- O contrabando chavista é nosso - GUILHERME FIUZA
- Por que pagamos mais caro no Brasil? - RICARDO AMO...
- Guido e Gisele - J. R. GUZZO
- Ano novo, temas recorrentes - PAULO GUEDES
- Gás de Parecis - ANCELMO GOIS
- Lutas - CAETANO VELOSO
- Uma gata chamada Gatinha - FERREIRA GULLAR
- O injustiçado? - ARTUR XEXÉO
- Ueba! BBBurros é pleonasmo! - JOSÉ SIMÃO
- Belorizontices - HUMBERTO WERNECK
- Frustração - MARTHA MEDEIROS
- Tiquinho - LUIS FERNANDO VERISSIMO
- As classes sociais - DANUZA LEÃO
- Em defesa da Petrobrás e do pré-sal - SUELY CALDAS...
- Questionando a realidade - MARCELO GLEISER
- Campo dá tudo que a indústria precisa - ALBERTO TA...
- Duplo mandato - CELSO MING
- MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
- PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV - 20/01
- Existe futebol sério - TOSTÃO
- Mais ação e menos discurso, parlamentares - GAUDÊN...
- Pela ordem - SONIA RACY
- Última instância - FÁBIO ZAMBELI - PAINEL
- Pode crê! - ILIMAR FRANCO
- Uma questão de tempo - JOÃO BOSCO RABELLO
- Um modelo inovador de gestão prisional - ANTONIO A...
- O futuro jogado às traças - ELIANE CANTANHÊDE
- Solução da imprevidência - JANIO DE FREITAS
- Quilombos imaginários - EDITORIAL O ESTADÃO
- Congresso x MPs - MERVAL PEREIRA
- Leniência e impunidade - ALBERTO SAYÃO
- Por que não em público? - LUIZ FELIPE LAMPREIA
- Reflexões sobre a situação da Venezuela - CELSO LA...
- Israel desiste dos palestinos - CLÓVIS ROSSI
- "Alto clero" encolhe, "baixo" se expande e estatur...
- Homem novo, raposa velha - SÉRGIO DÁVILA
- A nova elite do Congresso do PMDB e do PT - ELIO G...
- Prioridades - LUIS FERNANDO VERISSIMO
- A agenda global e o Brasil - EDITORIAL O ESTADÃO
- Politização da energia - MIRIAM LEITÃO
- Maquiado e descabelado - VINICIUS TORRES FREIRE
- 2013 não começou bem - JOSE ROBERTO MENDONÇA DE BA...
- Responsável e competitivo - HENRIQUE MEIRELLES
- Para romper o longo inverno do Congresso - EDITORI...
- O segundo Obama - EDITORIAL FOLHA DE SP
- COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
- DOMINGO NOS JORNAIS
domingo, janeiro 20, 2013
HOJE NO BLOG 20/01
O contrabando chavista é nosso - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
No jeitinho venezuelano, a lei é soberana, desde que não contrarie o espírito bolivariano
O Brasil apoiou o adiamento da posse presidencial na Venezuela para esperar um pouco mais por Hugo Chávez. O jeitinho venezuelano de preservar sua democracia na marra tem dessas licenças poéticas. A lei é soberana, desde que não contrarie as conveniências do espírito bolivariano, encarnado no coronel-presidente. Diante desse truque da esquerda bandoleira, o Brasil poderia até ter deixado passar, ter fingido que não viu, ter mudado de assunto. Mas não: ergueu-se a voz do Itamaraty, sacudindo o Barão do Rio Branco nas catacumbas, para anunciar que o governo da companheira Dilma apoia o contrabando político do companheiro Chávez.
A solidariedade é compreensível. São dois projetos - o que governa o Brasil e o que governa a Venezuela - irmanados no mesmo princípio essencial: não largar o osso, custe o que custar. Nunca é demais lembrar que o Itamaraty, na era do governo popular, segue a linha doutrinária de Marco Aurélio Garcia - aquele flagrado comemorando com gestos obscenos (o clássico "top-top") a notícia de que as duas centenas de mortes no acidente da TAM se deveriam a falhas do avião, e não do governo.
A escala de valores dessa turma, como se vê, obedece a códigos humanitários muito especiais. Também ficou na história - ou melhor, não ficou, porque o Brasil esquece tudo - a declaração do então ministro da Previdência e prócer do PT, Ricardo Berzoini, durante uma operação para recadastramento de aposentados do INSS. Depois de insistir em obrigar velhinhos de 90 anos a penar em filas imensas a céu aberto, Berzoini finalmente recuou diante das imagens de idosos desmaiando nas calçadas. E justificou o recuo, placidamente, dizendo que o "desgaste" seria grande. Com aposentados sob tortura nas ruas, o ministro se referia ao desgaste do PT. Eles só pensam naquilo.
É, portanto, absolutamente natural o apoio do Itamaraty ao cambalacho constitucional dos companheiros chavistas. O que importa é manter viva a lenda terceiro-mundista da revanche popular sobre as elites - conto de fadas que alimenta a mais formidável indústria do voto da história das Américas.
Foi sob essa mesma doutrina que Lula trocou carinhos em público com o sanguinário Muammar Khadafi, o falecido (linchado) ditador líbio que brilhava no presépio do antiamericanismo. Com Mahmoud Ahmadinejad, o tarado atômico do Irã, o governo popular foi mais longe, convidando-o para passear de queixo empinado em nossos quintais - como parte da pantomima de resistência contra o império ianque. Sem falar na comparação antológica do lulismo entre bandidos paulistas e presos políticos cubanos - para legitimar o apoio do PT a Fidel Castro.
E tome literatura progressista, com a aliança folclórica entre as "presidentas" Dilma Rousseff e Cristina Kirchner - na qual a brasileira banca ideologicamente os arroubos autoritários da colega argentina, em sua cruzada contra a liberdade de expressão. O mesmo plano de controle da mídia está firme no ideário do PT, e só não foi posto em prática (ainda) porque a imprensa brasileira é mais vigorosa. Mas a demagogia tarifária que apodreceu o setor elétrico argentino já foi devidamente importada, com as conseqüências devastadoras a que o Brasil hoje assiste nas empresas de energia.
O alinhamento do Itamaraty com mais esse golpe da democracia privatizada venezuelana não é só um ato vergonhoso, para enriquecer o folclore de um governo que fala com o mundo por meio do sectarismo obsceno de um Marco Aurélio Garcia. Esse gesto expressa a inequívoca tentação chavista do regime liderado pelo PT, que está há dez anos manobrando para subjugar o Estado brasileiro pelo apa- relhamento político. O mensalão nada mais foi do que o capítulo mais escandaloso dessa doutrina.
Mas os brasileiros não se importam com a implantação desse parasitismo institucionalizado, e marcham para dar-t lhe o quarto mandato presidencial consecutivo, visando ao aperfeiçoamento da obra.
O Itamaraty pode apoiar todos os golpes chavistas, assim como pode dar passaporte diplomático para Valdemiro e Franciléa, líderes da Igreja Mundial do Poder de Deus, alegando que isso seja de interesse nacional. Deve ser mesmo. Os interesses da nação têm obedecido a crenças que até Deus duvida.
Por que pagamos mais caro no Brasil? - RICARDO AMORIM
REVISTA ISTO É
A diferença de preços do Brasil com o resto do mundo é impressionante. Do restaurante aos eletrônicos, quase tudo é mais caro aqui.
Razões não faltam, começando pelos impostos. Uma das cargas tributárias mais elevadas do planeta, particularmente concentrada sobre consumo e produção, encarece tudo que é feito e comprado aqui.
Impostos não explicam todas as distorções. Também as margens de lucro são mais elevadas. A esquerda culpa a ganância dos nossos empresários. A explicação está equivocada. Sim, empresários querem cobrar mais por seus produtos e serviços. Se você pudesse dobrar seu salário, não dobraria?
A pergunta é: por que conseguem cobrar mais aqui? Por que aceitamos pagar mais? Apesar dos avanços desde 1994, a distribuição de renda no Brasil ainda é das piores. Grande concentração gera uma valorização de status nas compras. Demarcam-se as diferenças através do consumo, mesmo que para isso tenha que se pagar mais. Comprar determinado carro, celular ou iogurte "separa" seus consumidores das classes sociais "abaixo" deles.
A explicação mais importante, porém, não é esta. A baixa competição, a dificuldade de se fazer negócio e o risco mais elevado da atividade empresarial pesam mais.
Burocracia absurda, corrupção, carga tributária elevada, regime tributário complexo, infraestrutura ruim, mão de obra cara e despreparada dificultam a vida das empresas, aumentando o risco de seus investimentos. Com risco maior, empresários reduzem investimentos e, por consequência, a competição. Com menos competição, inclusive com os importados - o Brasil é o país com menor taxa de importação de produtos e serviços no planeta -, é possível subir preços e aumentar margens de lucro.
Nos últimos anos, as margens no País caíram. Em muitos setores, empresas não conseguiam repassar integralmente aumentos de custos de mão de obra e matérias-primas aos preços porque uma competição crescente não permitiu.
A competição aumentou porque a crise no mundo desenvolvido estimulou as empresas a buscarem os grandes mercados emergentes. Somou-se a isso um forte crescimento do consumo no País impulsionado pelo aumento da renda e do crédito. Com mercado maior, cresceram os investimentos produtivos e a competição, reduzindo as margens de lucro. Até aí, ótimo.
Acontece que, nos últimos trimestres, tal movimento se reverteu. Desvalorizar o real encareceu importações, inclusive de máquinas e equipamentos, diminuindo a competição e reduzindo investimentos.
Além disso, ao atacar bancos e empresas de energia elétrica para reduzir rapidamente suas margens de lucro, o governo aumentou o risco dos negócios nesses e em outros setores, que temem medidas semelhantes. Com rentabilidade menor e riscos maiores, os investimentos caíram, o que, através da redução da competição, vai aumentar margens de lucro e encarecer os preços nos próximos anos. Em economia, às vezes, os resultados são o inverso das intenções.
Antes de usar os bancos estatais para pressionar os demais a reduzir juros - um objetivo louvável, buscado de forma ineficiente -, a lucratividade média do setor bancário brasileiro era a segunda mais baixa das Américas, atrás apenas dos EUA, ao contrário do que supõe a maioria. Venezuela e Argentina, onde os governos mais "perseguem" bancos, eram os países com os bancos mais lucrativos.
Para reduzir margens e preços, o governo precisa eliminar a burocracia, simplificar a legislação, estimular a competição, evitar o protecionismo, reduzir impostos, inclusive sobre importados, e incentivar investimentos. O benefício será dos consumidores.
Razões não faltam, começando pelos impostos. Uma das cargas tributárias mais elevadas do planeta, particularmente concentrada sobre consumo e produção, encarece tudo que é feito e comprado aqui.
Impostos não explicam todas as distorções. Também as margens de lucro são mais elevadas. A esquerda culpa a ganância dos nossos empresários. A explicação está equivocada. Sim, empresários querem cobrar mais por seus produtos e serviços. Se você pudesse dobrar seu salário, não dobraria?
A pergunta é: por que conseguem cobrar mais aqui? Por que aceitamos pagar mais? Apesar dos avanços desde 1994, a distribuição de renda no Brasil ainda é das piores. Grande concentração gera uma valorização de status nas compras. Demarcam-se as diferenças através do consumo, mesmo que para isso tenha que se pagar mais. Comprar determinado carro, celular ou iogurte "separa" seus consumidores das classes sociais "abaixo" deles.
A explicação mais importante, porém, não é esta. A baixa competição, a dificuldade de se fazer negócio e o risco mais elevado da atividade empresarial pesam mais.
Burocracia absurda, corrupção, carga tributária elevada, regime tributário complexo, infraestrutura ruim, mão de obra cara e despreparada dificultam a vida das empresas, aumentando o risco de seus investimentos. Com risco maior, empresários reduzem investimentos e, por consequência, a competição. Com menos competição, inclusive com os importados - o Brasil é o país com menor taxa de importação de produtos e serviços no planeta -, é possível subir preços e aumentar margens de lucro.
Nos últimos anos, as margens no País caíram. Em muitos setores, empresas não conseguiam repassar integralmente aumentos de custos de mão de obra e matérias-primas aos preços porque uma competição crescente não permitiu.
A competição aumentou porque a crise no mundo desenvolvido estimulou as empresas a buscarem os grandes mercados emergentes. Somou-se a isso um forte crescimento do consumo no País impulsionado pelo aumento da renda e do crédito. Com mercado maior, cresceram os investimentos produtivos e a competição, reduzindo as margens de lucro. Até aí, ótimo.
Acontece que, nos últimos trimestres, tal movimento se reverteu. Desvalorizar o real encareceu importações, inclusive de máquinas e equipamentos, diminuindo a competição e reduzindo investimentos.
Além disso, ao atacar bancos e empresas de energia elétrica para reduzir rapidamente suas margens de lucro, o governo aumentou o risco dos negócios nesses e em outros setores, que temem medidas semelhantes. Com rentabilidade menor e riscos maiores, os investimentos caíram, o que, através da redução da competição, vai aumentar margens de lucro e encarecer os preços nos próximos anos. Em economia, às vezes, os resultados são o inverso das intenções.
Antes de usar os bancos estatais para pressionar os demais a reduzir juros - um objetivo louvável, buscado de forma ineficiente -, a lucratividade média do setor bancário brasileiro era a segunda mais baixa das Américas, atrás apenas dos EUA, ao contrário do que supõe a maioria. Venezuela e Argentina, onde os governos mais "perseguem" bancos, eram os países com os bancos mais lucrativos.
Para reduzir margens e preços, o governo precisa eliminar a burocracia, simplificar a legislação, estimular a competição, evitar o protecionismo, reduzir impostos, inclusive sobre importados, e incentivar investimentos. O benefício será dos consumidores.
Guido e Gisele - J. R. GUZZO
REVISTA VEJA
Alguém deveria ter alertado a presidente Dilma Rousseff, logo no começo do seu governo, sobre a alma dos jornalistas ingleses. Durante anos, estiveram entre os principais fornecedores de alegrias para os governos Lula e o seu, apontados na imprensa britânica como exemplos de virtude para o mundo - e o que diz um jornalista do reino de Sua Majestade Elizabeth II vale mais do que dizem os outros, por razões que não vem ao caso explicar nos limites deste artigo. A certa altura, a revista The Economist chegou a colocar em sua capa uma ilustração do Cristo Redentor subindo do alto do Corcovado rumo ao espaço sideral, com uma mensagem do tipo "ninguém segura o Brasil"-e que governo precisa de qualquer outro selo internacional de aprovação quando ninguém menos que The Economist está dizendo uma coisa dessas? O problema, aí, é que governos em geral não devem confiar em jornalistas ingleses. Trata-se, historicamente, de um pessoal imprevisível, indisciplinado e impertinente. É Sabem de coisas que não deveriam saber, muito me- ^ nos publicar. Escrevem com freqüência o contrário do que se espera. Lêem a correspondência privada das pessoas e publicam confissões íntimas de mordomos; não são cavalheiros. Mais que tudo, estão acostumados há 200 anos com a ideia de que fatos existem para ser publicados e, se forem inconvenientes, melhor ainda - sobretudo se incomodam políticos, milionários, celebridades, estrelas do mundo pop, lordes do reino e por aí afora.
Foi um lamentável desapontamento para a presidente Dilma, assim, ler de repente no fim do ano, na mesma The Economist, que deveria botar no olho da rua o seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, por incompetência em estágio terminal. Mas não estava tudo bem? Estava. Só que deixou de estar, embora não pareça claro como alguma coisa poderia mudar para melhor no Brasil com a saída do ministro; se ao longo de seus dez anos no governo ele nunca ocupou uma única jornada de trabalho decidindo questões vitais para a economia, não dá para jogar-lhe a culpa por nada que esteja dando errado. É verdade que Mantega poderia ser um perigo. No lançamento do Plano Real, por exemplo, escreveu um artigo prodigioso: conseguiu, do começo ao fim, errar em 100% de tudo o que disse. Com a certeza de quem estava demonstrando o binômio de Newton, garantiu que o plano iria fracassar em todos os seus pontos, sem exceção de nenhum - e isso, pela prudência mais elementar, deveria fazer com que o homem fosse mantido o mais longe possível da Fazenda nacional. Mas, como nunca o deixaram resolver nada de importante, também não o deixaram errar.
Mantega, pensando bem, até que tem sido um colaborador útil para o governo. Para começar, ele é um craque na arte de não criar problemas. Foi capaz de nomear para a presidência da Casa da Moeda, onde se fabrica todo o dinheiro deste país, um cidadão que nunca tinha visto em sua vida; alguém mandou que nomeasse, e ele nomeou. É para reduzir o IPI? Está reduzido. É para suspender a redução? Está suspensa. Se for encarregado de anunciar o fim do mundo, dirá que se trata de "um fato atípico"- e que o governo "não trabalha com a hipótese" de que isso atrase as obras do PAC. Acima de tudo, um substituto com vida própria no Ministério da Fazenda não iria durar mais do que quinze minutos no cargo. Na primeira vez que contrariasse a presidente, nem precisaria esperar o decreto de demissão -já poderia sair direto para casa. Dilma, pelo jeito, deseja manter Mantega no posto. "Ele só sai se quiser", disse a presidente após a sentença de condenação da Economist. Não chega a ser uma garantia feita de concreto armado; Mantega quer ficar, mas pode de um momento para outro querer sair, se Dilma quiser que ele queira. Por enquanto, continua lá.
Se a presidente resolver, um dia desses, mudar de ideia poderia nomear para o Ministério da Fazenda, quem sabe, a modelo Gisele Bündchen; com certeza, a aprovação a essa escolha seria de 95%, ou mais. E por que não? Já que não é para resolver nada, é muito melhor ver Gisele no noticiário, principalmente na televisão, do que a cara do ministro Mantega, por mais simpática que seja; ele seria o primeiro a concordar com isso. O problema é que a sra. Bündchen é uma moça de bom-senso. Se fosse convidada para ministra da Fazenda, diria: "Não posso aceitar, porque eu não entendo nada disso". É exatamente o que deveriam dizer, mas não dizem, nove entre dez astros da ciência econômica nacional. É uma pena, realmente, que nossa übermodel tenha a cabeça no lugar.
Foi um lamentável desapontamento para a presidente Dilma, assim, ler de repente no fim do ano, na mesma The Economist, que deveria botar no olho da rua o seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, por incompetência em estágio terminal. Mas não estava tudo bem? Estava. Só que deixou de estar, embora não pareça claro como alguma coisa poderia mudar para melhor no Brasil com a saída do ministro; se ao longo de seus dez anos no governo ele nunca ocupou uma única jornada de trabalho decidindo questões vitais para a economia, não dá para jogar-lhe a culpa por nada que esteja dando errado. É verdade que Mantega poderia ser um perigo. No lançamento do Plano Real, por exemplo, escreveu um artigo prodigioso: conseguiu, do começo ao fim, errar em 100% de tudo o que disse. Com a certeza de quem estava demonstrando o binômio de Newton, garantiu que o plano iria fracassar em todos os seus pontos, sem exceção de nenhum - e isso, pela prudência mais elementar, deveria fazer com que o homem fosse mantido o mais longe possível da Fazenda nacional. Mas, como nunca o deixaram resolver nada de importante, também não o deixaram errar.
Mantega, pensando bem, até que tem sido um colaborador útil para o governo. Para começar, ele é um craque na arte de não criar problemas. Foi capaz de nomear para a presidência da Casa da Moeda, onde se fabrica todo o dinheiro deste país, um cidadão que nunca tinha visto em sua vida; alguém mandou que nomeasse, e ele nomeou. É para reduzir o IPI? Está reduzido. É para suspender a redução? Está suspensa. Se for encarregado de anunciar o fim do mundo, dirá que se trata de "um fato atípico"- e que o governo "não trabalha com a hipótese" de que isso atrase as obras do PAC. Acima de tudo, um substituto com vida própria no Ministério da Fazenda não iria durar mais do que quinze minutos no cargo. Na primeira vez que contrariasse a presidente, nem precisaria esperar o decreto de demissão -já poderia sair direto para casa. Dilma, pelo jeito, deseja manter Mantega no posto. "Ele só sai se quiser", disse a presidente após a sentença de condenação da Economist. Não chega a ser uma garantia feita de concreto armado; Mantega quer ficar, mas pode de um momento para outro querer sair, se Dilma quiser que ele queira. Por enquanto, continua lá.
Se a presidente resolver, um dia desses, mudar de ideia poderia nomear para o Ministério da Fazenda, quem sabe, a modelo Gisele Bündchen; com certeza, a aprovação a essa escolha seria de 95%, ou mais. E por que não? Já que não é para resolver nada, é muito melhor ver Gisele no noticiário, principalmente na televisão, do que a cara do ministro Mantega, por mais simpática que seja; ele seria o primeiro a concordar com isso. O problema é que a sra. Bündchen é uma moça de bom-senso. Se fosse convidada para ministra da Fazenda, diria: "Não posso aceitar, porque eu não entendo nada disso". É exatamente o que deveriam dizer, mas não dizem, nove entre dez astros da ciência econômica nacional. É uma pena, realmente, que nossa übermodel tenha a cabeça no lugar.
Ano novo, temas recorrentes - PAULO GUEDES
REVISTA ÉPOCA
Continuarão conosco, em 2013, alguns temas recorrentes por trás da grande crise contemporânea:
1. A guerra mundial por empregos, deflagrada pelo mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos nos mercados globais.
2. A crise do regime fiduciário nas modernas democracias liberais, pelos excessos cometidos por financistas anglo-saxões e pela irresponsabilidade financeira da social-democracia européia.
3. O declínio econômico e a perda de competitividade dos ocidentais ante o desafio asiático.
4. A imprudência do Federal Reserve, banco central americano, convertido em soprador serial de bolhas. Disparou ondas de liquidez que se quebraram em sucessivos colapsos nos mercados de ações de empresas de tecnologia, de ativos imobiliários, de crédito e derivativos financeiros, de ações de bancos e instituições financeiras e, finalmente, nos mercados acionários em todo o mundo. O tsunami de liquidez que promoveu para estimular a economia após o estouro de cada bolha foi sempre a mesma onda que embalou a bolha seguinte a estourar logo adiante.
5. A extraordinária disciplina exigida pela adoção do euro. Essa arquitetura de moeda única, supranacional, com prêmios de risco distintos para cada país, funciona como uma lei de responsabilidade fiscal imposta aos governos nacionais. Trata-se de uma verdadeira ressurreição do padrão-ouro, em que se disparam mecanismos de ajuste automático de extrema agressividade em curtas janelas de tempo. Explodem os custos da dívida dos países deficitários, a liquidez foge em direção aos superavitários. Salários e preços de bens, serviços e ativos despencam nos países em crise. O desemprego aumenta, como em Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia. Por outro lado, a Alemanha experimentava sua menor taxa de desemprego nos últimos 25 anos. E tudo isso acontecendo de forma automática, rápida, insensível e impessoal, como ocorria no padrão-ouro, que sempre ignorou as nacionalidades.
6. Nos Estados Unidos, prosseguirão as batalhas entre republicanos e democratas. Tenho enorme simpatia pelo presidente Obama, mas uma "caça aos ricos" após o maior programa de socialização de perdas financeiras da história americana é tão risível quanto tardia. Obama não escapou à armadilha dos financistas. Para desespero de seus correligionários, os prêmios Nobel de Economia Paul Krugman e Joseph Stiglitz. Os banqueiros assumiram a Casa Branca e o Tesouro.
São também recorrentes os temas que estarão conosco no Brasil em 2013:
1. Somos prisioneiros de uma armadilha social-democrata de baixo crescimento. O ininterrupto crescimento dos gastos públicos em relação ao Produto Interno Bruto iniciado no regime militar se aprofundou com o rodízio de governos social-democratas após a redemocratização. A "esquerda" hegemônica ampliou gastos sociais, mas sempre apoiada por conservadores oportunistas que impediam o desmonte das arcaicas estruturas de sustentação de seus interesses econômicos. O resultado é uma transição ainda incompleta para a Grande Sociedade Aberta. Sofremos com o programa de estabilização mais longo da história. Um plano anti-inflacionário bem-sucedido é coisa de dois anos. Mas pode levar duas décadas se conduzido por uma "esquerda" ignorante em matéria econômica, que aluga apoio político oportunista de interesses conservadores corruptos. "Desperdiçamos" uma crise colossal, com direito a hiperinflação, moratória externa e seqüestro de poupança interna sem ousar um ataque frontal ao Antigo Regime. Foram duas décadas de impostos ascendentes, juros altos e câmbio sobrevalorizado. Persistem a regulamentação inadequada e os desestímulos aos investimentos privados. Ensaiamos agora a redução dos juros e dos impostos, mas a expansão dos gastos públicos ameaça sua continuidade.
2. A concentração dos poderes políticos, a hipertrofia do Estado e a centralização administrativa, maldições de regimes políticos fechados, permaneceram nessa acomodação de interesses entre a "esquerda" e os conservadores. O resultado foi a degeneração de nossas práticas políticas. Os petistas foram agora condenados por compra de apoio político no episódio do mensalão. Mas houve também acusações contra os tucanos quando da emenda constitucional que garantiu a reeleição de FHC. Assim como acusações de um mensalinho na eleição de Eduardo Azeredo para o governo de Minas. Surgiu depois o mensalinho do DEM, com Arruda no Distrito Federal. E, acabada a CPI do Cachoeira, estoura o escândalo do tráfico de influência dos irmãos Vieira e a chefe do escritório da Presidência em São Paulo. O infindável ciclo de acusações recíprocas entre o PSDB e o PT em torno de escândalos e malfeitos, em feroz disputa pelo poder, é a manifestação política do Princípio de Gause, uma guerra de extinção entre espécies semelhantes pelo domínio de um mesmo nicho ecológico.
3. Agravam-se os desafios de produtividade e competitividade brasileiras em meio à grande crise contemporânea. Pois há também o confronto de qualidade entre as políticas públicas das nações. Continuam ausentes no Brasil as reformas de modernização: a correção da hipertrofia da União (reforma administrativa), a descentralização de recursos e atribuições para Estados e municípios (reforma fiscal), a simplificação de impostos e redução de alíquotas (reforma tributária), a revisão de obsoleta legislação trabalhista (reforma trabalhista, com a eliminação de encargos sobre o custo do trabalho), a democratização do capital (por meio da reforma previden- ciária) e a redefinição dos marcos regulatórios (destravando investimentos de infraestrutura).
A inapetência por reformas resultou em cenas explícitas de canibalismo federativo. Os presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara dos Deputados, Marco Maia, ocupados com a apropriação indébita dos royalties de petróleo dos Estados produtores, desleixaram em seus deveres de aprovar novos critérios para redistribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados. Como descuidaram também de seus deveres parlamentares no exame e aprovação do Orçamento da União para 2013. Ao contrário do Supremo Tribunal Federal, que exibiu lideranças à altura de nossos desafios de aperfeiçoamento institucional, o Congresso continua nos devendo uma forma decente de fazer política.
Continuarão conosco, em 2013, alguns temas recorrentes por trás da grande crise contemporânea:
1. A guerra mundial por empregos, deflagrada pelo mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos nos mercados globais.
2. A crise do regime fiduciário nas modernas democracias liberais, pelos excessos cometidos por financistas anglo-saxões e pela irresponsabilidade financeira da social-democracia européia.
3. O declínio econômico e a perda de competitividade dos ocidentais ante o desafio asiático.
4. A imprudência do Federal Reserve, banco central americano, convertido em soprador serial de bolhas. Disparou ondas de liquidez que se quebraram em sucessivos colapsos nos mercados de ações de empresas de tecnologia, de ativos imobiliários, de crédito e derivativos financeiros, de ações de bancos e instituições financeiras e, finalmente, nos mercados acionários em todo o mundo. O tsunami de liquidez que promoveu para estimular a economia após o estouro de cada bolha foi sempre a mesma onda que embalou a bolha seguinte a estourar logo adiante.
5. A extraordinária disciplina exigida pela adoção do euro. Essa arquitetura de moeda única, supranacional, com prêmios de risco distintos para cada país, funciona como uma lei de responsabilidade fiscal imposta aos governos nacionais. Trata-se de uma verdadeira ressurreição do padrão-ouro, em que se disparam mecanismos de ajuste automático de extrema agressividade em curtas janelas de tempo. Explodem os custos da dívida dos países deficitários, a liquidez foge em direção aos superavitários. Salários e preços de bens, serviços e ativos despencam nos países em crise. O desemprego aumenta, como em Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia. Por outro lado, a Alemanha experimentava sua menor taxa de desemprego nos últimos 25 anos. E tudo isso acontecendo de forma automática, rápida, insensível e impessoal, como ocorria no padrão-ouro, que sempre ignorou as nacionalidades.
6. Nos Estados Unidos, prosseguirão as batalhas entre republicanos e democratas. Tenho enorme simpatia pelo presidente Obama, mas uma "caça aos ricos" após o maior programa de socialização de perdas financeiras da história americana é tão risível quanto tardia. Obama não escapou à armadilha dos financistas. Para desespero de seus correligionários, os prêmios Nobel de Economia Paul Krugman e Joseph Stiglitz. Os banqueiros assumiram a Casa Branca e o Tesouro.
São também recorrentes os temas que estarão conosco no Brasil em 2013:
1. Somos prisioneiros de uma armadilha social-democrata de baixo crescimento. O ininterrupto crescimento dos gastos públicos em relação ao Produto Interno Bruto iniciado no regime militar se aprofundou com o rodízio de governos social-democratas após a redemocratização. A "esquerda" hegemônica ampliou gastos sociais, mas sempre apoiada por conservadores oportunistas que impediam o desmonte das arcaicas estruturas de sustentação de seus interesses econômicos. O resultado é uma transição ainda incompleta para a Grande Sociedade Aberta. Sofremos com o programa de estabilização mais longo da história. Um plano anti-inflacionário bem-sucedido é coisa de dois anos. Mas pode levar duas décadas se conduzido por uma "esquerda" ignorante em matéria econômica, que aluga apoio político oportunista de interesses conservadores corruptos. "Desperdiçamos" uma crise colossal, com direito a hiperinflação, moratória externa e seqüestro de poupança interna sem ousar um ataque frontal ao Antigo Regime. Foram duas décadas de impostos ascendentes, juros altos e câmbio sobrevalorizado. Persistem a regulamentação inadequada e os desestímulos aos investimentos privados. Ensaiamos agora a redução dos juros e dos impostos, mas a expansão dos gastos públicos ameaça sua continuidade.
2. A concentração dos poderes políticos, a hipertrofia do Estado e a centralização administrativa, maldições de regimes políticos fechados, permaneceram nessa acomodação de interesses entre a "esquerda" e os conservadores. O resultado foi a degeneração de nossas práticas políticas. Os petistas foram agora condenados por compra de apoio político no episódio do mensalão. Mas houve também acusações contra os tucanos quando da emenda constitucional que garantiu a reeleição de FHC. Assim como acusações de um mensalinho na eleição de Eduardo Azeredo para o governo de Minas. Surgiu depois o mensalinho do DEM, com Arruda no Distrito Federal. E, acabada a CPI do Cachoeira, estoura o escândalo do tráfico de influência dos irmãos Vieira e a chefe do escritório da Presidência em São Paulo. O infindável ciclo de acusações recíprocas entre o PSDB e o PT em torno de escândalos e malfeitos, em feroz disputa pelo poder, é a manifestação política do Princípio de Gause, uma guerra de extinção entre espécies semelhantes pelo domínio de um mesmo nicho ecológico.
3. Agravam-se os desafios de produtividade e competitividade brasileiras em meio à grande crise contemporânea. Pois há também o confronto de qualidade entre as políticas públicas das nações. Continuam ausentes no Brasil as reformas de modernização: a correção da hipertrofia da União (reforma administrativa), a descentralização de recursos e atribuições para Estados e municípios (reforma fiscal), a simplificação de impostos e redução de alíquotas (reforma tributária), a revisão de obsoleta legislação trabalhista (reforma trabalhista, com a eliminação de encargos sobre o custo do trabalho), a democratização do capital (por meio da reforma previden- ciária) e a redefinição dos marcos regulatórios (destravando investimentos de infraestrutura).
A inapetência por reformas resultou em cenas explícitas de canibalismo federativo. Os presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara dos Deputados, Marco Maia, ocupados com a apropriação indébita dos royalties de petróleo dos Estados produtores, desleixaram em seus deveres de aprovar novos critérios para redistribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados. Como descuidaram também de seus deveres parlamentares no exame e aprovação do Orçamento da União para 2013. Ao contrário do Supremo Tribunal Federal, que exibiu lideranças à altura de nossos desafios de aperfeiçoamento institucional, o Congresso continua nos devendo uma forma decente de fazer política.
Gás de Parecis - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 20/01
Facebook não é prova
Pelo visto o Tribunal Superior do Trabalho ainda não leva muita fé no Facebook. A 5ª Turma do TST obrigou a Companhia de Saneamento do Pará a pagar hora extra aos empregados, alegando que eles não tinham intervalo em jornada de 12 horas.
Segue...
A empresa contestou, exibindo fotos do Facebook, onde aparece a turma almoçando e descansando. Não colou.
Gostou do palanque
Dilma no Piauí, sexta, falou por mais de meia hora (a versão escrita ficou acima de 3 mil palavras). Lá pelas tantas, disparou: “Gente, presidentes, governadores, prefeitos, são obrigados a fiscalizar os sonhos...”. Isto quer dizer... não sei.
No mais
Frei David diz que a proibição da entrada de babás sem uniforme em clubes lembra outro hábito discriminatório: impedir a empregada doméstica de usar elevador social nos condomínios.
Aliás...
Um querido parceiro da coluna resolveu esta questão com graça e inteligência. Ao ouvir da síndica do seu prédio, em Botafogo, a queixa de que a empregada estava usando o elevador social, rebateu:
— Mas eu não tenho empregada. Aquela negra é minha amante.
O DOMINGO É DE...
... Carolina Dieckmann, 34 anos, que emprestou seu talento para ajudara denunciar um dos crimes mais terríveis praticados em todo o mundo: o tráfico de pessoas. A bela, como se sabe, é a Jéssica, vítima de traficantes, em “Salve Jorge”, a novela da TV Globo. Na trama, a personagem morre no capítulo que vai ao ar amanhã. Tadinha.
Marketing da calcinha
Duas grifes de roupa íntima, a Duloren e a Verve, estão investindo no carnaval de rua. A primeira patrocina o Bloco Areia, que sai no Leblon. A segunda, o bloco Fogo e Paixão, que faz sua folia no Centro do Rio. Nos dois desfiles haverá distribuição de calcinhas.
Literatura policial
A Editora Arqueiro lança aqui, em fevereiro, “O preço da vitória”, novo livro de Harlan Coben. O escritor americano, autor da série “Myron Bolitar”, já vendeu mais de 50 milhões de livros pelo mundo — 625 mil só no Brasil. Nesta trama, volta à cena o detetive Myron Bolitar, o personagem mais premiado de Coben.
Arco-íris de Zé Cândido
Após 15 anos, está de volta às livrarias “Ninguém mata o arco-íris”, volume de crônicas de José Cândido de Carvalho, lançado pela editora José Olympio. A obra reúne 35 textos sobre Cacilda Becker, Chico Buarque, Paulo Autran, Tom Jobim, Ziraldo, Glauber Rocha, Djanira e Rachel de Queiroz, entre outros. Os desenhos são de Appe.
Vovô Noca
Noca da Portela, 80 anos de vida e 60 de samba, vai estrear, este ano, na disputa do Imprensa Que Eu Gamo, o bloco dos coleguinhas. Compôs com uma turma 50 anos mais nova, como Pedro da Muda e JP, bambas do Samba da Ouvidor.
Fim de Manguinhos
Cabral avisa que não desistiu de desapropriar Manguinhos. A empresa Meta, que faz o levantamento topográfico do lugar, entrega seu relatório em fevereiro. Nos últimos anos, a refinaria produziu mais confusão do que gasolina.
Salve-se quem puder
A Viação Real está contratando, para levar passageiros no caótico trânsito do Rio, motoristas... sem experiência. Colou até cartazes nos ônibus com o aviso de emprego. Só exige carteira de habilitação, na categoria D.
Ponto final
Parece. Mas não é. Este florão com cabeça de anjo não é uma homenagem ao boa gente Sérgio Cabral, pai. Na verdade, é uma obra do Mestre Valentim, gênio do barroco brasileiro que faleceu há 200 anos.
Ah, bom!
‘A NEGA TANAJURA TÁ AÍ... NINGUÉM SEGURA’
Na semana em que se comemorou o Dia Mundial do Compositor — no último dia 15 —, a coluna foi atrás de Moacyr Minas Martins, 75 anos, o Moacyr M. M., um dos autores de “Blusa amarela”, sucesso nos anos 1980 com os Originais do Samba. É aquela marchinha que diz: “A Nega Tanajura tá aí/Ninguém segura/Deixa a nega se divertir.”
Apesar de a música, no início daquela década, ter sido uma das mais cantadas nos blocos e quadras de escolas de samba, o niteroiense Moacyr freou a carreira. Sem ter certeza de que avida de compositor lhe daria retorno financeiro, continuou trabalhando como trocador de ônibus. Anos depois, foi parar na Câmara Municipal de Niterói, onde arrumou emprego como auxiliar de serviços gerais. E lá está há 20 anos.
Longe dos holofotes, Moacyr M. M., figura popular no legislativo da antiga capital do Estado do Rio, leva hoje uma vida simples na cidade onde nasceu e cresceu.
— Era o certo pelo duvidoso. Preferi não arriscar. Avida de compositor é difícil. No carnaval, até que pinta uma grana de direitos autorais. Mas tem o resto do ano, né? Aliás, Moacyr M. M. está no meio de uma polêmica musical. No início dos anos 1980, ele compôs o samba “Mengo mania”. O refrão traz uma melodia que faz parte do imaginário popular: “Lêêêêê, lê lê ôôô/Lê, lê lê ôôô/Lê, lê lê ôôô/Lêêêêê, lê lê ôôô/Mengo.”
Só que a mesma melodia e as algumas palavras estão na marchinha “Hino das torcidas”, de Manoel Ferreira, Ruth Amaral e João Roberto Kelly.
Após ser gravado por Silvio Santos, o trechinho ficou conhecido em todo o país. Há uns quatro anos, um amigo de Moacyr o indicou um advogado para correr atrás dos direitos autorais. Só que, até hoje, ele não sabe como anda a ação. Mas aí é outra história...
Lutas - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 20/01
Meus amigos de São Paulo lutam pela dignidade das vítimas de chacinas e de casos de “resistência seguida de morte”
Enquanto escrevo (às pressas para não perder o voo para a Bahia), meus amigos do Rio estão guardando a Aldeia Maracanã, que recebeu, com a permissão finalmente dada por Eduardo Paes, o que parece ser um golpe fatal. Eu quase que ainda sou do tempo do Largo do Maracanã da valsa, anterior à construção do estádio Mário Filho (só o Nelson Rodrigues chamava o estádio pelo nome oficial). Maracanã, esse nome indígena das aves verdes que soam como chocalhos espargidos no ar. Cuiubas, maitacas e maracanãs passavam pelo céu de Santo Amaro na minha meninice. Será que a vulgaridade que ronda a atual administração estadual (sublinhada pela municipal) vai tomar conta do entorno do Maraca? Um prédio que foi o Museu do Índio, que tem a história ligada ao glorioso Marechal Rondon e que hoje se chama Aldeia Maracanã não pode ser posto abaixo. Ou será que já devo escrever “não poderia ter sido posto abaixo”?
Meus amigos de São Paulo lutam pela dignidade das vítimas de chacinas e de casos de “resistência seguida de morte”. Essas vítimas são, em sua grande maioria, jovens pretos. Em sua totalidade, pobres. Quando e como virá a segunda abolição? Minha amada Regina Casé diz que, se perguntada por sua definição política, responderia: “Sou abolicionista.”
Houve um esboço de planejamento federal da segurança pública no primeiro governo Lula. Luiz Eduardo Soares era uma espécie de quase-ministro. Mas jogaram-no fora. No Rio, meu amigo Marcelo Freixo (essa grande figura pública brasileira) me contou que Beltrame, cuja atuação valoriza o governo Cabral, foi indicação de Lula. Beltrame é um gaúcho cuja passagem pelo Rio não será esquecida. Esperamos que o que há de bom em suas ideias e em seu tom possa seguir sendo aproveitado pelo poder que o convidou. Que a vulgaridade não seja mais forte do que a inspiração que, segundo minha fofoca de alto nível, veio de Lula em pessoa.
Em São Paulo não há nada semelhante. E todo o avanço de superação dos índices de criminalidade é negado pelo que parece uma falência da política de segurança do governo tucano. Bem, os indicadores que davam (dão?) esperança terminam parecendo uma força benéfica misteriosa, atribuível a fatores como envelhecimento da população e outros fatos estatísticos, levando-nos a descartar quaisquer méritos do trabalho do estado. Pessoalmente não creio na nulidade da atuação governamental, mas os últimos acontecimentos (depois do longo histórico que vem de Carandiru e passa pelas chacinas de 2006) induzem a ver o papel do governo paulista apequenado. Refém de uma guerra fora da lei entre a polícia e uma organização criminosa. A voz de Mano Brown e dos Racionais (liderando um mundo de rappers) esteve sempre — e está — levantada contra a brutalidade. Que os governos estadual e federal afinem com o que há de sábio nessa voz.
Foi Regina Casé (olhe ela outra vez aí) quem me mostrou. O leitor pode encontrar no YouTube se escrever “O redemoinho (SWIRL)”. É um dos mais belos filmes brasileiros recentes. Tem o que há de forte em “Avenida Brasil” e em “O som ao redor”. É apenas um vídeo amador familiar que, sendo ele mesmo um milagre, versa sobre uma situação milagrosa. Uma família goiana faz um piquenique no que parece ser uma praia lacustre (ou será um trecho represado de rio?). (O rapaz que filma e comenta pronuncia a palavra “tornadinho” de modo reconhecivelmente mineiríssimo, mas, para efeitos de sotaque, Goiás é o grande Minas, além de, como Guimarães Rosa, o rapaz usar também a forma “redemunho”.) Ele acaba de perder um redemoinho que diz ter tentado filmar. Outro se inicia. Ele tenta acompanhá-lo com a câmera. O que se segue é sempre de grande beleza — e representatividade dos movimentos que se passam na sociedade brasileira. O grupo (com a mãe evangélica de short curtíssimo, do qual se desculpa mas termina argumentando que Deus nos criou nus; o primo que não é “politicamente correto” por não aderir à ideia de que “todo mundo é bonito” e mostrar uma garrafa de cerveja; a namorada, bonita, que comenta, com um misto de pudor e malícia, que há belezas “diferentes”; a criança obesa) é muito típico: numa obra de ficção teria sido um grande conseguimento armar um quadro tão representativo e manter tão alto nível de naturalismo e encanto visual. O zoom no cavalo branco no momento em que a mãe cita o pacto entre Deus e Noé é de arrepiar. Nem vou falar mais. É melhor ver. Dura apenas seis minutos. Já vi inúmeras vezes. Muita gente viu (quase 900 mil pessoas). Certamente o apelo religioso congregou a maior parte desssa plateia. Mas suponho que, como Regina e eu, muitos foram dar uma olhada meramente curiosa e se maravilharam.
Meus amigos de São Paulo lutam pela dignidade das vítimas de chacinas e de casos de “resistência seguida de morte”
Enquanto escrevo (às pressas para não perder o voo para a Bahia), meus amigos do Rio estão guardando a Aldeia Maracanã, que recebeu, com a permissão finalmente dada por Eduardo Paes, o que parece ser um golpe fatal. Eu quase que ainda sou do tempo do Largo do Maracanã da valsa, anterior à construção do estádio Mário Filho (só o Nelson Rodrigues chamava o estádio pelo nome oficial). Maracanã, esse nome indígena das aves verdes que soam como chocalhos espargidos no ar. Cuiubas, maitacas e maracanãs passavam pelo céu de Santo Amaro na minha meninice. Será que a vulgaridade que ronda a atual administração estadual (sublinhada pela municipal) vai tomar conta do entorno do Maraca? Um prédio que foi o Museu do Índio, que tem a história ligada ao glorioso Marechal Rondon e que hoje se chama Aldeia Maracanã não pode ser posto abaixo. Ou será que já devo escrever “não poderia ter sido posto abaixo”?
Meus amigos de São Paulo lutam pela dignidade das vítimas de chacinas e de casos de “resistência seguida de morte”. Essas vítimas são, em sua grande maioria, jovens pretos. Em sua totalidade, pobres. Quando e como virá a segunda abolição? Minha amada Regina Casé diz que, se perguntada por sua definição política, responderia: “Sou abolicionista.”
Houve um esboço de planejamento federal da segurança pública no primeiro governo Lula. Luiz Eduardo Soares era uma espécie de quase-ministro. Mas jogaram-no fora. No Rio, meu amigo Marcelo Freixo (essa grande figura pública brasileira) me contou que Beltrame, cuja atuação valoriza o governo Cabral, foi indicação de Lula. Beltrame é um gaúcho cuja passagem pelo Rio não será esquecida. Esperamos que o que há de bom em suas ideias e em seu tom possa seguir sendo aproveitado pelo poder que o convidou. Que a vulgaridade não seja mais forte do que a inspiração que, segundo minha fofoca de alto nível, veio de Lula em pessoa.
Em São Paulo não há nada semelhante. E todo o avanço de superação dos índices de criminalidade é negado pelo que parece uma falência da política de segurança do governo tucano. Bem, os indicadores que davam (dão?) esperança terminam parecendo uma força benéfica misteriosa, atribuível a fatores como envelhecimento da população e outros fatos estatísticos, levando-nos a descartar quaisquer méritos do trabalho do estado. Pessoalmente não creio na nulidade da atuação governamental, mas os últimos acontecimentos (depois do longo histórico que vem de Carandiru e passa pelas chacinas de 2006) induzem a ver o papel do governo paulista apequenado. Refém de uma guerra fora da lei entre a polícia e uma organização criminosa. A voz de Mano Brown e dos Racionais (liderando um mundo de rappers) esteve sempre — e está — levantada contra a brutalidade. Que os governos estadual e federal afinem com o que há de sábio nessa voz.
Foi Regina Casé (olhe ela outra vez aí) quem me mostrou. O leitor pode encontrar no YouTube se escrever “O redemoinho (SWIRL)”. É um dos mais belos filmes brasileiros recentes. Tem o que há de forte em “Avenida Brasil” e em “O som ao redor”. É apenas um vídeo amador familiar que, sendo ele mesmo um milagre, versa sobre uma situação milagrosa. Uma família goiana faz um piquenique no que parece ser uma praia lacustre (ou será um trecho represado de rio?). (O rapaz que filma e comenta pronuncia a palavra “tornadinho” de modo reconhecivelmente mineiríssimo, mas, para efeitos de sotaque, Goiás é o grande Minas, além de, como Guimarães Rosa, o rapaz usar também a forma “redemunho”.) Ele acaba de perder um redemoinho que diz ter tentado filmar. Outro se inicia. Ele tenta acompanhá-lo com a câmera. O que se segue é sempre de grande beleza — e representatividade dos movimentos que se passam na sociedade brasileira. O grupo (com a mãe evangélica de short curtíssimo, do qual se desculpa mas termina argumentando que Deus nos criou nus; o primo que não é “politicamente correto” por não aderir à ideia de que “todo mundo é bonito” e mostrar uma garrafa de cerveja; a namorada, bonita, que comenta, com um misto de pudor e malícia, que há belezas “diferentes”; a criança obesa) é muito típico: numa obra de ficção teria sido um grande conseguimento armar um quadro tão representativo e manter tão alto nível de naturalismo e encanto visual. O zoom no cavalo branco no momento em que a mãe cita o pacto entre Deus e Noé é de arrepiar. Nem vou falar mais. É melhor ver. Dura apenas seis minutos. Já vi inúmeras vezes. Muita gente viu (quase 900 mil pessoas). Certamente o apelo religioso congregou a maior parte desssa plateia. Mas suponho que, como Regina e eu, muitos foram dar uma olhada meramente curiosa e se maravilharam.
Uma gata chamada Gatinha - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 20/01
Quando acordo no meio da noite, sinto aquela presença estranha e logo sei que a folgada ali se instalou
Eu tinha um gato que se chamava Gatinho, nome esse que lhe foi dado por meu filho Marcos. É que ninguém sabia que nome pôr no pequenino siamês, que acabáramos de comprar. Gatinho viveu 16 anos e, quando morreu, sofri tanto que decidi nunca mais criar gato nenhum.
E mantive essa decisão até que, um dia, minha amiga Adriana Calcanhoto surpreendeu-me, trazendo, de presente, uma gatinha siamesa, que logo se meteu debaixo do sofá da sala. Foi um custo tirá-la de lá.
Mas esse foi só primeiro problema que sua vinda para minha casa me criou. Logo surgiu outro: ela só comia ração, e uma única e determinada ração. Era uma gatinha moderna, nascida e criada num pet shop.
Adriana a trouxe com um pacote de ração, que acabou. Fui comprar outro e, como não tinha igual, comprei uma ração de outro tipo qualquer, que a gatinha rejeitou, de imediato. Cheirou e foi embora.
Saí em busca da ração igual a que ela costumava comer, mas não achei. Ela ficou dias de jejum e eu entrei em pânico. Telefonei para Adriana, que logo providenciou a entrega em minha casa da única ração que a gatinha comia e que não se achava em parte alguma.
A solução era, portanto, acostumá-la a comer outra ração, mais fácil de encontrar no meu bairro. O cara me explicou: você começa misturando a ração que ela come, com qualquer outra que você comprar. Assim fiz e deu certo. Um sossego. Faz dois anos que a gatinha come a nova ração que compro numa loja aqui perto de casa.
Fora isso, essa gatinha é um barato. Se é verdade que ela não é nada sociável, em mim ela confia cegamente e se derrete em meiguices. É certo que passa boa parte do dia escondida, mas, quando aparece, atira-se no chão e entrega a barriguinha para eu a acariciar.
O Gatinho não era assim, certamente por ser macho. Era carinhoso, como todo siamês, mas não se entregava dessa maneira aos meus afagos. Era coisa de amigos, de homem para homem. Já Gatinha (esse é o nome que pus nela), não, quer mais é carinho mesmo.
Gatinha dorme comigo na minha cama, e com uma particularidade: deixa que eu me ajeite e vai se colocar exatamente entre as minhas pernas, bem aconchegada. Quando acordo no meio da noite, sinto aquela presença estranha e logo sei que a folgada ali se instalou. Isso quando faz frio; quando faz calor, ela prefere a ponta do colchão, que é mais fresco.
Mas isso é comigo, só comigo e mais ninguém. Se estamos os dois na sala -eu na minha poltrona predileta, ela a meu lado, e soa a campainha do porteiro elétrico, ela salta da poltrona e dispara pelo corredor. Some de vez. Só aparece muito tempo depois que o intruso foi embora: aparece na porta do corredor, espiando e farejando o tempo todo para se certificar de que não há mais risco nenhum.
Até aí, tudo bem, cada doidinha com a sua mania. O que não me agrada é outra mania sua: a de urinar no tapete da sala. Primeiro, mijou numa das poltronas, tivemos que retirar as almofadas e lavá-las. Para evitar novos problemas, cobri a poltrona com um plástico. Aí, ela mijou no tapete. Lavamos o tapete e o cobrimos com plástico também; pois ela, todos os dias, acorda vai até a sala e urina no plástico. Antes assim, porque o plástico é facilmente lavável e não guarda cheiro.
No princípio, eu ficava furioso e ralhava com ela, que não estava nem aí para minhas ameaças. E voltava a urinar ali mesmo. Conformei-me, a Maria limpa; se ela não estiver, limpo eu. Virou rotina.
"Pior é minha gata", diz Maria, "que mija nos sapatos das visitas". De qualquer modo, apesar de tudo, acho melhor ter um gato (ou gata) do que não ter.
Mas isso não me livra de, a cada momento, me defrontar com novas e difíceis situações. Neste fim de semana, fui comprar a ração da Gatinha e soube que o fabricante deixara de fornecê-la. Fiquei preocupado.
"Faz 20 dias que ele não nos envia essa ração." Saí à procura em outras lojas do bairro, mas de nada adiantou: o fornecedor parara de fornecer. Liguei para meu neto, que mora no Humaitá e pedi a ele que a procurasse nas lojas de lá. Em vão. Comprei então uma ração parecida com a dela e pus em seu prato. Vamos ver se ela come.
Quando acordo no meio da noite, sinto aquela presença estranha e logo sei que a folgada ali se instalou
Eu tinha um gato que se chamava Gatinho, nome esse que lhe foi dado por meu filho Marcos. É que ninguém sabia que nome pôr no pequenino siamês, que acabáramos de comprar. Gatinho viveu 16 anos e, quando morreu, sofri tanto que decidi nunca mais criar gato nenhum.
E mantive essa decisão até que, um dia, minha amiga Adriana Calcanhoto surpreendeu-me, trazendo, de presente, uma gatinha siamesa, que logo se meteu debaixo do sofá da sala. Foi um custo tirá-la de lá.
Mas esse foi só primeiro problema que sua vinda para minha casa me criou. Logo surgiu outro: ela só comia ração, e uma única e determinada ração. Era uma gatinha moderna, nascida e criada num pet shop.
Adriana a trouxe com um pacote de ração, que acabou. Fui comprar outro e, como não tinha igual, comprei uma ração de outro tipo qualquer, que a gatinha rejeitou, de imediato. Cheirou e foi embora.
Saí em busca da ração igual a que ela costumava comer, mas não achei. Ela ficou dias de jejum e eu entrei em pânico. Telefonei para Adriana, que logo providenciou a entrega em minha casa da única ração que a gatinha comia e que não se achava em parte alguma.
A solução era, portanto, acostumá-la a comer outra ração, mais fácil de encontrar no meu bairro. O cara me explicou: você começa misturando a ração que ela come, com qualquer outra que você comprar. Assim fiz e deu certo. Um sossego. Faz dois anos que a gatinha come a nova ração que compro numa loja aqui perto de casa.
Fora isso, essa gatinha é um barato. Se é verdade que ela não é nada sociável, em mim ela confia cegamente e se derrete em meiguices. É certo que passa boa parte do dia escondida, mas, quando aparece, atira-se no chão e entrega a barriguinha para eu a acariciar.
O Gatinho não era assim, certamente por ser macho. Era carinhoso, como todo siamês, mas não se entregava dessa maneira aos meus afagos. Era coisa de amigos, de homem para homem. Já Gatinha (esse é o nome que pus nela), não, quer mais é carinho mesmo.
Gatinha dorme comigo na minha cama, e com uma particularidade: deixa que eu me ajeite e vai se colocar exatamente entre as minhas pernas, bem aconchegada. Quando acordo no meio da noite, sinto aquela presença estranha e logo sei que a folgada ali se instalou. Isso quando faz frio; quando faz calor, ela prefere a ponta do colchão, que é mais fresco.
Mas isso é comigo, só comigo e mais ninguém. Se estamos os dois na sala -eu na minha poltrona predileta, ela a meu lado, e soa a campainha do porteiro elétrico, ela salta da poltrona e dispara pelo corredor. Some de vez. Só aparece muito tempo depois que o intruso foi embora: aparece na porta do corredor, espiando e farejando o tempo todo para se certificar de que não há mais risco nenhum.
Até aí, tudo bem, cada doidinha com a sua mania. O que não me agrada é outra mania sua: a de urinar no tapete da sala. Primeiro, mijou numa das poltronas, tivemos que retirar as almofadas e lavá-las. Para evitar novos problemas, cobri a poltrona com um plástico. Aí, ela mijou no tapete. Lavamos o tapete e o cobrimos com plástico também; pois ela, todos os dias, acorda vai até a sala e urina no plástico. Antes assim, porque o plástico é facilmente lavável e não guarda cheiro.
No princípio, eu ficava furioso e ralhava com ela, que não estava nem aí para minhas ameaças. E voltava a urinar ali mesmo. Conformei-me, a Maria limpa; se ela não estiver, limpo eu. Virou rotina.
"Pior é minha gata", diz Maria, "que mija nos sapatos das visitas". De qualquer modo, apesar de tudo, acho melhor ter um gato (ou gata) do que não ter.
Mas isso não me livra de, a cada momento, me defrontar com novas e difíceis situações. Neste fim de semana, fui comprar a ração da Gatinha e soube que o fabricante deixara de fornecê-la. Fiquei preocupado.
"Faz 20 dias que ele não nos envia essa ração." Saí à procura em outras lojas do bairro, mas de nada adiantou: o fornecedor parara de fornecer. Liguei para meu neto, que mora no Humaitá e pedi a ele que a procurasse nas lojas de lá. Em vão. Comprei então uma ração parecida com a dela e pus em seu prato. Vamos ver se ela come.
O injustiçado? - ARTUR XEXÉO
O GLOBO - 20/01
Quando saiu a lista de indicados para o Oscar deste ano, uma ausência chamou a atenção. Fora das categorias de ator e diretor, embora sua obra, “Argo” tenha ficado entre os nove candidatos a melhor filme do ano, Ben Affleck foi considerado o injustiçado da temporada. Poucos dias depois, quando “Argo” e Affleck receberam os Globos de Ouro nas mesmas categorias a que não concorrem no Oscar, a injustiça pareceu mais evidente. Mas será que o filme, seu diretor e seu protagonista estão mesmo com essa bola toda?
A primeira decepção em “Argo” é o desempenho de Affleck como ator. Bem, um mau desempenho de Affleck não chega a ser uma decepção. Afinal, o que se espera dele? Mas já que falavam em Oscar... Na pele do agente da CIA Tony Mendez, o ator é tão expressivo quanto uma samambaia. Podemos atribuir 50% desta expressividade à opção de Affleck por uma determinada linha de atuação. O agente de Ben Affleck é cool, não demonstra emoções, não sorri. Mas os outros 50% são de responsabilidade do talento inato do ator.
Quanto à direção... bem, Aflleck é aplicado. Buscou uma textura e movimentos de câmera que lembram os filmes do fim da década de 70, época em que seu drama político é ambientado. Mas “Argo” não vai muito além disso. Um filme aplicado. No fundo, uma história que aparentemente nasceu para ser transformada em cinema não era tão cinematográfica assim. Como, a esta altura do campeonato, todo mundo já sabe, “Argo” relata o trabalho da CIA para tirar do Irã seis funcionários da embaixada americana que tinha sido invadida por estudantes e militantes políticos durante a Revolução dos Aiatolás. Mais de 60 americanos ficaram reféns por mais de um ano dos ocupantes da embaixada. Os seis cidadãos em questão conseguiram fugir e estavam escondidos na embaixada canadense.
Para entrar no Irã, Mendez simula ser um produtor canadense que está à procura de locações para um filme de ficção científica. A ideia é sair do país com os seis foragidos, que fingiriam fazer parte da equipe de filmagem. A história é verdadeira. Mas o inusitado da situação não rendeu muito. Na verdade, para sair do país com o grupo, Tony Mendez precisou apenas de passaportes falsos. O fato de eles fingirem ser um grupo ligado à cinema não alterou muito a situação. No filme, a farsa cria situações de tensão. Um exemplo é a visita mal-sucedida que o grupo faz ao Grande Bazar de Teerã. No entanto, ela não aconteceu na vida real. Também os momentos de aflição vividos no aeroporto, quando a reserva de passagens só é confirmada no último minuto e a polícia de imigração dá uma dura no grupo, são invenções do roteiro. “Argo” só funciona por ser baseado na vida real, mas, quando se descobre que muitas das suas cenas são obra de ficção, ele perde a graça.
E enquanto os seis americanos eram retirados do país, outros 60 sofriam na embaixada. Muitos atribuem a derrota de Jimmy Carter na eleição em que tentava um segundo mandato à lentidão nas negociações para liberar os reféns. Dizem também que Ronald Reagan batalhou para manter a crise. Uma liberação dos reféns favoreceria a reeleição de Carter. Os reféns foram liberados, enfim, no dia seguinte à posse de Reagan. Sei lá, acho que Bem Affleck acertou a crise mas se enganou de roteiro.
Quando saiu a lista de indicados para o Oscar deste ano, uma ausência chamou a atenção. Fora das categorias de ator e diretor, embora sua obra, “Argo” tenha ficado entre os nove candidatos a melhor filme do ano, Ben Affleck foi considerado o injustiçado da temporada. Poucos dias depois, quando “Argo” e Affleck receberam os Globos de Ouro nas mesmas categorias a que não concorrem no Oscar, a injustiça pareceu mais evidente. Mas será que o filme, seu diretor e seu protagonista estão mesmo com essa bola toda?
A primeira decepção em “Argo” é o desempenho de Affleck como ator. Bem, um mau desempenho de Affleck não chega a ser uma decepção. Afinal, o que se espera dele? Mas já que falavam em Oscar... Na pele do agente da CIA Tony Mendez, o ator é tão expressivo quanto uma samambaia. Podemos atribuir 50% desta expressividade à opção de Affleck por uma determinada linha de atuação. O agente de Ben Affleck é cool, não demonstra emoções, não sorri. Mas os outros 50% são de responsabilidade do talento inato do ator.
Quanto à direção... bem, Aflleck é aplicado. Buscou uma textura e movimentos de câmera que lembram os filmes do fim da década de 70, época em que seu drama político é ambientado. Mas “Argo” não vai muito além disso. Um filme aplicado. No fundo, uma história que aparentemente nasceu para ser transformada em cinema não era tão cinematográfica assim. Como, a esta altura do campeonato, todo mundo já sabe, “Argo” relata o trabalho da CIA para tirar do Irã seis funcionários da embaixada americana que tinha sido invadida por estudantes e militantes políticos durante a Revolução dos Aiatolás. Mais de 60 americanos ficaram reféns por mais de um ano dos ocupantes da embaixada. Os seis cidadãos em questão conseguiram fugir e estavam escondidos na embaixada canadense.
Para entrar no Irã, Mendez simula ser um produtor canadense que está à procura de locações para um filme de ficção científica. A ideia é sair do país com os seis foragidos, que fingiriam fazer parte da equipe de filmagem. A história é verdadeira. Mas o inusitado da situação não rendeu muito. Na verdade, para sair do país com o grupo, Tony Mendez precisou apenas de passaportes falsos. O fato de eles fingirem ser um grupo ligado à cinema não alterou muito a situação. No filme, a farsa cria situações de tensão. Um exemplo é a visita mal-sucedida que o grupo faz ao Grande Bazar de Teerã. No entanto, ela não aconteceu na vida real. Também os momentos de aflição vividos no aeroporto, quando a reserva de passagens só é confirmada no último minuto e a polícia de imigração dá uma dura no grupo, são invenções do roteiro. “Argo” só funciona por ser baseado na vida real, mas, quando se descobre que muitas das suas cenas são obra de ficção, ele perde a graça.
E enquanto os seis americanos eram retirados do país, outros 60 sofriam na embaixada. Muitos atribuem a derrota de Jimmy Carter na eleição em que tentava um segundo mandato à lentidão nas negociações para liberar os reféns. Dizem também que Ronald Reagan batalhou para manter a crise. Uma liberação dos reféns favoreceria a reeleição de Carter. Os reféns foram liberados, enfim, no dia seguinte à posse de Reagan. Sei lá, acho que Bem Affleck acertou a crise mas se enganou de roteiro.
Ueba! BBBurros é pleonasmo! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 20/01
Novidades: tem biblioteca na casa do "BBB"! Quando vi, quase desmaiei. Deve ser o quarto do castigo!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pra evitar lesões o Pato vai jogar de uniforme de plástico bolha. E em São Paulo chove tanto que não tem mais malabarista de farol, tem aqualouco. Aqualouco de farol!
E em São Paulo chove tanto que já temos um novo transporte: correnteza! "Você vai pro trabalho de que hoje?" "De correnteza." "Mas não vai se molhar?" "Não, eu vou em cima dum saco de lixo."
E o deputado Jean Wyllys afirma que 60% dos deputados contratam prostitutas. E quanto por cento são filhos delas? Rarará!
E sabe qual a diferença entre bunda, glúteos e nádegas? Quem tem bunda é funkeira, na academia é glúteos e na farmácia é nádegas. E no golfe é buraco 19! Rarará!
E janeiro é o mês dos surrealitys shows: "BBB" e "Mulheres Ricas"! Ops, Mulheres Bizarras! O que elas tomam pra ficar tão loucas? Champanhe tarja preta! Champanhe com gardenal! Aliás, essas ricas estão mais pra sidra que pra champanhe.
E porque as mulheres ricas gritam tanto? Se pobre grita, os vizinhos chamam a polícia. "Tá tendo barraco." "Corintiano." E como diz um amigo meu: "Depois de ver essas mulheres ricas, não acho mais a Suzana Vieira estranha". Eu continuo achando! Rarará!
E o Big Bagaça Brasil? Novidades: tem biblioteca na casa do "BBB"! Quando vi, quase desmaiei. Deve ser o quarto do castigo! Por isso que o Bambam saiu! E entrou outro intelectual. Prova da comida, pediram pra ele escrever "cóccix", "exceção" e "varíola". E ele: "COQUIZ, ESCEÇÃO E VARIÚLA"! Rarará!
E o humor negro de direita: a Venezuela é governada por um morto. Cuba, pelo irmão do morto. A Argentina, pela mulher do morto. A Coreia do Norte, pelo filho do morto. O Brasil, pela sucessora de um que se finge de morto. E o Maranhão por um que não morre. Rarará! The Walking Deads!
E corre na internet uma foto com a legenda: primeiro treino do Pato no Timão. Aí você abre e é a foto dum pato enfiando o bico na bolsa duma mulher. Rarará! Sacanagem! Aprendeu rápido. É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é Lúdico! Placa num buteco na praia de Jatobá, Sergipe: "Aviso! Não aceitamos cheques, som de mala e bebidas de fora. NÃO EXISTA". Rarará! Adorei. Trocaram o "não insista" por "não exista". Agora quando alguém vier me encher o saco, eu grito: "NÃO EXISTA"! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Novidades: tem biblioteca na casa do "BBB"! Quando vi, quase desmaiei. Deve ser o quarto do castigo!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pra evitar lesões o Pato vai jogar de uniforme de plástico bolha. E em São Paulo chove tanto que não tem mais malabarista de farol, tem aqualouco. Aqualouco de farol!
E em São Paulo chove tanto que já temos um novo transporte: correnteza! "Você vai pro trabalho de que hoje?" "De correnteza." "Mas não vai se molhar?" "Não, eu vou em cima dum saco de lixo."
E o deputado Jean Wyllys afirma que 60% dos deputados contratam prostitutas. E quanto por cento são filhos delas? Rarará!
E sabe qual a diferença entre bunda, glúteos e nádegas? Quem tem bunda é funkeira, na academia é glúteos e na farmácia é nádegas. E no golfe é buraco 19! Rarará!
E janeiro é o mês dos surrealitys shows: "BBB" e "Mulheres Ricas"! Ops, Mulheres Bizarras! O que elas tomam pra ficar tão loucas? Champanhe tarja preta! Champanhe com gardenal! Aliás, essas ricas estão mais pra sidra que pra champanhe.
E porque as mulheres ricas gritam tanto? Se pobre grita, os vizinhos chamam a polícia. "Tá tendo barraco." "Corintiano." E como diz um amigo meu: "Depois de ver essas mulheres ricas, não acho mais a Suzana Vieira estranha". Eu continuo achando! Rarará!
E o Big Bagaça Brasil? Novidades: tem biblioteca na casa do "BBB"! Quando vi, quase desmaiei. Deve ser o quarto do castigo! Por isso que o Bambam saiu! E entrou outro intelectual. Prova da comida, pediram pra ele escrever "cóccix", "exceção" e "varíola". E ele: "COQUIZ, ESCEÇÃO E VARIÚLA"! Rarará!
E o humor negro de direita: a Venezuela é governada por um morto. Cuba, pelo irmão do morto. A Argentina, pela mulher do morto. A Coreia do Norte, pelo filho do morto. O Brasil, pela sucessora de um que se finge de morto. E o Maranhão por um que não morre. Rarará! The Walking Deads!
E corre na internet uma foto com a legenda: primeiro treino do Pato no Timão. Aí você abre e é a foto dum pato enfiando o bico na bolsa duma mulher. Rarará! Sacanagem! Aprendeu rápido. É mole? É mole, mas sobe!
O Brasil é Lúdico! Placa num buteco na praia de Jatobá, Sergipe: "Aviso! Não aceitamos cheques, som de mala e bebidas de fora. NÃO EXISTA". Rarará! Adorei. Trocaram o "não insista" por "não exista". Agora quando alguém vier me encher o saco, eu grito: "NÃO EXISTA"! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Belorizontices - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 20/01
Não é o caso de contar de novo a história do médico que "transformava" mulher em homem, nem a do governador que mandou tapar com uma bandeira tremulante o brônzeo pingolim de uma estátua. Em matéria de histórias gozadas e/ou bizarras, a capital mineira é, como se lê à página 119 de meu O Pai dos burros - Dicionário de lugares-comuns e frases feitas, "um manancial inesgotável". Duvida?
O pintor Renato Augusto de Lima era do tempo - anos 50, 40, daí para baixo - em que para os belo-horizontinos, dizia, fazer turismo era alugar pé de jabuticaba na vizinha Sabará. Aos poucos, um mundo além-Sabará se foi abrindo para a mineirada itinerante. Quem não tivesse caixa podia se inteirar do vaivém da grã-finagem municipal na leitura de Wilson Frade e Eduardo Couri, os colunistas mais prestigiosos da imprensa local. Fulaninha está em Roma. Sicrano, de malas prontas para um séjour em Paris. Beltrano & Sra. regressaram de Lisboa.
- Gente - não se conteve um dia o pintor -, deve estar dando jabuticaba na Europa!
(Se você leu o romance O Encontro marcado, de Fernando Sabino, saiba que lá está um pouco de Renato Augusto de Lima, "pequeno e de cavanhaque", inspirador do delegado de polícia que volta e meia mandava prender na madrugada belo-horizontina três jovens arruaceiros, talentosos aspirantes à literatura com os quais costumava tomar um trago nos finais de tarde - Mauro, Hugo e Eduardo, calcados em Hélio Pellegrino, em Otto Lara Resende e no próprio Sabino. Mandava prender - e depois se pegava com os rapazes em altercações literárias através das grades, não fosse ele, na vida real, filho de poeta, o parnasiano Augusto de Lima: "Superado, o parnasianismo? Ora, vamos deixar de bobagens, meninos! Depois de Bilac o que foi que houve no Brasil, hein?" Vingança dos moleques: trancar o portão da casa do delegado com "um rosário de cadeados". "Vocês ainda se estrepam comigo", advertia o doce Renato logo mais, no botequim.)
Esta aqui quem conta é Sônia Lins em Baticum, livro que, como as Memórias de um delegado de polícia de Renato Augusto de Lima, merece mais leitores. Sônia - aliás, irmã da artista plástica Lygia Clark - reuniu lembranças e casos de Belo Horizonte, muitos deles deliciosos. A história, por exemplo, do cidadão que se rebelou quando a prefeitura, tendo decidido pôr ordem no pavimento das calçadas, criou mais um imposto. Não foi o único a protestar. Centenas o fizeram, mas ao cabo de alguma grita todos se curvaram ao rigor do fisco. Todos, menos nosso personagem, que, mesmo derrotado na Justiça, não entregou os pontos: "Jurou aos vizinhos", conta Sônia Lins, "jamais colocar os sapatos em cima do passeio defronte a sua casa". Mas como entrar e sair da toca? Problema nenhum, disse o homem - e arranjou uma tábua, improvisada pinguela que lhe permitia transitar entre o lar e o mundo sem pisotear o próprio orgulho. Depois que saía, um dos filhos recolhia a tábua. Na volta, punha-se ele a berrar até que alguém lhe lançasse a ponte. Sônia Lins não informa se, morto o cidadão, também a família levou às últimas o juramento do falecido, instalando a pinguela para a derradeira travessia.
(Como em Minas uma boa história nunca vem sozinha, também aqui façamos um adendo. O pai de Sônia, Dr. Jair Lins, advogado famoso, foi certa vez chamado para defender Olimpia Vasquez García, espanhola que vinha a ser a cafetina-mor da capital mineira - uma "grande belorizontal", qualificou-a Pedro Nava, "temida pela valentia, pela impunidade e pelas misteriosas proteções de que dispunha". Não se fica sabendo o que aprontou daquela vez a Olimpia, que em seu cabaré - é ainda Nava quem relata - usava como arma um pé de meia recheado com bolas de bilhar. Seja lá o que tenha feito, escapou do xilindró - e, reconhecida, ofertou ao defensor duas beldades do seu plantel. Dr. Jair declinou, esclarecendo que estava bem servido em casa. A cafetina então sacou, em vez de duas moças, dois mutuns - apetitosos galinhões que o doutor não viu razão para enjeitar.)
Frustração - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 20/01
A história resumida: uma amiga estava há dois meses saindo com um homem bacana. Ele, perdulário em declarações de amor, a convidou para ir a Paris. Ulalá. Ela vibrou. Dez dias antes do embarque, ele mandou um e-mail dizendo que havia voltado para a ex-mulher.Sacanagem, pensamos. Mas sacanagem talvez seja um diagnóstico simplista.
Ele estava tentando dar um novo rumo à sua vida, porém não contava com o assédio da ex-esposa, seu verdadeiro grande amor. Fez sua opção, e quem morreu um pouco foi minha amiga. Alguém sempre paga o pato. O assunto de hoje é uma velha conhecida de todos nós: a frustração. Jogue a primeira pedra quem já não caiu do cavalo (foi frustrado) ou roeu a
corda (frustrou alguém). Somos todos experts em sonhos desfeitos.
Existe coisa pior na vida, claro que existe, mas considero a frustração uma das sensações mais indigestas. O emprego é seu! Chegando ao escritório para entregar seus documentos, descobre que o posto já foi preenchido. Você quase passou no vestibular! Por uma vaga, umazinha só, ficou de fora do listão. A bolsa para estudar na Inglaterra saiu!
Pena que o governo decretou um depósito compulsório de última hora e você não tem como pagá-lo. A garota que você está a fim chamou para a festa! Chegando lá, encontra a bisca agarrada no seu melhor amigo. Me veio à cabeça mais uns 456 exemplos de frustrações, algumas baseadas em experiências pessoais. Mas você tem sua própria lista para recordar, não serei tão cruel. O fato é: durma-se com esse embrulho no estômago.
É sabido que uma das regras de bem educar uma criança é ensiná-la a lidar com frustrações. Seu bebê amado não será alto o suficiente para ser um campeão de basquete, nem sua lindinha terá as melenas loiras necessárias para ser a princesa do teatrinho da escola. Ou você mente e desvirtua a situação para aplacar a dor dos seus rebentos, ou permite que eles enfrentem essa dolorosa seleção natural e explica: não é isso que mede a importância de alguém.
Papai e mamãe te amam de qualquer jeito. Grande prêmio de consolação, pensam os baixotes.Porém, baixotes, é isso mesmo. “Papai e mamãe te amam” é tudo o que vocês precisam saber para se lixar para as coisas que não dão certo. E acreditem: um bilhão de coisas não darão certo, dos cinco aos 105 anos.
Só tendo sido suficientemente amado e protegido dentro do lar para entender que o que não deu certo é uma contingência da vida e que, dependendo do nosso grau de autoconfiança, poderá causar apenas cinco dias de mau humor em vez de uma dor existencial infinita.
Acredite: os cinco dias de frustração não farão mal nenhum a seu crescimento, pelo contrário, será parte fundamental dele. A dor existencial é que nos engessa e paralisa para sempre. Lido razoavelmente bem com frustrações.
Sofro os cinco dias protocolares, e depois retiro delas alguma lição que me torne mais aderente a decepções futuras – ambiciono chegar ao dia em que a frustração não doerá nem mais cinco minutos. Conseguirei?
Na verdade, não pretendo colecionar frustrações para quebrar meu recorde de resistência. Se pudesse, não sofreria mais nenhuma. Mas isso equivaleria a não estar mais disposta a viver. Então, que venham as danadas. Uma de cada vez, que sou forte, mas não sou duas.
A história resumida: uma amiga estava há dois meses saindo com um homem bacana. Ele, perdulário em declarações de amor, a convidou para ir a Paris. Ulalá. Ela vibrou. Dez dias antes do embarque, ele mandou um e-mail dizendo que havia voltado para a ex-mulher.Sacanagem, pensamos. Mas sacanagem talvez seja um diagnóstico simplista.
Ele estava tentando dar um novo rumo à sua vida, porém não contava com o assédio da ex-esposa, seu verdadeiro grande amor. Fez sua opção, e quem morreu um pouco foi minha amiga. Alguém sempre paga o pato. O assunto de hoje é uma velha conhecida de todos nós: a frustração. Jogue a primeira pedra quem já não caiu do cavalo (foi frustrado) ou roeu a
corda (frustrou alguém). Somos todos experts em sonhos desfeitos.
Existe coisa pior na vida, claro que existe, mas considero a frustração uma das sensações mais indigestas. O emprego é seu! Chegando ao escritório para entregar seus documentos, descobre que o posto já foi preenchido. Você quase passou no vestibular! Por uma vaga, umazinha só, ficou de fora do listão. A bolsa para estudar na Inglaterra saiu!
Pena que o governo decretou um depósito compulsório de última hora e você não tem como pagá-lo. A garota que você está a fim chamou para a festa! Chegando lá, encontra a bisca agarrada no seu melhor amigo. Me veio à cabeça mais uns 456 exemplos de frustrações, algumas baseadas em experiências pessoais. Mas você tem sua própria lista para recordar, não serei tão cruel. O fato é: durma-se com esse embrulho no estômago.
É sabido que uma das regras de bem educar uma criança é ensiná-la a lidar com frustrações. Seu bebê amado não será alto o suficiente para ser um campeão de basquete, nem sua lindinha terá as melenas loiras necessárias para ser a princesa do teatrinho da escola. Ou você mente e desvirtua a situação para aplacar a dor dos seus rebentos, ou permite que eles enfrentem essa dolorosa seleção natural e explica: não é isso que mede a importância de alguém.
Papai e mamãe te amam de qualquer jeito. Grande prêmio de consolação, pensam os baixotes.Porém, baixotes, é isso mesmo. “Papai e mamãe te amam” é tudo o que vocês precisam saber para se lixar para as coisas que não dão certo. E acreditem: um bilhão de coisas não darão certo, dos cinco aos 105 anos.
Só tendo sido suficientemente amado e protegido dentro do lar para entender que o que não deu certo é uma contingência da vida e que, dependendo do nosso grau de autoconfiança, poderá causar apenas cinco dias de mau humor em vez de uma dor existencial infinita.
Acredite: os cinco dias de frustração não farão mal nenhum a seu crescimento, pelo contrário, será parte fundamental dele. A dor existencial é que nos engessa e paralisa para sempre. Lido razoavelmente bem com frustrações.
Sofro os cinco dias protocolares, e depois retiro delas alguma lição que me torne mais aderente a decepções futuras – ambiciono chegar ao dia em que a frustração não doerá nem mais cinco minutos. Conseguirei?
Na verdade, não pretendo colecionar frustrações para quebrar meu recorde de resistência. Se pudesse, não sofreria mais nenhuma. Mas isso equivaleria a não estar mais disposta a viver. Então, que venham as danadas. Uma de cada vez, que sou forte, mas não sou duas.
Tiquinho - LUIS FERNANDO VERISSIMO
O Estado de S.Paulo - 20/01
A turma se reunia todo fim de tarde no mesmo bar, na mesma mesa. O número variava entre os mais e os menos assíduos. Um que nunca falhava era o Tiquinho, que tinha este apelido porque era pequeno e magro e sempre que pedia alguma coisa para acompanhar o chope, pedia "um tiquinho". O Tiquinho chegava sempre cedo no bar - "Para garantir a mesa", explicava - e ficava esperando os outros. Além de ser uma espécie de gerente da mesa ("Senta ali que aí tem uma corrente de ar", "garçom, este lado tá sem chope", etc.) e mantê-la bem abastecida de "tiquinhos", o Tiquinho sabia tudo sobre a vida de todos. Ele quase não falava, mas quando queriam notícia de alguém era só perguntar pro Tiquinho.
- Que fim levou o Almiro, que não aparece mais?
- Foi transferido para Santa Catarina.
- E foi sem se despedir?.
- Ele diz que não aguenta lá por muito tempo. Vão morar com a família dela...
0 0 0
A ausência surpreendente de um assíduo? Tiquinho explicava.
- A mulher está tendo uma gravidez difícil. Ele não sai do lado dela.
- Pô. Nem prum chopinho com a turma?
- A mulher não deixa. Ainda mais depois daquela história dele com a Eneida.
- Que história?
E o Tiquinho contava a história com a Eneida, em detalhes.
Um dia, aconteceu. O próprio Tiquinho não apareceu no bar. Um dia, podia ser gripe. Dois dias, gripe forte. Três dias... já era de preocupar. O que teria havido com o Tiquinho? E como o Tiquinho não estava ali, não tinha ninguém para responder.
- Alguém deveria ir na casa dele ver o que houve.
Mas ninguém sabia o endereço do Tiquinho.
- Pensando bem, eu nem sei o nome dele.
Ninguém sabia.
Talvez o garçom soubesse alguma coisa. Ou o dono do bar.
Ninguém sabia.
Alguém teve a ideia de procurarem nos anúncios fúnebres. Às vezes, nos convites para missas do sétimo dia, aparecia o nome do morto e, embaixo seu apelido. Nono, Dudu, Vô Dadá, Batata, Tio Bituta, Gordo... Apareceu um Tico. Seria ele? Odorico Grobb Ferraz (Tico). Quem fazia o convite era uma sra. Dolores Nonoai Ferraz e filhos. Decidiram ir à missa para ver se a viúva e os filhos combinavam com o Tiquinho. Negativo. Eram todos robustos, nada a ver com o Tiquinho que conheciam. O grupo já estava saindo da igreja, decepcionado, quando ouviu um psst. Era o Tiquinho! Que não esperou as perguntas e já foi logo informando: aquele Tico era um tremendo pilantra que jogara fora todo o dinheiro herdado pela dona Dolores e...
- Mas Tiquinho, por que você sumiu de repente?.
Tiquinho tirou os óculos escuros e mostrou:
- Terçol. Tá quase bom.
As classes sociais - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 20/01
A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele garçom; o que se passa na cabeça dele?
Aí você sai para jantar com amigos e vai a um restaurante bem chique. O maître, que de paletó preto e calça listada parece até um noivo, é cheio de gentilezas; faz maneirismos, propõe pratos interessantíssimos e ainda diz que o chef pode fazer qualquer coisa que você invente, só para te dar prazer. Por outro lado, os garçons não deixam seu copo ficar vazio um só instante, e ficam de olho para ver se o pão acabou, se o guardanapo caiu no chão, tudo para seu conforto e felicidade.
Aí, uma noite você volta ao mesmo restaurante e, como o clima está bom, a bebida descendo bem e todos alegres, a noite vai passando, as outras mesas vão indo embora, menos a sua, que vai ficando, ficando, até ser a única que sobrou.
Lá pelas tantas os funcionários começam a ir embora; um dos maîtres, daqueles tão elegantes, sai vestindo uma camisa de algodão feia e de má qualidade, com uma capanga debaixo do braço. Aos poucos vão saindo os garçons; a maioria usa camiseta com uma estampa, algumas do seu time do coração, todos loucos para chegar em casa e poder descansar. Aí então você tem uma súbita percepção da realidade, pensa que passou a noite num teatro, e mais: fazendo parte do espetáculo.
Aqueles funcionários tão educados e de tão boas maneiras são pessoas que passam parte da vida representando, e depois de lidar com as comidas e bebidas mais caras, quando terminam o trabalho vão esperar o ônibus para voltar para casa, uma casa modesta onde alguém está esperando: a mãe, uma namorada, ou mulher e filhos já dormindo, já que não puderam sair mais cedo porque seu grupo ficou dando risada e dizendo bobagem.
É curioso que esses garçons, que te tratam tão bem, não se despedem quando estão indo embora. Na hora da volta à realidade, quando o espetáculo termina -já na vida real, portanto-, garçons não falam com clientes. Já pensou encontrar na praia, que é o lugar mais democrático que existe, aquele que é tão solícito e simpático, vocês dois de calção? Vão sorrir um para o outro da mesma maneira? Provavelmente não vão nem se reconhecer.
Você bebe seu penúltimo drinque pensando nessas loucuras da vida. A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele garçom; o que se passa na cabeça dele? Será que fica feliz porque tem gente consumindo, o que é a segurança do seu emprego, ou enquanto serve e é gentil pensa no preço do vinho italiano e tem vontade de quebrar a garrafa -cheia- na cabeça do cliente que já pediu mais uma? Não necessariamente para matar, só para fazer aquele estrago, e exatamente na cabeça daquele que dá as maiores gorjetas. E alguém tem o direito de dar uma gorjeta, alta ou baixa, só porque quer? Porque pode? É muita humilhação.
Mas não faz nada; dentro de sua relativa ignorância -ou sabedoria-, sabe que pegaria vários anos de cadeia se fizesse o que está com vontade de fazer, e sabe também que ninguém entenderia. Afinal, sempre foi considerado um funcionário exemplar.
Ela vê tudo isso como se fosse um filme; toma mais um drinque, o último, dá várias risadas, as últimas, e vai para casa pensando se não seria mais feliz se não pensasse em tanta bobagem.
Tanta bobagem?
A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele garçom; o que se passa na cabeça dele?
Aí você sai para jantar com amigos e vai a um restaurante bem chique. O maître, que de paletó preto e calça listada parece até um noivo, é cheio de gentilezas; faz maneirismos, propõe pratos interessantíssimos e ainda diz que o chef pode fazer qualquer coisa que você invente, só para te dar prazer. Por outro lado, os garçons não deixam seu copo ficar vazio um só instante, e ficam de olho para ver se o pão acabou, se o guardanapo caiu no chão, tudo para seu conforto e felicidade.
Aí, uma noite você volta ao mesmo restaurante e, como o clima está bom, a bebida descendo bem e todos alegres, a noite vai passando, as outras mesas vão indo embora, menos a sua, que vai ficando, ficando, até ser a única que sobrou.
Lá pelas tantas os funcionários começam a ir embora; um dos maîtres, daqueles tão elegantes, sai vestindo uma camisa de algodão feia e de má qualidade, com uma capanga debaixo do braço. Aos poucos vão saindo os garçons; a maioria usa camiseta com uma estampa, algumas do seu time do coração, todos loucos para chegar em casa e poder descansar. Aí então você tem uma súbita percepção da realidade, pensa que passou a noite num teatro, e mais: fazendo parte do espetáculo.
Aqueles funcionários tão educados e de tão boas maneiras são pessoas que passam parte da vida representando, e depois de lidar com as comidas e bebidas mais caras, quando terminam o trabalho vão esperar o ônibus para voltar para casa, uma casa modesta onde alguém está esperando: a mãe, uma namorada, ou mulher e filhos já dormindo, já que não puderam sair mais cedo porque seu grupo ficou dando risada e dizendo bobagem.
É curioso que esses garçons, que te tratam tão bem, não se despedem quando estão indo embora. Na hora da volta à realidade, quando o espetáculo termina -já na vida real, portanto-, garçons não falam com clientes. Já pensou encontrar na praia, que é o lugar mais democrático que existe, aquele que é tão solícito e simpático, vocês dois de calção? Vão sorrir um para o outro da mesma maneira? Provavelmente não vão nem se reconhecer.
Você bebe seu penúltimo drinque pensando nessas loucuras da vida. A conta de uma das mesas resolveria o problema de fim de mês daquele garçom; o que se passa na cabeça dele? Será que fica feliz porque tem gente consumindo, o que é a segurança do seu emprego, ou enquanto serve e é gentil pensa no preço do vinho italiano e tem vontade de quebrar a garrafa -cheia- na cabeça do cliente que já pediu mais uma? Não necessariamente para matar, só para fazer aquele estrago, e exatamente na cabeça daquele que dá as maiores gorjetas. E alguém tem o direito de dar uma gorjeta, alta ou baixa, só porque quer? Porque pode? É muita humilhação.
Mas não faz nada; dentro de sua relativa ignorância -ou sabedoria-, sabe que pegaria vários anos de cadeia se fizesse o que está com vontade de fazer, e sabe também que ninguém entenderia. Afinal, sempre foi considerado um funcionário exemplar.
Ela vê tudo isso como se fosse um filme; toma mais um drinque, o último, dá várias risadas, as últimas, e vai para casa pensando se não seria mais feliz se não pensasse em tanta bobagem.
Tanta bobagem?
Em defesa da Petrobrás e do pré-sal - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 20/01
A produção de petróleo está estagnada em 2 milhões de barris/dia desde 2010; em campos maduros da Bacia de Campos, de 2011 a 2012 a produção chegou a cair 40% e, com isso, a Petrobrás é obrigada a importar volumes crescentes de combustíveis; para aliviar a importação, o governo aumentará de 20% para 25% a mistura de álcool à gasolina; há quatro anos não há um só leilão de licitação de novas áreas para exploração de óleo; na região do pré-sal, onde há volumes gigantes de jazidas inexploradas, a próxima rodada só ocorrerá em novembro; a Agência Nacional do Petróleo (ANP) determinou à Petrobrás novos investimentos e aumento da produção no Campo de Roncador, e fará o mesmo com mais 10 campos na Bacia de Campos; para cumprir investimentos programados, a Petrobrás tem elevado perigosamente seu endividamento; a estatal tem dúvidas se terá suporte financeiro para cumprir o papel de única operadora e detentora de 30% de todos os campos do pré-sal, como manda a lei.
A manchete mais popular relacionada à Petrobrás é o aumento de 7% no preço da gasolina, há nove anos congelado para o consumidor. Mas as notícias acima também têm surgido com frequência e destaque na imprensa, com advertências de especialistas sobre o preocupante futuro da maior empresa brasileira. Os dois governos do PT exigiram da Petrobrás muito mais do que ela pode dar e suportar, comprometendo seu futuro e degradando sua imagem dentro e fora do Brasil. Está mais do que na hora de mudar. Se não mudar, o mais estatizante governo, depois dos militares, arrisca-se a ser acusado, no futuro, exatamente do contrário de suas intenções: inferiorizar e enfraquecer a estatal mais bem-sucedida do País.
O uso político da Petrobrás tem sido vasto e o mais evidente são as nomeações políticas e o sufocante congelamento dos combustíveis. O mais grave, porém - porque tem efeitos deletérios no curto e no longo prazos para a Petrobrás e para o País -, foi a ideológica mudança no modelo de exploração das ricas jazidas do pré-sal, do regime de concessão para o de partilha, que colocou sobre a Petrobrás o peso de ser o único operador e responsável por 30% de todos os investimentos. Foi um erro - hoje reconhecido por quem articulou as novas regras em 2008. Um deles, o ex-diretor-geral da ANP Haroldo Lima, fez sua mea culpa em recente entrevista à revista Piauí: "Se fosse hoje, com o conhecimento que tenho, jamais aprovaria essa cláusula de operador único e do porcentual de 30%. A vida mostrou que, com a dificuldade crescente da Petrobrás, se criou um problema que não havíamos previsto", reconheceu.
Na mesma entrevista, Lima conta que, em 2008, nas reuniões para conceber o modelo, Dilma Rousseff era quem mais insistia na partilha e a única voz discordante era justamente a de José Sergio Gabrielli, na época presidente da Petrobrás, empresa que, aparentemente, mais se beneficiaria com a propriedade de no mínimo 30% de todo o petróleo do pré-sal. Mas as aparências enganam. Gabrielli sabia que a estatal não teria condição financeira de cumprir o que dela era exigido. E não escondia sua preocupação. Em entrevista ao Estadão, em 12/2009, ele alertava: "Hoje a Petrobrás tem um plano de investimentos de US$ 174 bilhões para cinco anos (2009-13), que vai aumentar. Quanto, não sei ainda. Mas com certeza é maior. A companhia não é capaz de gerar caixa livre para fazer esse investimento".
O tempo mostrou que ele estava certo e Dilma, errada. Até porque, a não ser pelo apelo ideológico, era completamente desnecessário migrar para a partilha. É claro que, no regime de concessão, as empresas privadas teriam de remunerar bem mais o Estado, já que o risco de não encontrar óleo quase inexiste. Mas a lei da concessão já contemplava isso, bastava elevar às alturas a taxa de "participação especial" nos campos do pré-sal. Com as vantagens de simplificar (dispensaria aprovar nova lei no Congresso), dar eficácia ao recolhimento do dinheiro, acelerar os investimentos, gerar renda, emprego, progresso e ampliar a produção de petróleo. Ainda há tempo.
Questionando a realidade - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 20/01
Na ciência, um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis
A realidade pode ser mais estranha do que a ficção. Na ciência, os efeitos quânticos, que aparecem quando estudamos objetos muito pequenos, certamente são mais estranhos do que podemos imaginar. Um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis, como o gato de Schrödinger, morto e vivo ao mesmo tempo.
Mas como sabemos que esses efeitos de fato ocorrem? E por que não vemos isso normalmente? Qual a fronteira entre a realidade quântica, com seus efeitos bizarros, e a nossa realidade comum?
Essas respostas só podem ser dadas através de experimentos. Foi assim que ficou determinada a mais estranha das propriedades quânticas, que está por trás de todo esse mistério: a dualidade partícula-onda. Desde os atomistas gregos, costumamos visualizar a matéria como feita de partículas, objetos minúsculos e indivisíveis. O elétron, que gira em torno do núcleo atômico, é um exemplo popular. Mas em 1924, Louis de Broglie propôs algo inusitado: o elétron é também uma onda. E não só ele, como todas as outras partículas; as entidades fundamentais da matéria têm dupla identidade, a dualidade partícula-onda.
O estranho disso é que partículas e ondas têm propriedades muito diferentes: partícula são localizadas, ocupam pouco volume no espaço; ondas se espalham. Em 1927, Clinton Davisson e Lester Germer observaram a difração de elétrons ao passarem por um cristal de níquel, um efeito típico de ondas. A difração ocorre, por exemplo, quando ondas passam por duas fendas. Imagine ondas de água passando por uma barragem com apenas duas portinholas, ou ondas de luz passando por uma parede com duas fendas. Elas interferem e criam um padrão de estrias claras e escuras num anteparo. Se repetíssemos o experimento atirando balas (partículas) através das fendas, elas iriam se amontoar no anteparo bem atrás das fendas: balas não interferem entre si, não sofrem difração.
No experimento de Davisson-Germer, o cristal de níquel fazia o papel da parede com fendas. Em 1989, Akira Tonomura, do Japão, conseguiu fazer o experimento de elétrons passando por fendas. Os resultados foram bizarros. Ele mostrou que um elétron, passando sozinho pelas fendas, interfere com ele mesmo: ou seja, o elétron se comporta como uma onda passando pelas duas fendas ao mesmo tempo!
O que ocorre com "partículas" maiores? Qual o limite de tamanho em que as características de onda são "perdidas"? Devido a incríveis avanços tecnológicos, experimentos de difração foram feitos com nêutrons, átomos, e até moléculas, centenas de vezes maiores do que átomos. Um exemplo é o experimento de Anton Zeilinger e seu grupo da Universidade de Viena, que em 1999 demonstrou a interferência de moléculas com 60 átomos de carbono, as "bolas de Bucky", que parecem bolas de futebol.
Quanto maior o objeto, mais sutil é sua interferência, que fica difícil de demonstrar. Imagine uma bola de futebol fazendo dois gols ao mesmo tempo. Isso ocorre no mundo quântico. A próxima etapa é tentar experimentos com vírus. O que ocorre quando seres (quase) vivos passam por duas fendas ao mesmo tempo? E seres vivos?
Na ciência, um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis
A realidade pode ser mais estranha do que a ficção. Na ciência, os efeitos quânticos, que aparecem quando estudamos objetos muito pequenos, certamente são mais estranhos do que podemos imaginar. Um objeto pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, atravessar obstáculos, ter dois estados incompatíveis, como o gato de Schrödinger, morto e vivo ao mesmo tempo.
Mas como sabemos que esses efeitos de fato ocorrem? E por que não vemos isso normalmente? Qual a fronteira entre a realidade quântica, com seus efeitos bizarros, e a nossa realidade comum?
Essas respostas só podem ser dadas através de experimentos. Foi assim que ficou determinada a mais estranha das propriedades quânticas, que está por trás de todo esse mistério: a dualidade partícula-onda. Desde os atomistas gregos, costumamos visualizar a matéria como feita de partículas, objetos minúsculos e indivisíveis. O elétron, que gira em torno do núcleo atômico, é um exemplo popular. Mas em 1924, Louis de Broglie propôs algo inusitado: o elétron é também uma onda. E não só ele, como todas as outras partículas; as entidades fundamentais da matéria têm dupla identidade, a dualidade partícula-onda.
O estranho disso é que partículas e ondas têm propriedades muito diferentes: partícula são localizadas, ocupam pouco volume no espaço; ondas se espalham. Em 1927, Clinton Davisson e Lester Germer observaram a difração de elétrons ao passarem por um cristal de níquel, um efeito típico de ondas. A difração ocorre, por exemplo, quando ondas passam por duas fendas. Imagine ondas de água passando por uma barragem com apenas duas portinholas, ou ondas de luz passando por uma parede com duas fendas. Elas interferem e criam um padrão de estrias claras e escuras num anteparo. Se repetíssemos o experimento atirando balas (partículas) através das fendas, elas iriam se amontoar no anteparo bem atrás das fendas: balas não interferem entre si, não sofrem difração.
No experimento de Davisson-Germer, o cristal de níquel fazia o papel da parede com fendas. Em 1989, Akira Tonomura, do Japão, conseguiu fazer o experimento de elétrons passando por fendas. Os resultados foram bizarros. Ele mostrou que um elétron, passando sozinho pelas fendas, interfere com ele mesmo: ou seja, o elétron se comporta como uma onda passando pelas duas fendas ao mesmo tempo!
O que ocorre com "partículas" maiores? Qual o limite de tamanho em que as características de onda são "perdidas"? Devido a incríveis avanços tecnológicos, experimentos de difração foram feitos com nêutrons, átomos, e até moléculas, centenas de vezes maiores do que átomos. Um exemplo é o experimento de Anton Zeilinger e seu grupo da Universidade de Viena, que em 1999 demonstrou a interferência de moléculas com 60 átomos de carbono, as "bolas de Bucky", que parecem bolas de futebol.
Quanto maior o objeto, mais sutil é sua interferência, que fica difícil de demonstrar. Imagine uma bola de futebol fazendo dois gols ao mesmo tempo. Isso ocorre no mundo quântico. A próxima etapa é tentar experimentos com vírus. O que ocorre quando seres (quase) vivos passam por duas fendas ao mesmo tempo? E seres vivos?
Campo dá tudo que a indústria precisa - ALBERTO TAMER
O ESTADO DE S. PAULO - 20/01
A agricultura e a pecuária brasileiras produzem a preços e custos menores tudo o que a indústria e os outros setores da economia precisam. Se estendermos para o conceito de commodities,"incluindo O minério usado nas siderúrgicas que produzem aço, a cobertura é praticamente total. Que a agricultura brasileira salvou a economia no ano passado e está salvando este também, não é novidade. Demos na última coluna, com detalhes.
Demos também, não é este fato único, que os agricultores investiram no ano passado e estão reinvestindo este ano, R$ 200 bilhões, nada menos que 22% do PIB total do agronegócios, que foi de R$ 940 bilhões. Pode ser mais porque aumentaram a área plantada e compraram equipamentos. São recursos que eles geraram e trouxeram de volta para o campo."
Graças ao aumento do plantio e, principalmente, agora, ao clima favorável, a atual safra agrícola deve crescer 8,6%, de acordo com previsão da Conab, tendo como base o que já está sendo cultivado e a intenção dos agricultores de plantio. Boa parte da safra já está sendo colhida.
O que não é novidade, mas poucos sabem ou os que sabem, não comentam, é que o setor agrícola brasileiro atende plenamente à demanda industrial por matéria-prima a custo menor e melhor qualidade. Milho, soja, algodão, café, cana, couro. Tudo. Não falta praticamente nada. Isso deveria desonerar a produção industrial que tem seus custos elevados por outros fatores distorcivos, sim, mas sobre os quais poderia, na medida do possível, agir.
Números impressionam. Esse é um ângulo com o qual encerramos o tema iniciado na coluna anterior, agricultura investe R$ 200 bilhões. Para que os leitores tenham a visão de uma realidade escondida no campo, para que não venham a público choramingar e pedir favores, dizendo que "os chineses chegaram, os chineses chegaram... Vamos brigar com eles? Não, vamos comprar deles, montar e vender aqui..." E sem riscos. Eles perdem porque não produzem, mas compensam com o que ganham, com o que vedem no mercado interno.
30 milhões para 194 milhões. São 30 milhões de agricultores no campo que abastecem uma população de quase 194 milhões - e outros milhões que estão entrando no mercado de consumo graças ao aumento da renda. A agricultura atende a tudo que a indústria precisa para produzir, gerou uma renda de R$ 917 bilhões e ainda exportou no ano passado US$ 95,8 bilhões e permitiu a formação de estoques reguladores suficientes para qualquer emergência e sustentação dos preços mínimos.
O que temos aí, em meio a um clima turbulento, incerto, dominado em Brasília por indefinições quase existenciais, não é só uma agricultura alimentando o País, mas oferecendo a muitos setores de atividade, tudo o que precisam. Só que ela cresce porque investe e os outros recuam porque... Ora sabe-se lá porquê! Hesitam?
O que a indústria mais usa. Soja, milho, tudo. A safra brasileira de soja da temporada que está começando a ser colhida deve alcançar um recorde de 84 milhões de toneladas, com o clima favorável ajudando na produtividade das lavouras. E o Brasil vai ocupando rapidamente espaço e liderando cada vez mais setores no mercado mundial, sem limites hoje previsíveis porque há milhares de hectares ainda por ser plantados, espírito empreendedor e apoio não apenas financeiro do governo, do Ministério da Agricultura.
Se tudo isso não é novidade, se a coluna já deu - os 22% de investimento do PIB agrícola impressionaram muito os leitores (e nós também...) -, o que há de novo? Há um fato que muitos ignoram e os que sabem, não comentam: é que agricultura e a pecuária brasileiras produzem tudo que a indústria precisa a custos menores e melhor qualidade. Tudo. Pouquíssimos países, talvez os Estados Unidos, têm condições tão favoráveis.
O algodão autossuficiente. Levantamento do Ministério da Agricultura, nesta semana, dá um destaque especial ao algodão. Ele mostra que "a indústria têxtil brasileira usa por ano, quase um milhão de toneladas da fibra produzida no País". Considerando a safra de 1,8 milhão de toneladas na temporada 2011/12, o excedente é exportado para o mercado internacional colocando o Brasil em terceiro lugar entre os maiores exportadores mundiais. Isso é o Brasil. É autossuficiente na produção de algodão que abastece completamente a importante indústria têxtil nacional.
Carnes, açúcar, milho. Outro setor industrial que tem dependência direta e é atendido pela agropecuária brasileira é o da indústria de carnes com o milho. Em 2012, cerca de 70% das 53 milhões de toneladas do grão consumidas no Brasil foram destinadas à ração animal. Poderíamos alongar a lista de produtos agrícolas que são industrializados: açúcar, cana-de-açúcar, agora como uso do bagaço para geração de energia, álcool...
Máquinas e caminhões. Além do fornecimento de matéria-prima, o setor agropecuário também influencia a indústria com a aquisição de máquinas, equipamentos agrícolas, caminhões, num processo de modernização que ano a ano se acentua, refletindo no aumento da produtividade.
Menos Juros, mais vendas. No ano passado, com os juros caindo de 5,5% para 2,5%, as vendas de máquinas agrícolas aumentaram 6,2% em relação a 2011. Ao todo, foram vendidas 70 mil unidades número que não é era alcançando desde a década de 70, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A expectativa para 2013 é de novas altas, entre 4% e 5%.
E a mecanização que avança trazendo o aumento da produção agrícola em mais 8,6% e o índice crescente de produtividade. São informações que, pelos inúmeros e-mails que recebeu, a coluna acredita não tinham chegado ainda aos leitores. Em um desses e-mails, um leitor pergunta se não estou sendo otimista demais, "quase ufanista", diz ele. Mas os fatos, os números, as exportações, as safras crescentes abastecendo o mercado não justificam isso?
Ufanista, não. Longe disso porque o agricultor brasileiro enfrenta ainda sérios desafios, incluindo logísticos. Apenas reconheço e realço uma realidade que está aí, inteira, quase exuberante (perdão...), que precisa ser conhecida. Uma realidade que repasso para vocês.
Duplo mandato - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 20/01
O comunicado emitido na quarta-feira, logo depois da última reunião do Comitê de Política Econômica (Copom), com menção "a atividade doméstica menos intensa do que o esperado", reforçou a impressão de alguns analistas de que o Banco Central, presidido por Alexandre Tombini, opera sua política monetária (política de juros) mais para empurrar o PIB do que para controlar a inflação. Tudo se passaria, portanto, como se a autoridade monetária, na prática, executasse um duplo mandato, atuando na contramão do que está na legislação - que exige concentração na tarefa de cumprir a meta de inflação.
Em princípio, não há nada de especialmente errado no fato de um banco central manejar sua política monetária também para incentivar o emprego, mais ou menos como funciona o Federal Reserve System (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Não há administrador de banco central que também não atue de olho na atividade econômica e no nível de emprego, mesmo entre os que são obrigados a trabalhar com meta rígida de inflação - como são os casos do Banco Central Europeu (BCE) e do Banco da Inglaterra (BoE).
O problema é que é difícil operar assim, assoviando e chupando cana ao mesmo tempo. Os estudos já realizados sobre o tema concluíram que a melhor coisa que um banco central pode fazer para garantir aumento do emprego e crescimento sustentável é controlar a inflação dentro da meta. Ainda assim, nos países em que se confere o duplo mandato, o banco central está sempre avisando o que tem preferencialmente na alça de mira.
Em outubro, por exemplo, o Fed editou comunicados claros de que a inflação está no chão e não dá sinais de reativação. Portanto, não preocupa. Por isso se dedicará à tarefa de recuperar postos de trabalho.
Aqui no Brasil, em novembro de 2011, diante das críticas de que foi alvo, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) retirou projeto já aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado que investiria o Banco Central na função de "promover o pleno emprego na economia". O próprio governo concluíra que uma lei desse tipo seria inconveniente, na medida em que poderia provocar perda de confiança na política econômica.
Independentemente disso, no momento, ficaria estranho desviar a política monetária para obtenção do crescimento de postos de trabalho, numa situação que já é de pleno emprego (desemprego de apenas 4,9% da população ativa) e de consumo das famílias crescendo a 5,0% ao ano.
O próprio Banco Central vem afirmando reiteradamente nos seus documentos que "o consumo continua robusto" e que o mercado de trabalho no Brasil, aquecido demais, não está ajudando a conter os custos de produção e a segurar a inflação.
O que, no momento, emperra o avanço do PIB do Brasil não é a demanda fraca de bens e serviços; é a oferta fraca. É o setor produtivo que não decola, entre outras razões, porque está pesado demais e carrega muitos custos. Ou seja, mesmo que o Banco Central conseguisse usar a política monetária para empurrar a atividade produtiva, o resultado seria mais combustível no consumo, na demanda e na inflação.