campeonato é de quem o disputa.
É óbvio que nem todos os modelos são replicáveis no Brasil, como o que possibilita a compra e a venda de um time. O Manchester United pertence à família Glazer, dos Estados Unidos, enquanto o City está nas mãos da família real de Abu Dhabi, dos Emirados Árabes.
Logo mais, a partir das 16 horas (de Brasília), no Old Trafford, a única certeza é que haverá uma multidão injetando dinheiro na conta do clube e se divertindo, na mais pura atmosfera do futebol. O torcedor investe pesado para comprar ingressos, mas a entidade também se esforça para fazer a sua parte.
E nós, o que estamos fazendo? Arquitetando planos para salvar os clubes da falência, tentando eliminar dívidas com mágicas parlamentares no Congresso Nacional. É a maneira da cartolagem vestir o retrocesso com a roupa do avanço. E de se manter no poder com um altíssimo custo político e social. Sabe quem vai pagar a conta? Enquanto a missão estiver a cargo dessa gente vai sair caro.

O craque e o Nobel - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 08/04

Por conta das comemorações pelos 60 anos de Zico, a escritora Nélida Piñon lembra o dia em que Mário Vargas Llosa, que vem ao Brasil semana que vem, entrevistou o craque, em 1981.

Na época, o escritor fazia um programa na TV peruana chamado “Torre de Babel”. Aqui entrevistou, além da Nélida, Ivo Pitanguy, Jorge Amado e Zico.

Segue...
Llosa pediu à escritora que o acompanhasse até o Flamengo.

“Desconfio que Zico não fazia a menor ideia de que estava diante do grande escritor, que, anos mais tarde, ganharia o Prêmio Nobel de Literatura”, relembra Nélida.

Por baixo
A CBF de José Maria Marin parece que perdeu prestígio até com a Fifa.

A entidade negou pedido para que a seleção brasileira ficasse hospedada num estrelado resort, em Cumbuco, Fortaleza, durante a Copa das Confederações.

O time de Felipão joga no Ceará dia 19 de junho contra o México.

Deus castiga
A crise cambial argentina fez o pessoal da Jornada Mundial da Juventude, que será realizada no Rio, em julho, suar a batina até conseguir licença do governo Cristina Kirchner para transferir dinheiro de lá pra cá.

A conspiração
No tempo de Sergio Gabrielli, setores da Petrobras tinham raiva de Eike Batista.

O empresário era acusado na época de, a peso de ouro, tirar técnicos da estatal, como Paulo Mendonça, levando para a OGX mapas valiosos de petróleo.

Mas o tempo mostrou, pelo menos até agora, que os campos do Eike são relativamente pequenos.

Calma, gente!

A proposta da ministra Marta Suplicy de mexer no Ecad, o escritório de arrecadação dos direitos dos artistas, continua provocando polêmica.

Há seis meses no hospital, Beth Carvalho gravou um vídeo defendendo a lei de direito autoral em vigor:

— Estão querendo mexer na lei e isso vai prejudicar muito os artistas. É. Pode ser.

Aliás...
Fernando Brant fez um manifesto em defesa do Ecad. Aldir Blanc, Chico Buarque, Diogo Nogueira, Martinho da Vila e João Bosco já assinaram.

Zeca a mil
Além de gravar um CD infantil, Zeca Baleiro vai estrear um musical sobre Nélson Rodrigues e está envolvido em um documentário sobre a África.

Salário do goleiro
“Goleiro também tem que ganhar bem.” É o que defende o trio de ricaços Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.

O modelo de gestão dos criadores do Garantia, usado por outras empresas, é tema do livro “Sonho grande” (Primeira Pessoa), de Cristiane Correa.
Maré alta
O novo Museu de Arte do Rio, na Praça Mauá, recebeu 60.546 visitantes no primeiro mês de funcionamento.

E, veja que legal, 979 moradores de bairros do entorno — Centro, Santo Cristo, Gamboa e Saúde — entraram para o programa “Vizinhos do MAR”.

Eles ganharam a carteirinha que dá direito, entre outros benefícios, à entrada grátis em qualquer dia da semana.

Mais luz
Semana passada, numa palestra no Rio, Peter Gasper, o badalado designer de luz, esculhambou a iluminação do Sambódromo carioca:

— É uma luz sem graça, que ignora o caráter operístico dos desfiles das escolas de samba.

Arquitetura e o morro
Ex-presidente do Iphan no Rio, Carlos Fernando Andrade vai coordenar a construção do Centro Cultural Nós do Morro, no Vidigal.

Será realizado um concurso para selecionar o projeto arquitetônico do espaço. A inauguração deve ser em 2016, quando o grupo de teatro completa 30 anos.

Louco por você
Nem bem encerrou a temporada de “Cabaret”, Claudia Raia já tem outro musical americano em vista.

Ela se prepara para estrelar “Crazy for you”, só com músicas da dupla George e Ira Gershwin.

Quando estreou na Broadway, em 1992, a peça ficou quatro anos em cartaz.

Saque fora
Dona Professorinha vibrou com a sensacional vitória de virada do time do Rio de Janeiro na final da Superliga de Vôlei Feminino, ontem.

Mas ficou triste com a inscrição “octacampeão” na camiseta das meninas.

O correto é octocampeão.

Algumas razões para se deprimir - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 08/04

Os neandertais contra a publicidade infantil concordariam com uma ideia boba como essa


Diante da questão de Hamlet, "ser ou não ser, eis a questão", a resposta talvez seja "não ser". Deprimir-se ou resistir?

Dias assim, melhor dormir. Mas, como a vida continua, insistimos. Um tratado de "Crítica da Razão Deprimida" deveria começar pela descrença na democracia.

Como crer na democracia quando sabemos que a popularidade de nossa presidente é alta? Se o pastor Feliciano não tem o perfil para o cargo, tampouco ela o tem. Lembramos então do que dizia o líder inglês durante a Segunda Guerra, Winston Churchill: "Quando falo com os eleitores, duvido da democracia".

Por quê? Como "o povo" pode continuar crendo na economia quando ela já dá sinais de queda há algum tempo?

Claro, quem entre aqueles que vivem graças a bolsas famílias pode entender que uma mentalidade entre o varguismo e o comunismo (como a da nossa presidente e a do restante do PT, que continua na sua marcha para transformar o país num país comunista) não pode fazer nada pela economia do país? E, mais, que, se a economia vai para o saco, as bolsas também vão?

Claro, o problema é que na democracia dependemos da maioria, e esta é quase sempre estúpida. Sei que muitos não concordam com essa ideia e, mais do que isso, entendem que há algo de "sagrado" na sabedoria do povo.

Mas, sei também que quem afirma isso, conhecendo um pouco de história, o faz por má-fé, ou simplesmente, por mais má-fé ainda. Temo que esteja sendo redundante, mas a redundância é uma vantagem evolutiva em meio às obviedades contemporâneas.

Outra coisa que me faz suspeitar de que os deprimidos têm razão me ocorre quando ouvimos gente supostamente inteligente falar coisas como "a comunidade internacional decidiu X". O que vem a ser isso mesmo? Onde ela se encontra? Na ONU? Esta estatal internacional mais corrupta do que a república da banana? A ONU é uma mistura de circo com mensalão. Um cabide de emprego para países de Terceiro Mundo.

Como crer em quem crê numa "comunidade internacional"? A "comunidade internacional" só funciona quando tem interesses comerciais em jogo. E olhe lá.

Qualquer decisão da "comunidade internacional" no âmbito moral (como, por exemplo, a partir de hoje estão proibidas a fome, a tortura, a violência contra os mais fracos) é tão séria quanto a declaração de que Papai Noel deve existir porque, do contrário, estamos indo contra o direito à fantasia infantil.

Imagino que os neandertais que são contrários à publicidade infantil concordariam com uma ideia boba como essa.

Mas, é claro, toda vez que alguém diz acreditar na "comunidade internacional" não o faz por ingenuidade, mas, sim, porque este alguém ganha algo com isso, mesmo que seja apenas fama de bonzinho.

E a decisão britânica de criar um órgão do governo para censurar a mídia? Claro, dirão os mesmos que acreditam na "comunidade internacional" que a mídia deve ser "impedida" de circular ideias preconceituosas e ideologicamente perversas.

O caso britânico -resultado da baixaria de alguns "funcionários excessivos" determinados de um jornal específico- não justifica a criação deste órgão fascista para controlar a mídia.

Deduzir a necessidade de controle da mídia do fato de alguns jornalistas terem colocado escutas na vida de cidadãos é como decidir colocar câmeras em todas as salas de aula porque existe risco de abusos por parte de professores e alunos.

O grande erro histórico foi não perceber que a vocação fascista não era um traço só de Mussolini e Hitler, mas sim de todas as propostas de que a política e a educação sejam irmãs gêmeas, ou, dito de outra forma, de que a "política deva fazer moral".

Esta ideia é típica da tradição política contemporânea baseada na premissa de que a política deve "construir um homem melhor". Neste sentido, a esquerda é absolutamente fascista e, como ela venceu na cultura, na educação e nas ciências humanas como um todo, não há esperanças.

É impressionante como "os bonzinhos" de uns dias para cá foram tomados por um amor meloso pelas suas empregadas domésticas. Seria isso uma forma de atestar pureza racial (desculpe, moral) para a burocracia fascista de nossos dias?

O homem que não tuitava - LÚCIA GUIMARÃES

O Estado de S.Paulo - 08/04


Nem no Twitter ele está.

A acusação sinalizava mau agouro para o praticante da ausência digital. Foi feita contra um jornalista ganhador de dois prêmios Pulitzer. Um dos prêmios foi pelo livro que narra a história secreta da CIA, desde a invasão soviética no Afeganistão até o 11 de Setembro. Até recentemente, além de pertencer à redação da revista New Yorker e publicar ensaios na New York Review of Books, ele era presidente da New America Foundation, instituição dedicada à promoção de ideias inovadoras para os desafios sociais do século 21.

Mas o homem não tuitava.

E essa falha imperdoável foi cobrada por seus colegas tuitantes, em papel, on-line e via mídia social.

Como um profissional pode dirigir uma das melhores escolas de jornalismo do mundo se não tuíta? Em que planeta ele vive? Suas credenciais não se tornam ainda melhores por ter dirigido a redação do Washington Post de 1998 a 2004, quando o jornal sofreu o primeiro choque da transição digital?

A polêmica despertada pela escolha do estimado Steve Coll para diretor da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia me chama atenção não pelo que tem sido chamado de "o grande racha", dividindo profissionais analógicos e digitais. Uma distância, diga-se de passagem, que pode ser tão curta quanto a imaginação de quem pensa que tecnologia é destino, um ponto de chegada para o qual devemos viajar só com a bagagem de mão.

Acredito que o tal do racha possa ser transposto se profissionais veteranos tiverem acesso a ferramentas digitais, sem violar o Princípio de Exclusão de Wolfgang Pauli: duas matérias não podem ocupar o mesmo espaço, ao mesmo tempo, no cérebro de um jornalista. Não importa se o Nobel de Física Pauli não estava pensando no Twitter, na década de 20. Seu Princípio cai muito bem sobre a nossa rotina de multitarefas.

Steve Coll tem enorme experiência e cultura. Além de caráter, esta faceta humana que não é listada no currículo, mas cuja escassez estimula o comportamento de poderosos empresários de tecnologia que invadem nossa privacidade e corrompem o sistema legislativo para avançar os interesses de monopólios nefastos. Coll me parece ter a serenidade ideal para evitar a idolatria à novidade e usar a tecnologia para manter e não sabotar a integridade do jornalismo num currículo universitário.

Um divisor de águas menos comentado é o que separa a produção da autopromoção. Embora as escolas de comunicação continuem distinguindo a publicidade do jornalismo, ser jornalista, como já disse aqui, exige que sejamos um pouco Willy Lomans digitais. O caixeiro-viajante da peça mais conhecida do dramaturgo Arthur Miller sofria para se adaptar à economia do pós-guerra e nós sofremos para não atropelar o ceticismo, parte do DNA da profissão, com a fanfarra de quem alardeia seus produtos.

O jornalista formado por noções como independência e objetividade, o narrador que deve evitar ser protagonista da história hoje passa parte do seu tempo pedindo ao público: preste atenção em mim; leia minha reportagem; fale comigo pela mídia social. Mas a transformação não afeta só o jornalista. Clínicos gerais têm websites com depoimentos de pacientes curados. Catedráticos de universidades listam em suas homepages atributos que não comentariam nem na informalidade de uma reunião de departamento.

Recentemente entrevistei um respeitado autor de não ficção. A entrevista se realizou ao longo de duas ocasiões. Em cada etapa, ele pediu para corrigir suas declarações. Como não estava investigando um criminoso e sim tratando de literatura, a cortesia das revisões era esperada e foi concedida. Mas, ao fim do vaivém exaustivo, me dei conta de que a figura estava voltando atrás em frases que pronunciou, mudando o sentido da conversa. Estava vendendo um peixe e não protegendo a fidelidade a suas palavras originais.

É absurdo e grotesco imaginar um mundo em que cirurgiões vão tuitar da sala de operações a extração bem-sucedida de um apêndice?

Antes de rir, pare e pense sobre como o exercício da sua profissão tem testado os limites da sua compostura.

Vida longa e próspera - LULI RADFAHRER

FOLHA DE SP - 08/04

Passar de uma expectativa de vida de 70 anos para 130 anos é muito mais difícil do que foi chegar até aqui


O aumento da expectativa de vida é uma conquista e tanto. Empolgados como quem viu o homem pousar na lua, muitos projetam longevidades extremas nas próximas décadas. Mas passar de uma expectativa de vida de 70 anos para 130 anos é uma tarefa muito mais árida do que foi chegar até aqui. Mesmo exceções, septuagenários não eram incomuns na Antiguidade. Já centenários vigorosos e produtivos são raríssimos.

O desafio é grande e envolve uma reforma completa no sistema de saúde. Não se imagina que profissionais sobrecarregados e mal pagos continuem a sustentar uma estrutura piramidal em que uma pessoa precise saber de tudo, decidir na hora, identificar sutilezas, detectar mentiras, estar disponível e cobrar pouco.

O paciente também precisa fazer a sua parte, abandonando a passividade com que tratam seus exames clínicos. Da mesma forma que hoje todos pensam na alimentação e na atividade física, daqui a pouco a tecnologia ajudará muitos a realizar pequenos autodiagnósticos preventivos diários, tornando-os corresponsáveis por aquele que deveria ser seu maior patrimônio.

A miniaturização permite novos produtos como o "lab-on-a-chip", que integra funções de análise em um adesivo de poucos centímetros quadrados colado na pele. Por trabalhar com volumes pequenos, ele usa menos reagentes e chega a um diagnóstico rápido e barato. Ainda não é universal nem infalível, mas é um avanço. Outros aparelhos, como o Scout, são como smartphones capazes de identificar e analisar dados vitais em segundos, enviando as informações para um aplicativo no smartphone que registra o histórico e, conforme o caso, indica medicamentos e postos de saúde próximos.

Do outro lado do balcão, sistemas de inteligência artificial podem revolucionar as consultas médicas. Testado contra especialistas humanos no programa "Jeopardy!" em 2011, o supercomputador Watson, da IBM, venceu com facilidade. Sem acesso à internet, mas com cerca de 200 milhões de páginas de conteúdo vindo de bases de dados diversas, ele se dedicava a buscar evidências, analisá-las, gerar hipóteses e propor respostas em milissegundos. E aprender com cada decisão.

Ocupando a modesta posição de 94º entre os 500 computadores mais rápidos do mundo, ele hoje custa alguns milhões e ocupa uma sala grande. Mas, como os processadores que colocaram o homem na lua ou ganharam a primeira partida de xadrez contra um humano, acabará barateado e miniaturizado. Ou tornado "invisível" -como os servidores do Google -na nuvem.

Hoje Watson trabalha com equipes médicas para aprender contextos e particularidades de doenças como o câncer de pulmão. Poucos duvidam que algo como ele se tornará a principal obra de referência clínica mundial em um futuro próximo. Apoiado pela tecnologia, o especialista fica mais bem informado para dar a palavra final.

Essa reforma conceitual distribuiria melhor as cargas e as responsabilidades do sistema de saúde, criando novas oportunidades de carreira e dando aos especialistas tempo e recursos para cuidar de suas especialidades, uma situação ideal para países, como o nosso, onde a população envelhece e a previdência beira o colapso.

Mediado por interfaces, o contato regular e preventivo seria tão discreto que passaria despercebido. Como o Dr. McCoy em "Star Trek 4", os novos médicos, auxiliados por seus aparelhos portáteis, seriam reconhecidos por seu verdadeiro talento.

QUEM PAGA - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 08/04

As multinacionais Basf e Shell se enfrentam na Justiça: condenadas a indenizar mais de mil pessoas contaminadas por metais pesados da fábrica de pesticidas que operaram juntas em Paulínia (a 126 km de SP), as empresas terão que pagar cerca de R$ 500 milhões às famílias. E há disputa para ver quem fica com a maior parte da conta.

QUEM PAGA 2
Dona da indústria entre 2000 e 2002, a Basf aceita arcar com menos de 20% do valor. E acionou a Shell para que ela, que administrou a planta de 1977 a 1992, pague o restante. A ação, impetrada pelo advogado Paulo Henrique Lucon, corre em segredo de Justiça. A Shell diz que o processo está suspenso e que busca "a melhor forma" de encerrá-lo.

EM DIA
As duas empresas, de qualquer forma, assinam hoje o acordo com os trabalhadores e familiares que prevê a indenização. O TST (Tribunal Superior do Trabalho) mediou a conciliação.

JOGO DE DAMAS
Dilma Rousseff negocia palanque único no Ceará para a eleição de 2014, unindo o PT e o PSB de Cid Gomes. Pelo desenho imaginado, o governador sairia candidato ao Senado, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) disputaria o governo e o PT indicaria o vice. Falta combinar com a ex-prefeita petista Luizianne Lins, que faz oposição aos Gomes no Estado.

BAIÃO DE DOIS
Se conseguir unir as peças do tabuleiro, Dilma impedirá que os irmãos Cid e Ciro Gomes abram palanque exclusivo para Eduardo Campos (PSB-PE) caso ele de fato se lance candidato à Presidência contra ela. O espaço seria no mínimo dividido entre a petista e o governador de Pernambuco.

MEIO A MEIO
Outro palanque que Dilma tenta "dividir" entre PT e PSB é o do Piauí. Lá o acordo é para que o senador Wellington Dias (PT-PI) se lance ao governo e os socialistas, liderados no Estado pelo governador Wilson Martins, indiquem um vice.

DIREITO ADQUIRIDO
O CFM (Conselho Federal de Medicina) emitiu parecer determinando que adolescentes transexuais tenham direito a receber tratamento hormonal quando começarem os primeiros sinais de puberdade, para bloquear o aparecimento de características do gênero com o qual não se identificam.

DIREITO ADQUIRIDO 2
O documento recomenda ainda que, após indicação médica, jovens recebam, caso queiram, hormônios do gênero no qual se reconhecem a partir de 16 anos. O CFM instituiu o parecer depois de consulta da Defensoria Pública de SP, que foi procurada por adolescentes e familiares reclamando de dificuldades para conseguir tratamento na rede pública.

MAM NA CHINA
O Museu de Arte Moderna de SP está em negociações com o centro cultural Ullens Center for Contemporary Art, em Pequim, para levar, em junho de 2014, obras de seu acervo para uma mostra na capital chinesa.

Primeira grande exibição de brasileiros no país asiático, ela é organizada por Sarina Tang, que coordena residências artísticas na China, e Philip Tinari, do Ullens. Em troca, o MAM receberá uma mostra de chineses.

SEM SALÁRIO
Cássio Scapin, em cartaz com a peça "Lampião e Lancelote", em SP, tirou licença não remunerada de um ano na Record, onde tem contrato até 2017. Ele está com dois novos projetos para o teatro: um monólogo, "Eu Não Dava para Aquilo", e um espetáculo com Francisco Cuoco.

MESTRE
A convite da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), Luiz Gonzaga Belluzzo dará aula magna da cátedra Raul Prebich, no dia 22, em Santiago.

NEM LUXO NEM LIXO
Flávia Alessandra, 38, protagoniza ensaio como "rica entediada" na revista "Joyce Pascowitch" que circula amanhã. Mas a atriz diz que se considera simples e entusiasmada: "O pouco me faz feliz. Algumas pessoas dizem que sou feliz até demais. Acho que incomoda".

No ar na novela "Salve Jorge", da TV Globo, Flávia tem acordado às 4h30 por causa das gravações do folhetim. A atriz malha e bebe até quatro litros de água por dia para manter o peso de 55 kg, mas ela, às vezes, se permite exageros, como comer uma lata inteira de leite condensado.

MARACATU ATÔMICO
A exposição "O Interior Está no Exterior", com curadoria de Hans Ulrich Obrist, foi aberta na quinta, no Sesc Pompeia. No mesmo local, os cantores Gilberto Gil e Jorge Mautner faziam um show. A cantora Karina Buhr e a artista Raquel Kogan circularam por lá.

BONS FILHOS
Após quatro anos fora da MTV, parte deles na TV Record, Felipe Torres, Marco Antônio Alves, Fausto Fanti e Adriano Silva estão de volta.

Já em gravação, o novo "Hermes e Renato" estreará no dia 25, misturando os personagens clássicos -Boça, Padre Gato, Palhaço Gozo e Joselito- com novas paródias.

"Vivemos um momento difícil, fazendo humor para um outro público. Mas foi importante. Talvez se tivéssemos ficado na MTV, o grupo não existisse mais", diz Fausto Fanti.

CURTO-CIRCUITO
Flávio Gikovate lança o livro "Sexualidade sem Fronteiras", hoje, às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Ucha Meirelles será a personal sytlist oficial do evento Le Brésil Rive Gauche, entre abril e junho, na Le Bon Marché, em Paris.

A mostra Play!, na fachada do prédio da Fiesp, foi prorrogada até domingo.

O shopping VillaLobos começa hoje coleta de agasalhos para o Fundo Social de Solidariedade de SP.

Sintonia fina - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 08/04

Com a proximidade da fase de recursos do mensalão, Joaquim Barbosa viajará no começo de maio para evento sobre liberdade de expressão na Costa Rica e se reunirá com Diego García-Sayá, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O presidente do STF espera que Sayá reitere o entendimento de que não cabe revisão do julgamento -cujo acórdão sai nesta semana- em instâncias internacionais, uma das estratégias de defesa de réus como José Dirceu.

CEP errado Durante jantar em março, em Brasília, Sayá havia dito a Barbosa que, se recursos batessem na corte, seriam devolvidos. Ele justificou que o país é uma democracia e os réus tiveram amplo direito de defesa.

Gás A degravação do depoimento do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) no STF deve sair só no fim da semana. A ordem na taquigrafia é dar prioridade à montagem do acórdão do mensalão, que pode chegar a 10 mil páginas.

Reação O presidente do PT, Rui Falcão, critica decisão do Ministério Público Federal de investigar se Lula sabia do mensalão: "Trata-se de mais uma das muitas invencionices para tentar atingir o presidente Lula, cujo único crime foi ter melhorado a vida de milhões de brasileiros''.

Piloto Antes do programa nacional de rádio e TV, em maio, Aécio Neves vai aparecer na propaganda regional do PSDB. Todos os Estados vão ceder no mínimo 25% do tempo ao presidenciável.

Radar O antropólogo e publicitário Renato Pereira coordena pesquisa quali-quantitativa que já está em campo para definir a linha do programa de maio.

Desfile Fernando Haddad recebe hoje dirigentes das centrais sindicais para tratar da festa do Dia do Trabalho, que deve atrair a São Paulo Dilma Rousseff, Aécio e Eduardo Campos (PSB).

Plano B Avança no PSB o plano de construir o palanque de Eduardo Campos no Rio com a candidatura de Romário ao Senado apoiando Anthony Garotinho (PR) ao governo fluminense.

Plano A Socialistas, contudo, ainda sonham com o reforço de Lindbergh Farias caso o PT não dê legenda ao senador para disputar a sucessão de Sérgio Cabral.

Lados PT, PSB, PC do B e entidades como CUT e UNE assinam manifesto de solidariedade à Coreia do Norte em que chamam a Coreia do Sul de "fantoche'' e atribuem ao "imperialismo belicista" dos EUA o risco de conflito.

Toma lá... Senadores acusam Renan Calheiros (PMDB-AL), Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Gim Argello (PTB-DF) de segurar uma indicação para diretoria de vigilância sanitária na Anvisa, vaga do atual governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, há 40 dias.

... dá cá A análise do nome de Ivo Bucaresky para o cargo está parada na Comissão de Assuntos Sociais desde o dia 27 de fevereiro, mas o trio, segundo parlamentares, congelou a nomeação para negociar uma outra diretoria na agência para o PMDB.

Tudo azul Diante das queixas de prefeitos à paralisia do Comitê de Articulação Federativa na era Dilma, a Secretaria de Relações Institucionais cita a ampla adesão a encontros promovidos com municípios para dizer que não há crise na relação.

X da questão O que os prefeitos esperam, no entanto, é que a presidente dê aval, durante evento em Brasília no dia 23, à medida que permite contratação de médicos formados em outros países para atuar na rede pública.

tiroteio
Dilma e Mantega pisam tanto no tomate no controle à inflação que, para o brasileiro, a salada de todo dia virou um luxo inacessível.

DO DEPUTADO FEDERAL DUARTE NOGUEIRA (PSDB-SP), sobre a alta de preços dos alimentos, que tem o tomate, que subiu 106% em 12 meses, como símbolo.

Contraponto


Alfinetadas acadêmicas


O brasilianista Timothy J. Power, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, conduz uma pesquisa sobre o presidencialismo de coalizão em nove países, entre eles o Brasil. Entrevistado por um estudante de doutorado para o estudo, o deputado Bonifácio de Andrada (MG) quis saber quem o coordenava. Ao ser informado, ironizou:

-Ah, o americano que só conhece o Brasil pelos livros.

Em palestra na USP, Power contou o caso e retrucou:

-Conheço o Andrada. Nove mandatos, é mineiro de Barbacena. Ele escreve alguns artigos sobre política e também se considera um intelectual...

Equação que não fecha - GEORGE VIDOR

O Globo - 08/04

Enquanto muitas empresas se queixam de demanda enfraquecida, há quem proponha esfriá-la ainda mais


Os diagnósticos sobre o que anda acontecendo na economia brasileira estão recheados de incongruências. A inflação estaria sendo impulsionada por um mercado de trabalho aquecido essencialmente pelos serviços, como se esse setor pudesse se retroalimentar indefinidamente, sem relação com as demais áreas. Enquanto isso, a indústria estaria definhando por incapacidade de competir com os produtos importados, o que deveria gerar uma baixa nos preços que não se evidencia nos índices de inflação. A agricultura como um todo não teria dificuldade para concorrer no mercado internacional, mas no plano doméstico a oferta de legumes e verduras não vem reagindo aos bons preços. Produtores em geral estão se queixando de demanda enfraquecida, mas vários economistas insistem que é preciso esfriá-la ainda mais para derrubar a inflação. Na verdade, ninguém está conseguindo enxergar onde de fato estão hoje os nós górdios que impedem a economia brasileira de encontrar um novo equilíbrio.

Mundo dependente do petróleo

A indústria do petróleo trabalha necessariamente com cenários de longo prazo, pois cada ciclo de investimento do setor tem duração de aproximadamente dez anos (da pesquisa de áreas a serem exploradas até o início efetivo da produção). Os cenários para 2030, apresentados pela presidente da Petrobras, Graça Foster, aos novos alunos dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas, projetam uma redução não relevante na participação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial. Atualmente, carvão, petróleo e gás participam com cerca de 80% e em 2030 deverão representar 77% (com redução do carvão e do óleo, mas aumento do gás). No Brasil, que tem uma matriz bem mais limpa, a participação dos combustíveis fósseis deverá diminuir de 53% para 46%. O que crescerá relativamente é a participação das chamadas fontes renováveis modernas, como a energia eólica e a solar.

Entretanto, considerando-se o crescimento esperado, o mundo e o Brasil ainda precisarão de muito petróleo. Segundo Graça - ela mesma uma ex-aluna de MBA da Fundação - Iraque, Estados Unidos, Brasil e Canadá, nessa ordem, são os países com mais condições de contribuir com aumento de produção para atender ao consumo de hidrocarbonetos nesse horizonte de 17 anos. O Brasil saltará da atual décima terceira posição para o quarto lugar entre os maiores produtores de petróleo na próxima década, ultrapassando inclusive a Venezuela, na América do Sul.

Pré-sal não é abstração

A razão de a Petrobras ter decidido promover uma campanha publicitária especificamente para chamar a atenção para o pré-sal é que mesmo na própria indústria muita gente desconhece que a produção nesses campos já atingiu a casa de 300 mil barris diários, patamar alcançado em apenas sete anos, desde que foi declarada comercial a primeira descoberta. O plano da Petrobras é atingir em 2016 a produção de 1 milhão de barris diários no pré-sal. Hoje são 26 poços produtores, dos quais seis na Bacia de Santos, que são os de maior vazão. O tempo para perfuração de um poço no pré-sal da Bacia de Santos caiu de 130 dias para cerca de 77 dias. Como os custos de perfuração são da ordem de US$ 1 milhão por dia, essa redução permite que a Petrobras acelere os investimentos no desenvolvimento da produção.

Biotecnologia brasileira nos EUA

A verba destinada ao tratamento de esgotos em Itaboraí, como compensação ambiental pela instalação da refinaria do Comperj, só daria para atender a 30% dos domicílios do município. Mas um sistema projetado na UFRJ e desenvolvido por uma das empresas de biotecnologia abrigadas na Fundação BioRio permitirá que, no mesmo espaço, se consiga tratar 100% dos esgotos coletados. O poluído rio Irajá, no fundo da Baía de Guanabara, também será limpo por um processo de flotação. Assim como no caso do saneamento básico, a biotecnologia está cada vez mais presente nas nossa vidas, especialmente no caso da saúde, da produção de alimentos e de combustíveis de fontes renováveis. Em alguns segmentos o Brasil está até bem e por isso a Agência Promotora de Exportações (Apex) se mobilizou, com apoio da Fundação BioRio e de outras instituições do setor, para que o país marque presença na maior feira de negócios do setor, que começa no dia 22, em Chicago. Entre empresários, autoridades e observadores do mundo acadêmico, a delegação brasileira deverá chegar a 250 pessoas, todos com compromissos agendados. A feira terá metade de um dia dedicado ao Brasil.

Euro, até quando? - LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

FOLHA DE SP - 08/04

A alternativa é terminar de forma acordada com a união monetária e desvalorizar os respectivos euros nacionais


A Alemanha tem uma posição clara em relação ao euro. Seus cidadãos não querem pagar o custo do ajuste que os países do sul da Europa precisam fazer para superar a crise. Querem que o custo recaia sobre os cidadãos dos países endividados. E não admitem discutir a sua descontinuidade negociada e planejada.

Ao invés, querem que os países endividados, inclusive a França, continuem a realizar a política de austeridade, que produz recessão e desemprego de longo prazo, o que levará à baixa dos salários reais nesses países e ao reequilíbrio fiscal.

A baixa dos salários é necessária, não tanto para equilibrar as finanças públicas (que antes da crise não estavam mais desequilibradas do que a da Alemanha), mas para as finanças privadas que se desequilibraram devido à apreciação da taxa de câmbio implícita, causada pelo aumento do custo unitário da mão de obra nesses países em relação à Alemanha. Lograda a baixa dos salários reais, o custo unitário da mão de obra cairá, e a crise será superada.

Esta política é racional do ponto de vista da Alemanha. Mas será para outros países, como a França? Seria se não houvesse alternativa, mas há: terminar de forma acordada com a união monetária e desvalorizar os respectivos euros nacionais. Dessa maneira, os salários e todos os rendimentos cairiam e a crise se resolveria com menos sofrimento e com menores riscos políticos e econômicos.

Que Grécia, Irlanda e Portugal não considerem essa alternativa é compreensível. Mas é incompreensível que Espanha, Itália e, principalmente, França tenham a mesma atitude.

Ou melhor, é compreensível para as empresas endividadas em moeda estrangeira desses países; é compreensível para os ricos e para os servidores públicos cujo emprego não esteja ameaçado; mas é incompreensível para a grande massa da população. Até quando essa maioria sobre a qual está caindo o ajustamento aceitará a carga? Até quando continuará a ver o euro como algo "intocável"?

Até há pouco, os europeus argumentavam que eram obrigados a aceitar a austeridade porque a crise causada pela descontinuidade do euro seria terrível. Como o argumento era fraco, surgiu outro: é preciso não voltar às "desvalorizações competitivas" que existiam antes do euro. As desvalorizações não eram competitivas, eram necessárias; visavam restabelecer a competitividade e o equilíbrio da conta corrente do país, perdidos porque outros países aumentaram a produtividade mais rápido ou baixaram salários, ou porque a inflação fora maior no país que desvalorizara.

O problema, portanto, é saber até quando franceses, italianos e espanhóis suportarão essa política. As eleições nos outros países e a queda da popularidade de François Hollande na França mostram que a paciência está se esgotando. Resta esperar que antes disso os dirigentes europeus entrem em um acordo que seja razoável para todos e que preserve a União Europeia, hoje ameaçada.

Obsessão psicanalítica - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 08/04

O país já fez uma besteira maiúscula mudando as regras de exploração do petróleo em 2010. Evitemos agora um novo “tiro no pé”



O Brasil é um país muito mais evoluído, politicamente, que alguns de nossos vizinhos. Basta ver a fragilidade institucional de parte de nossos sócios do Mercosul — antigos ou novos — para perceber que aqui há um grau de racionalidade claramente superior ao de outros países da região.

Cícero, o filósofo romano da Antiguidade, dizia que “os oradores são mais veementes quanto mais fracas são as suas causas”. No realismo fantástico latino-americano, isso não poderia ser mais verdadeiro. Basta ter lido as teorias malucas que associam a doença que vitimou Hugo Chávez a uma suposta “conspiração americana” para perceber a que limite pode levar o delírio político de um país.

Mesmo assim, a fixação de setores oficiais em fazer tábula rasa de qualquer coisa que lembre o Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) está começando a atingir níveis preocupantes. Primeiro, porque mais de 10 anos depois de o Governo FHC ter concluído, tal obsessão adquire contornos psicanalíticos. E, segundo, porque alguns atos emanados do que pode ser qualificado de “espírito de demolição” para não deixar pedra sobre pedra do que foi herdado em 2003 estão causando um enorme dano ao país.

Deixando de lado a controvérsia acerca da manutenção ou não do “tripé” macroeconômico de câmbio flexível, austeridade fiscal e metas de inflação, os setores mais radicais do movimento que levou à mudança de Governo em 2003 tinham “juradas de morte” duas medidas adotadas no Governo FHC e que eram vistas por esses setores como símbolos do “neoliberalismo”, “consenso de Washington”, “ortodoxia” ou seja lá como for que a retórica oca do fanatismo ideológico quiser classificar. As duas medidas eram a Lei do Petróleo de 1997 e a reforma previdenciária aprovada no segundo Governo FHC.

Em 2003, Lula teve a sabedoria de não fazer marolas na economia e atuou de forma consistente em relação a esses dois pontos: manteve a Lei do Petróleo e as rodadas anuais de licitação do setor e não voltou atrás na Previdência. Aos poucos, porém, as mudanças políticas e a fragilidade da oposição levaram aqueles setores a voltar à carga.

Em 2010, eles conseguiram sua primeira grande “vitória”, com a aprovação do novo marco regulatório do petróleo, no contexto das descobertas do pré-sal. A vitória se revelou um desastre, causado pelos ideólogos que escreveram em 1995 que o fim do monopólio iria “destruir” a Petrobras. O setor, que até então vinha “bombando”, parou em termos de novos investimentos. As rodadas deixaram de ser feitas, a superfície da área sob concessão encolheu e, com o tempo, a própria produção chegou a cair. Para pior, no dia em que os leilões forem retomados, a exigência de que a Petrobras entre com 30 % dos recursos nos novos investimentos ameaça se transformar em um pesadelo financeiro para a empresa. Todos sabem que o Governo se arrepende dessa medida, mas não sabe como fazer para dar “meia volta, volver” sem passar recibo.

Agora, o script se repete e, no marco da reaproximação do Governo com os sindicalistas que pouco freqüentaram o Planalto depois de 2010, anuncia-se uma pauta que incluiria o “fim do fator previdenciário”. Espero que seja uma interpretação de um jornalista desavisado. Custo a acreditar que a presidente Dilma cometeria esse equívoco, que faria as perspectivas fiscais não exatamente róseas relacionadas às tendências demográficas adentrar no terreno sombrio dos “50 tons de cinza” dos déficits — agravados — da Previdência Social.

Há várias décadas, Fernando Pessoa, incursionando no terreno da análise econômica, em outro contexto, escreveu que “legisla-se em favor do empregado contra o comerciante e o industrial e supõe-se que sobre esse mesmo empregado não recairão nunca os efeitos dessa legislação. Limita-se a produção com restrições. Quando, depois, a produção baixa e a estrutura social inteira se sente variadamente disso, olha-se para essas consequências como para um ciclone ou um terremoto, uma coisa vinda de fora e inteiramente imprevisível” (“A economia em Pessoa”, Ed. Reler). O país já fez uma besteira maiúscula mudando as regras de exploração do petróleo em 2010. Evitemos agora um novo “tiro no pé”. Caso contrário, se o fator previdenciário acabar, não nos queixemos das consequências que virão.


Equidade sem crescimento? - SILVIA MATOS

O ESTADÃO - 08/04

Nos últimos dois anos a economia brasileira cresceu em média apenas 1,8% ao ano. E, mesmo com o melhor resultado esperado para 2013 e 2014, a média do governo Dilma deverá ficar abaixo de 2,5%, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre). Este valor é similar à média dos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, de 2,3%, mas bem aquém dos 4% do governo Lula. Em termos de crescimento anual da renda per capita, o quadro é semelhante: a taxa prevista para o quadriênio do governo Dilma é de apenas 1,5%, metade do valor registrado nos oito anos do governo Lula.

Para alguns, esse resultado não é tão alarmante, pois, mesmo com a desaceleração da renda per capita, a renda das famílias tem avançado. Pelos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a renda domiciliar per capita cresceu 40,7% entre 2003 e 2011, bem superior ao crescimento de 27,7% do PIB per capita no período. E em 2012 essa discrepância provavelmente aumentou: enquanto a renda per capita ficou estagnada, a renda real do trabalho cresceu 4,1%, segundo o IBGE. Sem dúvida, isso se refletiu numa redução da desigualdade de renda e, consequentemente, numa melhora significativa do padrão de vida da população.

Naturalmente, surge uma importante questão: esse movimento é sustentável? Este artigo, obviamente, não será capaz de responder a essa complexa pergunta completamente, mas ressaltará alguns fatores que, do nosso ponto de vista, devem ser considerados no debate.

Em primeiro lugar, a literatura de crescimento econômico destaca a renda per capita em dólares como uma importante medida de riqueza e nível de desenvolvimento de um país no longo prazo. Trata-se, portanto, do principal parâmetro de comparação de desempenho relativo entre as diversas nações.

Por essa medida, o Brasil é ainda um país de renda média. Hoje, nossa renda per capita em dólares gira em torno de US$ 11.500. Nesse conceito, avançamos significativamente nos últimos dez anos e conseguimos quadruplicar esse valor. Além do forte crescimento do período, a valorização cambial de mais de 30% também contribui para o resultado.

Também por essa medida se verifica uma desaceleração no ritmo de crescimento nos anos mais recentes. No primeiro ano do governo Dilma, a renda per capita era de US$ 12.700. Já no segundo caiu para US$ 11.500. E, segundo nossas estimativas, deve retornar aos US$ 13 mil apenas em 2014, considerando que a taxa de câmbio fique estável neste ano e no próximo. Com isso, o crescimento anual previsto da renda per capita para o quadriênio do governo Dilma é de 4,3%, bem abaixo dos 19% do governo Lula. Ou seja: mesmo em 2014, a nossa renda per capita ainda será apenas 1/4 da renda americana.

Em segundo lugar, uma importante agenda de pesquisa refere-se ao entendimento dos milagres e dos desastres de crescimento entre os países. Uma preocupação comum entre os diversos países de renda média diz respeito à expectativa de não conseguir completar a transição do desenvolvimento, ou seja, tornarem-se países desenvolvidos. Segundo análise do Banco Mundial (2012), no período do pós-guerra muitos países conseguiram crescer rapidamente e deixaram de ser pobres para se transformarem em países de renda média, mas apenas poucos conseguiram completar a transição e atingir uma renda per capita de país avançado, um valor de pelo menos 50% da renda dos EUA. Então ainda é cedo para comemorar, porque o Brasil está muito distante desse patamar.

Em terceiro lugar, antes de nos vangloriarmos de nossas conquistas, é necessário novamente recorrer às comparações internacionais. Quando analisamos os nossos vizinhos, nos últimos dez anos os avanços sociais também foram significativos e disseminados, segundo a Carta do Ibre de fevereiro de 2013. E para um grupo de países (Chile, Colômbia, México e Peru), mesmo com essas conquistas sociais, não se observa uma desaceleração no ritmo de crescimento. Ao contrário, houve manutenção ou aceleração da taxa de crescimento nos últimos dois anos em relação à média do período de 2003 a 2010.

Resumindo: o Brasil tem crescido pouco e há fortes indícios de que isso é mais permanente do que transitório. E parece que as políticas econômicas têm privilegiado mais a conquista da equidade que o crescimento econômico.

A questão central é como manter os ganhos de bem-estar, sem interromper o crescimento. Algumas políticas sociais podem prejudicá-lo, como, por exemplo, a política de ganhos salariais sem contrapartida da produtividade do trabalho. Outras, porém, podem ter efeitos positivos, como gastos educacionais bem alocados. Há um consenso na literatura econômica a respeito da importância da educação para o crescimento econômico de longo prazo. Segundo Pessôa (2006), em torno de 2/3 da diferença de renda per capita entre Brasil e Coreia podem ser explicados pelo "gap" educacional entre os países.

Sem crescimento, os ganhos de bem-estar provavelmente não serão sustentáveis. Podemos estar "matando a galinha dos ovos de ouro" precocemente.

Os riscos de insistir no consumismo - RAUL VELOSO

O GLOBO - 08/04
A difícil situação econômica que o País vive atualmente tem pouco a ver com a crise externa e mais com as dificuldades para lidar com os desdobramentos do modelo pró-consumo posto em prática nos últimos tempos, sem falar na volta a erros do passado.

Impulsionado, a partir do destravamento da economia em 2003, pelo forte crescimento da demanda de consumo, o crescimento da demanda agregada se espalharia pela economia e mostraria resultados divergentes, em grande medida inevitáveis, nos setores básicos: Serviços e indústria de transformação. Sem prejudicar o raciocínio geral, deixo de lado o setor de commodities, que é voltado basicamente para o exterior e é por ele guiado.

Já o de serviços, que responde por quase 70% da economia, basicamente não importa do exterior, sua produção teria necessariamente de crescer acima da dos demais. Sem a velha restrição de divisas, a Indústria tenderia a desempenhar o papel de importador estratégico, ou de ter sua produção crescendo a uma menor velocidade, liberando recursos - capital e mão de obra - para a expansão de Serviços. A hipótese de o País absorver maior volume de poupança externa não mudaria esse quadro, quando se considera que ela só consegue ser materializada em investimento físico mediante aumento do déficit externo, vale dizer das importações. Ou seja, maior ingresso de poupança externa é mais uma razão para aumentar as importações industriais.

O mecanismo de formação de preços dá vida a esse processo, pois os preços de Serviços, que se determinam pelo cruzamento de curvas convencionais de oferta e demanda internas, tendem a subir mais que os da Indústria, puxando o aumento de salários. Na Indústria, em contraste, a oferta é uma linha reta horizontal determinada fora do País, com tendência a se deslocar permanentemente para baixo, pelo efeito Ásia. Os preços relativos sobem em favor de Serviços, porque ali a oferta é bem mais rígida, inclusive pela forte presença/interferência do governo nesse setor, que não tem recursos para investir e hesita em abrir espaço para o setor privado fazê-lo. Na indústria, a oferta é bem mais flexível. Ali o mundo é o limite.

A indústria tem de pagar os mesmos salários mais altos que Serviços paga, e enfrentar uma receita unitária medida em dólares tendendo a cair. A consequência óbvia é o menor crescimento da produção industrial, exceto nos segmentos em que, nesse processo todo, haja aumento de produtividade capaz de compensar os demais efeitos desfavoráveis que afetam esse setor. Como consequência, ocorreria aumento das importações da indústria, a fim de atender ao crescimento da demanda.

Mesmo que o País não fosse inundado por dólares devido ao aumento dos preços de commodities e ao forte ingresso de capitais, esse movimento de preços relativos corresponderia a uma apreciação real da moeda, necessária para realizar todas as movimentações derivadas do modelo de baixa poupança ou alto consumo em vigor. Como ser contra isso?

Numa primeira fase, diante da inundação de dólares, a taxa de juros e a taxa de câmbio entraram em tendência de queda; o crédito e os gastos públicos correntes explodiram - e com eles o consumo; os salários ascenderam, a partir do setor de serviços; este passou a crescer mais que os demais e a absorver o emprego liberado pela Indústria. Esta cresceu menos, mas a taxas consideradas aceitáveis. Ao mesmo tempo, e financiada por poupança externa, a taxa de investimento global subiu até 2008, permitindo aumento da taxa de crescimento sustentável do PIB para algo próximo de 4,5% do PIB, segundo se estimou.

Vistos de hoje, os acontecimentos no período desde o fim da crise mostram, contudo, que os mecanismos de propulsão do consumo perderam força, mesmo sob forte estímulo fiscal. O crescente comprometimento das rendas familiares com o serviço das dívidas é um óbvio fator limitador. Mais adiante, a deterioração fiscal acenderá uma luz amarela no painel do País, e novo esforço de ajuste terá de ocorrer para evitar outra crise interna.

Em adição, após recuperar os níveis pré-crise, o encolhimento relativo da Indústria se acentuou, em face do aumento do custo unitário do trabalho, vale dizer, do aumento dos salários acima da produtividade industrial, algo que não havia ocorrido até então. Pouco adiantaram as medidas de proteção introduzidas pelo governo, incluindo a desvalorização forçada da moeda que ocorreu no ano passado.

Por fim, a inflação pulou de patamar, diante da busca de juros baixos a qualquer custo e da desvalorização cambial extemporânea de 2012, e a despeito dos novos controles de preços. As concessões de infraestrutura ainda não deslancharam. Nessas condições, os investimentos vêm caindo seguidamente e a taxa de crescimento do PIB se situa abaixo do potencial. A resistência a diminuir a ênfase no consumo como motor de crescimento e a tentação à volta a um passado que fracassou sintetizam as razões para a difícil situação atual. Os inéditos níveis da taxa de desemprego e dos salários são o último baluarte a ruir da fase que se esgotou.