domingo, janeiro 20, 2013

Ano novo, temas recorrentes - PAULO GUEDES

REVISTA ÉPOCA


Continuarão conosco, em 2013, alguns temas recorrentes por trás da grande crise contemporânea:

1. A guerra mundial por empregos, deflagrada pelo mergulho de 3,5 bilhões de eurasianos nos mercados globais.

2. A crise do regime fiduciário nas modernas democracias liberais, pelos excessos cometidos por financistas anglo-saxões e pela irresponsabilidade financeira da social-democracia européia.

3. O declínio econômico e a perda de competitividade dos ocidentais ante o desafio asiático.

4. A imprudência do Federal Reserve, banco central americano, convertido em soprador serial de bolhas. Disparou ondas de liquidez que se quebraram em sucessivos colapsos nos mercados de ações de empresas de tecnologia, de ativos imobiliários, de crédito e derivativos financeiros, de ações de bancos e instituições financeiras e, finalmente, nos mercados acionários em todo o mundo. O tsunami de liquidez que promoveu para estimular a economia após o estouro de cada bolha foi sempre a mesma onda que embalou a bolha seguinte a estourar logo adiante.

5. A extraordinária disciplina exigida pela adoção do euro. Essa arquitetura de moeda única, supranacional, com prêmios de risco distintos para cada país, funciona como uma lei de responsabilidade fiscal imposta aos governos nacionais. Trata-se de uma verdadeira ressurreição do padrão-ouro, em que se disparam mecanismos de ajuste automático de extrema agressividade em curtas janelas de tempo. Explodem os custos da dívida dos países deficitários, a liquidez foge em direção aos superavitários. Salários e preços de bens, serviços e ativos despencam nos países em crise. O desemprego aumenta, como em Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia. Por outro lado, a Alemanha experimentava sua menor taxa de desemprego nos últimos 25 anos. E tudo isso acontecendo de forma automática, rápida, insensível e impessoal, como ocorria no padrão-ouro, que sempre ignorou as nacionalidades.

6. Nos Estados Unidos, prosseguirão as batalhas entre republicanos e democratas. Tenho enorme simpatia pelo presidente Obama, mas uma "caça aos ricos" após o maior programa de socialização de perdas financeiras da história americana é tão risível quanto tardia. Obama não escapou à armadilha dos financistas. Para desespero de seus correligionários, os prêmios Nobel de Economia Paul Krugman e Joseph Stiglitz. Os banqueiros assumiram a Casa Branca e o Tesouro.

São também recorrentes os temas que estarão conosco no Brasil em 2013:

1. Somos prisioneiros de uma armadilha social-democrata de baixo crescimento. O ininterrupto crescimento dos gastos públicos em relação ao Produto Interno Bruto iniciado no regime militar se aprofundou com o rodízio de governos social-democratas após a redemocratização. A "esquerda" hegemônica ampliou gastos sociais, mas sempre apoiada por conservadores oportunistas que impediam o desmonte das arcaicas estruturas de sustentação de seus interesses econômicos. O resultado é uma transição ainda incompleta para a Grande Sociedade Aberta. Sofremos com o programa de estabilização mais longo da história. Um plano anti-inflacionário bem-sucedido é coisa de dois anos. Mas pode levar duas décadas se conduzido por uma "esquerda" ignorante em matéria econômica, que aluga apoio político oportunista de interesses conservadores corruptos. "Desperdiçamos" uma crise colossal, com direito a hiperinflação, moratória externa e seqüestro de poupança interna sem ousar um ataque frontal ao Antigo Regime. Foram duas décadas de impostos ascendentes, juros altos e câmbio sobrevalorizado. Persistem a regulamentação inadequada e os desestímulos aos investimentos privados. Ensaiamos agora a redução dos juros e dos impostos, mas a expansão dos gastos públicos ameaça sua continuidade.

2. A concentração dos poderes políticos, a hipertrofia do Estado e a centralização administrativa, maldições de regimes políticos fechados, permaneceram nessa acomodação de interesses entre a "esquerda" e os conservadores. O resultado foi a degeneração de nossas práticas políticas. Os petistas foram agora condenados por compra de apoio político no episódio do mensalão. Mas houve também acusações contra os tucanos quando da emenda constitucional que garantiu a reeleição de FHC. Assim como acusações de um mensalinho na eleição de Eduardo Azeredo para o governo de Minas. Surgiu depois o mensalinho do DEM, com Arruda no Distrito Federal. E, acabada a CPI do Cachoeira, estoura o escândalo do tráfico de influência dos irmãos Vieira e a chefe do escritório da Presidência em São Paulo. O infindável ciclo de acusações recíprocas entre o PSDB e o PT em torno de escândalos e malfeitos, em feroz disputa pelo poder, é a manifestação política do Princípio de Gause, uma guerra de extinção entre espécies semelhantes pelo domínio de um mesmo nicho ecológico.

3. Agravam-se os desafios de produtividade e competitividade brasileiras em meio à grande crise contemporânea. Pois há também o confronto de qualidade entre as políticas públicas das nações. Continuam ausentes no Brasil as reformas de modernização: a correção da hipertrofia da União (reforma administrativa), a descentralização de recursos e atribuições para Estados e municípios (reforma fiscal), a simplificação de impostos e redução de alíquotas (reforma tributária), a revisão de obsoleta legislação trabalhista (reforma trabalhista, com a eliminação de encargos sobre o custo do trabalho), a democratização do capital (por meio da reforma previden- ciária) e a redefinição dos marcos regulatórios (destravando investimentos de infraestrutura).

A inapetência por reformas resultou em cenas explícitas de canibalismo federativo. Os presidentes do Senado, José Sarney, e da Câmara dos Deputados, Marco Maia, ocupados com a apropriação indébita dos royalties de petróleo dos Estados produtores, desleixaram em seus deveres de aprovar novos critérios para redistribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados. Como descuidaram também de seus deveres parlamentares no exame e aprovação do Orçamento da União para 2013. Ao contrário do Supremo Tribunal Federal, que exibiu lideranças à altura de nossos desafios de aperfeiçoamento institucional, o Congresso continua nos devendo uma forma decente de fazer política.

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