sexta-feira, janeiro 18, 2013

MPB na Sapucaí - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 18/01


Toquinho e Carlos Lyra, os grandes artistas, confirmaram presença no desfile da União da Ilha, a quarta escola de samba a entrar na Sapucaí, no domingo de carnaval. Os parceiros de Vinicius de Moraes (1913-1980) terão lugar de destaque na apresentação, que homenageará o centenário do saudoso poeta.

AlÔ, Marta Suplicy!
No ano que marca os 40 anos da morte de Pixinguinha (1897-1973), o projeto que está criando a Casa de Choro, num velho casarão na Rua da Carioca, no Rio, precisa de sua ajuda. É que Luciana Rabello, craque no cavaquinho e mulher de Paulo César Pinheiro, que toca a ideia, enfrenta a burocracia do MinC. A iniciativa é séria. Pergunte ao pessoal do ramo.

As voltas que o...
A Peugeot-Citroën, nova patrocinadora do Flamengo, chegou a fazer uma proposta ao clube, em 2011, para pagar R$ 15 milhões... líquidos. A diretoria do clube, na época, recusou. Achava que, com o Ronaldinho Gaúcho, a camisa valia R$ 30 milhões. Não valia.

Joaquim 2014
O bloco Lima é Tio Meu, que sai na Lapa e cultua Lima Barreto (1881-1922), desfila este ano com uma homenagem a Joaquim Barbosa, o presidente do STF. Veja um trecho do samba, feito por Jorge Curuca: “Data vênia, embromação/Quero um-sete-um engaiolado/Vendo o sol nascer quadrado/Devolvendo o mensalão”.

Dudu 2014
Eduardo Campos, governador de Pernambuco, visitará o Rio, no fim deste mês. Vai almoçar, em Duque de Caxias, com prefeitos do PSB eleitos em oito cidades do estado.

Lindbergh 2014
Eduardo Costa, braço direito do publicitário João Santana, está se mudando para a Cidade Maravilhosa. Vem cuidar da campanha do senador Lindbergh Farias ao governo do estado.

Que seja feliz
Amanhã, Romarinho, 19 anos, filho do ex-craque e deputado, estreia profissionalmente no Brasiliense. Uma caravana, de uns 20 parentes do garoto, está indo do Rio para Brasília.

Papo cabeça
Lula se reúne, segunda, em São Paulo, com um grupo de intelectuais sul-americanos de esquerda.

Deu no ‘New York Times’
Ignorado pelo público brasileiro, “Sudoeste”, primeiro longa de Eduardo Nunes, recebeu crítica elogiosa do “The New York Times”. Para Stephen Holden, do NYT, o filme é “um conto de fadas sombrio”, “visualmente bonito” e exige que o espectador se renda a “suas imagens hipnóticas e ao ritmo meditativo do movimento de câmera”.

Chuva de pétalas
A turma da Jornada Mundial da Juventude prepara um desfecho especial para a procissão da Trezena de São Sebastião, domingo agora, na Catedral do Rio. Um helicóptero vai jogar, sobre os fiéis, pétalas brancas, representando os jovens que participarão do evento.

Martinho da Banda
Aroeira, craque do desenho, é quem assina a camiseta da Banda do Mercado, que anima o carnaval do Centro do Rio. Este ano a turma homenageia Martinho da Vila. Merece.

Vidas secas
Os problemas de abastecimento de água na Região dos Lagos, RJ, acabam sendo uma ameaça à saúde pública.
A polícia prendeu, ontem, em Cabo Frio, três homens que abasteciam caminhão-pipa para vender água sem qualquer tratamento.

Pega ladrão
Quarta à noite, um participante da pelada no Clube dos Macacos, no alto do Jardim Botânico, no Rio, tinha acabado de suar a camisa dentro de campo quando, ao pegar a mochila, deu por falta de dois celulares e de uma aliança. Uma câmera de segurança flagrou o ladrão que se passou por sócio.

A est(ética) da vingança - NELSON MOTTA


O Estado de S.Paulo - 18/01


Quentin Tarantino comemora 50 anos como criador de um estilo que mistura vários gêneros clássicos e modernos do cinema com tanto talento e personalidade que acabou criando um novo: o gênero Tarantino, feito de violência estilizada, diálogos desconcertantes e narrativas fragmentadas e marcadas pelo humor cáustico, o amor ao cinema e à cultura pop.

Texano de origem italiana e Cherokee, o multicultural Tarantino fez a sua formação cinematográfica de forma tipicamente moderna, como balconista de uma locadora de vídeos. Viu tudo, do trash ao cinema de arte, misturou e escreveu seus primeiros roteiros, Amor a queima roupa, e o violentíssimo Assassinos por Natureza, que foi dirigido por Oliver Stone e provocou grande polêmica.

Estreou como a maior promessa do cinema independente americano com o violento e estiloso Cães de Aluguel, abrindo caminho para Pulp Fiction. Com sua brutalidade e sofisticação, seu humor e seus diálogos doidões, o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes e estabeleceu novos padrões para o cinema independente, se tornando um cult e uma das maiores bilheterias da década.

Com o seu malandro e subestimado Jackie Brown, Tarantino homenageou os filmes negros dos anos 70, os blaxploitation movies, provocando polêmicas raciais com Spike Lee e não conquistando o sucesso que merecia.

Em Kill Bill - volumes 1 e 2, se apropriou da estética dos filmes de artes marciais e das historias em quadrinhos para contar uma saga de vingança que lotou os cinemas e tirou o fôlego do público.

No drama de guerra Bastardos Inglórios desafiou o impossível e reescreveu a história, na vingança de uma judia que perde a família na guerra e explode um cinema sobre Hitler e toda a alta hierarquia do nazismo. A estética a serviço da ética fazendo justiça poética.

Com apenas sete longas, Tarantino já conquistou seu lugar na história do cinema como um estilista de estilos e em Django livre a inspiração é o western spaghetti, de novo uma vingança, mas de um herói negro lutando por amor e justiça durante a escravidão nos Estados Unidos.

Agora só falta um musical. Violento e vingativo.


Abstinências na internet - HERMANO VIANNA

O GLOBO - 18/01


A trágica morte de Aaron Swartz e sua importância na organização do universo on-line em que vivemos


Sexta-feira passada foi dia sombrio na internet. Sendo preciso: o problema começou na noite de quinta-feira, quando o departamento de “Homeland Security” do governo dos EUA recomendou a desabilitação do Java de nossos browsers. O período de notícias ruins se estendeu até a manhã de sábado, quando soube do suicídio de Aaron Swartz. Apesar da pouca idade (26), ele teve (e continuará tendo) importância decisiva para o modo como está organizado o melhor de nossa vida on-line. Nesta semana, minha tarefa foi refletir sobre a fragilidade extrema de tudo que contamos como garantido.

Sou muito influenciável. Levo a sério decretos de autoridades. Nunca tinha visto governo com posição tão explícita contra um programa de computador. Sou usuário (é o mesmo termo para drogados) que não teme mudar as “configurações avançadas” (escondidas) dos softwares. Até conserto sozinho o hardware. Meio em pânico, não entendi direito qual era o risco e, além do Java, desabilitei também o JavaScript (como leigos vão saber que não são a mesma coisa?). Nossos afazeres domésticos andam cada vez mais insuportavelmente complexos.

Ali começaram outros problemas (e até a finalização deste texto, não há solução confiável para o bug do Java). O Yahoo, por exemplo, parou de funcionar. Tive que fazer downgrade para versão antiga, reaprendendo comandos esquecidos. Alguns recursos já banais desapareceram. Como mandar e-mail sem autocompletar os endereços? Pensei ter voltado para a ciberidade da pedra (e olha que uso e-mail desde quando não havia web).

Sites como o Twitter simplesmente se tornaram inoperantes. Ao tentar acessá-lo recebia apenas o aviso: “O Twitter faz uso pesado do JavaScript. Se não pode habilitá-lo no seu browser, você deve ter uma experiência melhor no nosso site para celular.” Como viver sem trending topics no laptop? Como controlar a síndrome de abstinência? Autodiagnóstico: nunca pensei que era dependente de tanto serviço baseado nesse tal de JavaScript.

Pelo menos o vacilo foi meu: eu que desabilitei o Java — posso reabilitá-lo se não aguentar o cold turkey (como fiz com o JavaScript, que — depois descobri — também tem seus problemas). Li que os usuários de Mac receberam tratamento diferenciado. A Apple desabilitou remotamente o Java de quem possui seu sistema operacional mais recente. Desta vez foi para “nosso bem”, para facilitar nossas vidas, para poupar-nos de erros. Mas é perigo óbvio: e se nossos fabricantes de computador puderem decidir tudo a que devemos ter acesso “sem risco”? Paranoia tipo Philip K. Dick?

Aaron Swartz dedicou sua vida para combater essa paranoia, inventando ferramentas que aceleram a livre circulação da informação pela rede e aumentam o poder dos usuários contra grandes empresas/governos. Com 14 anos, foi um dos principais criadores do RSS (do qual sou dependente — não visito mais nenhum site, os feeds de RSS trazem notícias e posts que me interessam; foi assim que soube do seu suicídio, mesmo com meu apagão do JavaScript, que fez meu leitor de RSS, o Google Reader, parar de funcionar). Essa foi apenas sua primeira criação importante (leia resumo de sua vida na coluna de Pedro Doria publicada terça-feira neste jornal, que deu foto de Aaron na primeira página).

Em fevereiro, aconteceria o julgamento que poderia condenar Aaron a três décadas de prisão. A acusação (nada ainda foi provado) era de ter roubado alguns milhões de artigos acadêmicos cujo acesso é comercializado a peso de ouro por uma empresa chamada JSTOR. A intenção (também não provada) seria distribuir esse conteúdo livremente na internet (mas tudo não saiu de seu laptop). A perspectiva de ser preso (muita gente diz que o objetivo era usá-lo como bode expiatório contra hackers e “pirataria” — os procuradores responsáveis por seu caso precisam ser investigados — mas o sistema legal caduco é o que mais necessita de revisão urgente) e anos de convívio com depressão devem ter sido os motivos do suicídio.

Perdi a oportunidade de conhecer Aaron pessoalmente, quando esteve no Rio há quatro anos e ficou hospedado na casa do Ronaldo Lemos. Ele era novo, pensei que seria fácil encontrá-lo em outras ocasiões. Lição: não deixe para hoje o que poderia ter feito ontem. Ronaldo, em coluna da “Trip”, publicou entrevista feita durante a visita brasileira. Vale a pena reler o trecho sobre escola em bit.ly/WOan4C. Ronaldo também me passou o link (bit.ly/kwoMp) para post em que Aaron comentava os cem livros que leu em 2008. Fiquei dependente dessa lista publicada todos os anos. A de 2012 não saiu. Vamos ter que conviver com essa nova abstinência. Terrível perda para quem acredita no potencial criativo da internet.


Spike Lee, Tarantino e racismo - MICHEL LAUB

FOLHA DE SP - 18/01


Como quase sempre nesse tipo de briga, há um tanto de oportunismo e autopromoção


Linguagem é poder, como sabem economistas, advogados, marqueteiros e qualquer um que use jargão para demonstrar autoridade. Logo, é também política: uma guerra começa a ser ganha quando um indivíduo é chamado de "militante" em vez de "terrorista", e vice-versa.

Spike Lee sempre teve consciência disso, e não por acaso se fixou num termo pejorativo -"nigger"- para atacar diálogos escritos por Quentin Tarantino nos anos 1990.

A controvérsia foi citada num ótimo filme do cineasta negro, "Bamboozled" (2000), que fala de um executivo de TV cujo emprego é salvo por um seriado racista.

Há algumas semanas, Lee voltou à carga, a pretexto de "Django Livre". O filme, que estreia hoje no Brasil, é mais uma paródia tarantinesca cheia de sangue e glória pop, desta vez usando referências do faroeste italiano para acompanhar um ex-escravo (Jamie Foxx) nos Estados Unidos de 1858. Como quase sempre nesse tipo de briga, há um tanto de oportunismo e autopromoção. Mas é interessante perceber o que está sendo de fato discutido.

Em termos históricos, é um processo que passa pela consolidação do chamado politicamente correto.

Em seu aspecto virtuoso, que veio na esteira da luta americana pelos direitos civis na década de 1960, o movimento devolveu a minorias a prerrogativa de narrar a própria história, com timbre, gramática, referências e valores não aceitos anteriormente. A questão está no centro de "Bamboozled", que atualiza e ironiza estereótipos de brancos sobre negros, negros sobre brancos, brancos sobre brancos e negros sobre negros.

Spike Lee trata o assunto de modo engenhoso. Entre piadas com crack, potência sexual, roubo de galinheiro e um grupo musical chamado Macacos do Alabama, as boas intenções do espectador são testadas até o limite do constrangimento. Quando os esquetes que imitam "minstrel shows" e seriados do tipo "Pai Tomás" começam a soar engraçados, é o desconforto de se perceber parte da engrenagem cultural do racismo que dá à trama um caráter subversivo. Ao final, a crueza de um universo é exposta nas entrelinhas de uma sátira algo histérica, registro que não chega a ser estranho à obra de Tarantino.

É então que surge o problema: Lee define a escravidão americana como "holocausto", e qualquer brincadeira de gênero a respeito -como a que faz "Django Livre"- para ele seria uma ofensa. Por lógica, dá para perguntar qual é a diferença entre negros se chamando pelo termo proibido em "Bamboozled", o que fazem o tempo todo (calça é "nigga jeans", melancia é "nigger apple"), e Leonardo DiCaprio fazendo o mesmo enquanto dirige uma fazenda brutal no Mississipi.

Como representar a violência real e simbólica, ativa ou incorporada, da qual fazem parte o chicote e a linguagem depreciativa, sem que tais elementos apareçam em cena?

O discurso de Lee, que confessou não ter visto e nem ter vontade de ver "Django Livre", é sintomático em vários sentidos. O mais óbvio não é só estético: uma das características da arte, que é forçar limites temáticos e formais para enfrentar tabus de sua época, não seria possível num mundo em que um holocausto só pudesse ser tratado com solenidade literal.

"Bastardos Inglórios", espécie de faroeste de Tarantino sobre a Segunda Guerra e o nazismo, com sua celebração anárquica da vingança e baixo índice de fidelidade histórica, seria um caso de grande obra impedida de vir à luz nesse contexto.

Indo além: se "Django Livre" está interditado na esfera das ideias válidas, ao contrário de "Bamboozled", e isso nada tem a ver com tom, enfoque e resultado final de ambos, a diferença só pode ser explicada a partir da pessoa que os dirige. Das características que compõem a autoridade de ser, digamos, e não de fazer ou de pensar. Não é preciso muita esperteza para perceber onde termina um argumento assim.

Uma das intenções do politicamente correto, que incentivou a tolerância tanto quanto algum excesso e muito de folclore, é mudar a realidade por meio do instrumento que temos para expressá-la. Só que a linguagem também tem limites.

O racismo, por exemplo, sobrevive sem precisar se declarar como tal. Duas linhas da pregação de Spike Lee, e isso se revela claro como às vezes podem ser as trevas.

Sem contar os espaços - ARTHUR DAPIEVE

O GLOBO - 18/01


‘Um livreiro ambulante como o França havia se tornado um belo de um anacronismo’


Jornalistas leem menos do que gostariam. Depois dos outros jornais, das revistas semanais, do material de arquivo, do resultado das pesquisas, dos diários oficiais, dos boletins de ocorrência, dos projetos de lei, das medidas provisórias, dos programas partidários, dos relatórios das CPIs, dos processos judiciais, dos balanços das empresas, dos manuais de instrução, dos boletins médicos, dos releases, das dezenas de mensagens diárias e, quando se tem sorte, dos livros a resenhar, sobra pouca vista para ler de verdade, ler por prazer aquele livro vadio, seja não ficção, literatura, poesia.

Temo que a partir de agora os jornalistas cariocas passem a ler ainda menos. Porque aposentou-se o França, o livreiro ambulante que corria as redações dos jornais, revistas e emissoras de rádio e TV do Rio havia 40 anos. Carlos Alberto França foi o único “colega de trabalho” presente em todos os meus empregos na imprensa. Lembro-me dele no sexto andar do prédio do velho “JB”, ali onde hoje funciona o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, na Avenida Brasil. Lembro-me dele e de sua bolsa na sucursal da “IstoÉ”, nas redações da “Veja Rio”, do GLOBO, do extinto site NO. Pois o incansável França cansou e foi perdendo a saúde. Merece repouso.

Para quem não foi jornalista no Rio de Janeiro nas últimas quatro décadas, vou explicar melhor o que fazia o França. Ele selecionava as últimas publicações, com um olho atento àquelas que mais obviamente poderiam interessar aos coleguinhas, fossem livros-reportagem, livros de História ou livros escritos por outros coleguinhas (que nunca venderam tanto, tenho certeza, graças inclusive ao doce constrangimento da pergunta “não vai comprar o livro do Dapieve?”). Conhecendo cada um, o França ia de mesa em mesa oferecendo este ou aquele título. Bingo. Seu índice de acerto era enorme.

Para um profissional cuja carga de trabalho jamais foi pequena e que costuma sair da redação depois de o comércio fechar ou de a noite de autógrafos ter acabado, o França não só valia por uma visita semanal a uma boa livraria de rua (ou de shopping) como por uma boa batida de perna pelos sebos da cidade. Porque ele também aceitava encomendas de títulos fora de catálogo e saía feliz a campo. Tenho a impressão de que quanto mais difícil de achar, maior era a sua satisfação. “Sabe aquele primeiro volume esgotado do Walter Benjamin na Brasiliense? Achei!”, disse-me certa tarde. Antes dos sites de vendas de livros, o França era a Livraria Cultura mais a Estante Virtual.

Contemplando as estantes abarrotadas cá em casa, consigo me lembrar das circunstâncias em que quase todos os títulos foram ganhos ou adquiridos (coisa de neurótico, certo). O França rivaliza até com a antiga Entrelivros, com a Travessa, a Argumento ou a Amazon. Quando precisei juntar a bibliografia do meu mestrado, chamei o França. Quando precisei editar uma retrospectiva do século XX para este jornal, chamei o França. Muitos de nós devemos a ele um bocado de nossa cultura e informação (sempre falha, certo). Porém, era ele que volta e meia dava um presentinho de Natal aos fregueses mais fiéis. Está aqui na prateleira o pequeno volume de bolso dos “Lusíadas”, capa dura, da Lello & Irmão Editores, do Porto, impresso em 1980.

Décadas atrás, no tempo em que produtos importados eram menos acessíveis, as redações tinham os seus contrabandistas de confiança, os caras que passavam na mesa dos jornalistas que bebiam socialmente — e alguns era incrivelmente sociáveis — para vender uísque escocês. Alguns aceitavam escambo por LPs ou relógios usados. Isoladas do mundo, na falta de tempo e na abundância do espaço, as redações também ofereciam oportunidades de negócios para quem vendia empadas, sanduíches naturais, calcinhas. O negócio do França era o livro (e, com os anos, os deliciosos doces de sua esposa).

No momento em que os gigolôs do apocalipse tanto falam, babando, no “fim do livro” ou no “fim das livrarias”, como se a literatura fosse sinônimo de um objeto de papel ou como se o negócio fosse apenas vender livros e não reunir pessoas, um livreiro ambulante como o França havia se tornado um belo de um anacronismo. Havia algo de romântico naquela figura discreta que, no meio do pega pra capar dos fechamentos, se aproximava para nos oferecer “Fama e anonimato” ou “O deserto dos tártaros”.

Mais de dez anos atrás, jogando conversa fora com ele e com o Paulo Roberto Pires na redação do NO., na Avenida Presidente Wilson, eu prometi escrever uma coluna sobre o França no dia em que se aposentasse. Promessa é dívida, meu amigo, mas a minha dívida contigo é muito maior do que 3.877 toques, sem contar os espaços.

A coragem dos piratas - DAVID COIMBRA

ZERO HORA - 18/01


O meu amigo Marcos Piangers volta e meia diz que admira a “coragem dos piratas”. Não está se referindo aos bucaneiros ingleses que atacavam galeões espanhóis a mando da Rainha Virgem, obviamente. Está se referindo aos piratas da vida. Aos que não temem a aventura. Em outras palavras, é o que Vinícius cantava num belo poema do qual arranco alguns trechos para dar a você, cauteloso leitor:

“Vamos brincar, amor? Vamos jogar peteca? Vamos atrapalhar os outros, amor? Vamos sair correndo?

Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação? Vamos sofrer, amor? Males da alma, perigos

Dores da má fama íntimas como as chagas de Cristo. Vamos, amor? Vamos tomar porre de absinto

Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos fingir que hoje é domingo (...)

Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar

Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar Nossa Senhora do Parto? (...) Vamos, amor?

Porque excessivamente grave é a vida”.

Do que o Poetinha fala? De ter a coragem dos piratas. De se arriscar. E agora mesmo, no cume calmo do verão, leio uma reportagem na Revista Veja que trata, precisamente, de um símbolo da gravidade da vida citada por Vinícius. É a matéria de capa da revista desta semana: “A vitamina do sol”. O texto conta que cientistas e médicos recomendam um pouco de exposição ao sol SEM PROTETOR SOLAR para que o corpo e o espírito se enriqueçam com os benefícios da vitamina D.

Ora, isso é contra tudo o que sempre pregaram os dermatologistas, eles que ordenam que não fiquemos nem sob a luz de lâmpadas de 40 watts sem ter a pele besuntada de protetor fator 30. É contra, também e principalmente, aquele poemeto de autoajuda declamado pelo Pedro Bial, no qual ele dá conselhos para o chamado “bem viver”, sublinhando, depois de cada frase pretensamente sábia, a ressalva de ponderação: “Use protetor solar”.

Ou seja: o protetor solar é um emblema da prudência. E agora o protetor solar foi desmascarado. O Bial foi desmascarado! O poemeto dele de lição de vida deveria ser o contrário do que é, deveria lembrar que, às vezes, a vida tem de ser vivida sem protetor solar, que a vida sem um pouco de fritura não vale a pena ser vivida, que o exagero nem sempre é demais.

Que, sobretudo, é preciso ter a coragem dos piratas.

Cadê o espírito esportivo do COB? - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 18/01


O fato de o comitê não ver o uso da palavra como homenagem já deveria cheirar a mercantilismo


O sr. Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olím­pico brasuca, merece uma medalha. Não bastasse a evolução ocorrida no panorama esportivo nacional ao longo do seu breve mandato (o que são duas decadazinhas no poder, afinal?), ele ainda poder se jactar de uma edição im­pecável dos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007.

Não é à toa a enor­me pressão para vê-lo sair candida­to a presidente do país, não? Ué, ninguém nunca pressionou para que ele virasse o Romney tapuia? Como assim?

Das piscinas do Complexo Aquá­tico Maria Lenk, como bem sabe­mos, desfrutam todas as crianças provenientes das comunidades pa­cificadas. Passamos a produzir campeões olímpicos aos borbo­tões, a mudança a partir do Pan do Rio foi notável. E a pulverização do autódromo de Jacarepaguá, patri­mônio do esporte nacional, é outra medida merecedora de loas.

Pois esta magnífica entidade, que não viu as contas do Pan carioca de 2007 aprovadas pelo TCU até hoje e vive cercada por denúncias, resol­veu nos agradar de novo.

O COB está tomando medidas judiciais -veja que beleza!- para prevenir que universidades e associa­ções de pesquisa usem a palavra "o­limpíada" em suas competições educacionais -como Olimpíada de Matemática ou de História. Alega o Comitê Olímpico Brasileiro que o uso das palavras "olimpíada" e "jo­gos olímpicos" é privativo" seu.

Do latim "olimpiade" e do grego "olimpiados", genitivo de olímpias, o termo era usado pelos gregos como indicador de unidade de tempo. Foi revertido ao uso moderno em 1896 pelo amigo Coubertin.

Ser olímpico, por outro lado, significa pertencer ao Olimpo, ser um deus grego ou, de novo, quando re­vertido ao uso moderno, ser al­guém que compete em Olimpíadas. Há ainda outros três ou quatro usos e formas, uma ligada ao Monte Olimpos da província de Elis e ou­tra ao Monte Olimpos da Tessalô­nica. Mas, calma, o objetivo aqui não é causar um ataque de narco­lépsia para provar o meu ponto.

O COB justifica sua atitude gulosa alegando que a exclusividade do uso do termo "olimpíada" tem um "caráter educativo" para não "vin­culá-lo a questões comerciais".

O mero fato de o comitê não en­xergar no uso da palavra por enti­dades educativas uma homenagem ou tentativa de emular o espírito olímpico, que deveria ser jogar lim­po e não meter dinheiro no meio da história, já deveria cheirar a mer­cantilismo arregaçado.

Quem é que está tentando garan­tir todas as vantagens para si da for­ma mais ganaciosa possível? Onde estão a camaradagem, a tolerância, a ética, a nobreza que o esporte re­quer e todas as qualidades mais ca­ras à formação do indivíduo? Cadê a parte educativa nesse gesto grosseiro e tão típico da perda de valores dos tempos atuais que está sendo perpetrado pelo COB?

Ou será que... Peraí... Será que es­tamos diante de um novo "Corte de cabelo do Ronaldo"?

Na Copa do Japão, para desviar o foco do seu desempenho, Ronalducho apareceu em campo com um novo corte de cabelo, e todas as lentes e flashes se concentraram no seu cocuruto. A partir daquele momento, ninguém mais falava de jo­go, só do corte "Cascão" do Ronaldo. Objetivo alcançado.

Se for essa a manobra que o COB está tentando (não duvido de mais nada) ao querer se apropriar da pa­lavra "olimpíada", eu também exijo tomar posse de alguns termos. Quero para mim, desde já "orça­mento quadruplicado", "equipa­mentos inutilizados" e "denúncias de superfaturamento". Bora alugar a orelha do juiz!

Chuva! Hoje vou de correnteza! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 18/01


Continuo com o humor negro de direita: a Venezuela é governada por um morto. Cuba, pelo irmão do morto!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Sudeste vira Chuveste! Chuveste Stallone! É cada pancada!

E o novo meio de transporte: correnteza! Isso! Aí você pergunta pro vizinho: "De que você vai pro trabalho hoje?". "De correnteza!" "Mas não vai se molhar todo?" "Não, eu vou em cima dum saco de lixo." Rarará! Você pega uma correnteza na Rebouças e desce até a Marginal!

E em São Paulo chove tanto que não tem mais malabarista de farol, tem aqualouco. Aqualouco de farol!

E esta piada pronta: "Vistoria em escolas após forte chuvas em Itapecerica, diz prefeito Chuvisco".

E rodízio agora é assim: dias pares, botes e jangadas. Dias ímpares, banana boat e jet ski! E eu já tô ficando com cara de ácaro!

E o Congresso? Adorei a charge do Jorge Braga: "Sai Sarney e entra Renan, isso que é RENANVAÇÃO!". E o deputado Jean Wyllys afirma que 60% dos deputados contratam prostitutas. E quantos por cento são filhos delas? Rarará!

E esta: "Lula se reúne com equipe de Haddad e dá diretrizes". E a TV Vale Tudo mostra o que o Lula falou pro Haddad na reunião: "Guenta aí, companheiro, agora não. Depois eu te libero pro xixi!". Rarará!

O Lula parece aqueles aposentados que não têm o que fazer: aluga gerente de banco, interrompe reunião de trabalho do genro e fica enchendo o saco da faxineira! O Piauí Herald diz que ele tá indo pra Cuba pra tratar da memória! Rarará!

E continuo com o humor negro de direita: a Venezuela é governada por um morto. Cuba, pelo irmão do morto! Argentina, pela mulher do morto! A Cristina Kirchner é a Viúva Porcina! E a Coreia do Norte, pelo filho do morto! Rarará!

E o Brasil, pela sucessora de um que se faz de morto! UFA! Tô morto!

E um amigo me disse que Cuba agora é a terra dos Walking Deads! Rarará!

E de Salve Jorge só quero saber quem vai ficar com o cavalo no final! É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! Olha essa placa num mercadinho em São Paulo: "Colchas King Sais".

E mais esta numa padaria em Curitiba: "Croação de chocolate". Adorei! Abaixo os estrangeirismos. Viva o Brasil! Viva o Saci! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Este Brasil varejeiro - LUCAS MENDES

BBC Brasil


Conquistamos Nova York. Em números e dólares somos campeões. Em Miami também.


A amiga de uma amiga entrou numa butique cara e falou bom inglês. Quando a dona descobriu que falava português, disse a ela que precisava de uma gerente que falasse nossa língua e podia começar no mesmo dia. A brasileira trabalha na Universidade da Flórida e está feliz no emprego.

Gerente da loja: "Dê seu preço. Eu pago o dobro". E foi mostrando o talão de cheques. A brasileira agradeceu e foi embora.

A fonte é boa, mas pode ser parte da fantasia do poder consumidor brasileiro em algumas cidades americanas.

Não sei se a dona da loja já encontrou a gerente, mas sei que em Nova York, como em Miami, brasileiro documentado com bom inglês está em falta e em alta.

Chegamos aos milhares e compramos. Foram uns US$ 2 bilhões no ano passado, um aumento de quase 500% em seis anos.

A prefeitura dá vivas ao Brasil, abre portas, imprime e distribui novos guias em português.

As más línguas dizem que brasileiros só vêm para as compras, mas Harold Holzer, vice-presidente do Metropolitan Museum, me contou que hoje os brasucas estão em terceiro lugar nas visitas do museu. Um amigo cético garante que eles vão às compras na lojona, antiga lojinha, do museu, mas isto não está na pesquisa.

"Em Nova York, como em Miami, brasileiro documentado com bom inglês está em falta e em alta."

O Financial Times, de Londres, publicou que estamos endividados até o pescoço, numa bolha de consumo que vai explodir a qualquer momento. Outra pesquisa, da Global Inteligence Alliance, informa que até 2017 o Brasil continuará sendo a bola e não a bolha da vez. Vai bombar e bolar na Copa e nas Olimpíadas.

Na terça-feira, passei algumas horas com mais de duzentos varejistas brasileiros reunidos no Waldorf Astoria. Estão aqui para o evento anual da National Retail Federation, que reúne o mais poderoso lobby dos varejistas americanos. Sobre o Brasil, entre brasileiros, otimismo nota dez.

Lá estavam Luiza, do Magazine Luiza, a segunda rede de varejo no Brasil, Flavio Rocha, presidente da Riachuelo-Guararapes, campeã em confecções, Manuel Correa, presidente da Telha Norte, do Grupo Saint Gobain, líder da América Latina em material de construção, e Sergio Herz, presidente da Livraria Cultura, pronto para bater de frente com os invasores da Amazon.

Todos veem um futuro promissor. Vão investir no Brasil em 2013. Flavio Rocha é o único que vê nuvens negras no horizonte, mas só daqui a uns dez anos. Ele enxerga longe e compara nossa situação com a década americana de 70 a 80.

Mas porque os brasileiros deixaram R$ 4 bilhões ano passado em Nova York em vez de enriquecer nossos varejistas? Luiza culpa o custo Brasil da burocracia e dos impostos, enfim o governo, pela falta de apoio ao varejo que, embora seja cada vez mais importante na economia brasileira e na geração de empregos, não é tratado com o mesmo respeito que os varejistas americanos pela Casa Branca, Congresso e até pelo próprio povo. Varejo é coisa barata, de gente pobre.

Consumo representa 70% da economia americana, mas o governo nem sempre andou de mãos dadas com Walmart e outros gigantes do varejo. Na primeira metade do século 20, a rede AP, Atlantic Pacific, tinha 16 mil supermercados nos Estados Unidos. Hoje, a Walmart, maior empregadora privada do mundo, tem 4.300 hipermercados. São US$ 35 mil de faturamento, por minuto.

A AP era tão poderosa que o governo proibia a rede de dar descontos, senão quebrava a vizinhança. Quando a AP descumpriu a lei, foi processada pelo Tio Sam por vender barato, perdeu, pagou multa e subiu os preços. Dane-se o consumidor no mundo capitalista, o capitalismo tem razões que a razão desconhece.

A partir da década de 60, graças aos carros, Walmart, K-Mart e Target se tornaram gigantes no varejo, conquistaram espaço nos subúrbios e cidades pequenas. Varejo nos Estados Unidos é classe média, mas até hoje muitos governos barram suas superlojas nos centros urbanos.

Quando a Magazine Luiza abre uma lojona numa área de baixa renda, gera centenas de empregos, mas mata quantas lojinhas? Deveria ter perguntado a ela. Mais importante é saber quando o brasileiro poderá comprar nas Luizas brasileiras o que compra em Nova York.

Antes, a Justiça - JORGE DA CUNHA LIMA

FOLHA DE SP - 18/01


Se a Justiça amadureceu mais do que os protagonistas do mensalão, tanto melhor, porque é com as instituições que se consolida uma nação


O julgamento do mensalão mudou o destino dos julgadores, dos julgados e do próprio Direito Penal brasileiro. Nosso Direito Penal visa primordialmente proteger os valores da vida, a propriedade pública e privada e o convívio civilizado dentro da sociedade. A vida é protegida de forma cabal.

É inadequado julgar sem provas materiais crimes de sangue, ou de violência sem morte, ou contra a dignidade do cidadão. Os crimes comuns, praticados contra o patrimônio privado, roubo ou furto, exigem também a materialização das provas.

Os crimes contra o patrimônio público recebem o nome genérico de corrupção. Apesar de Fernando Collor de Mello ter extinguido o cheque ao portador, que era a moeda corrente da corrupção e dos cruzamentos de informação, possibilitados pela tecnologia digital, há uma enorme dificuldade de materialização das provas de corrupção.

São tão poucas as punições desse tipo de crime na Justiça brasileira, que há uma convicção da sociedade sobre a impunidade de seus autores. Ninguém materializa autorizações delituosas, ninguém promove licitações e concessões sem os devidos aparatos jurídicos. Há os incautos que transportam dinheiro nas cuecas, em malas pretas para encontros em hotéis ou esposas ingênuas que retiram valores em bancos como se estivessem comprando um eletrodoméstico.

Mais habitual é aproveitar as impropriedades da legislação para transitar dinheiro pelos cofres dos partidos antes de redistribuí-lo a militantes selecionados, envolver bancos, agências de publicidade e empreiteiras que possuam experiência e têm válvulas de evasão e legalização de dinheiro.

Quando o mensalão foi denunciado por Roberto Jefferson, constituiu um escândalo sem precedentes, sem que ninguém exigisse provas. Um escândalo se impõe ou não se impõe perante a sociedade. O mensalão se impôs.

O tempo passou, Lula se reelegeu. Fez dois bons governos. A oposição continuou quieta, não mais por zelo democrático, mas por incompetência. A Justiça, contudo, continuou lentamente abrigando as graves denúncias do procurador-geral: quadrilha de 40 ladrões.

Lula sempre desqualificou as acusações, mas foi o primeiro a condenar José Dirceu, demitindo-o da Casa Civil. Mais tarde, entendeu que o PT precisava renovar seus quadros, porque os companheiros já tinham saído do baralho. Lançou Dilma Rousseff e Fernando Haddad, bem fora dos quadros de suspeição, e ganhou as eleições.

Só faltava, no tabuleiro do tempo, o julgamento do mensalão. Penalistas e réus aparentavam tranquilidade: prescrições, exigência de provas e impunidade tradicional. Os cheques foram dados aos partidos para pagamentos de dívidas eleitorais. Caixa dois, tudo bem, mas caixa dois nunca foi crime no Brasil.

O ministro Joaquim Barbosa sabia isso tudo na ponta da língua. Sabia também que essa era uma das últimas oportunidades de reinventar o Direito Penal brasileiro. Dispensou citações e a jurisprudência quase inexistente para o caso. Louvou-se dos fatos, das evidências e das ocorrências e produziu um relato verossímil das ações praticadas pelos envolvidos. Levou a Corte a uma convicção inabalável de que esses fatos existiram e os acusados foram condenados.

Está fora de questão que Lula consagrou-se em seus dois mandatos, que o deputado José Genoino sempre despertou simpatias, assim como a adolescência heroica de José Dirceu. Se a Justiça amadureceu mais do que esses protagonistas, tanto melhor para o Brasil, porque é com as instituições que se consolida uma nação.

Armadilhas no Mali - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 18/01


São preocupantes os desdobramentos da intervenção militar da França no Mali, iniciada há uma semana com a autorização da ONU.

Um grupo radical islâmico que se diz ligado à rede terrorista Al Qaeda sequestrou 41 estrangeiros na Argélia -país vizinho do Mali que tem dado apoio à ação francesa.

O episódio é a primeira retaliação islamita à ofensiva da França, e nada sugere que será a última. Dias atrás, um rebelde malinês afirmou que seu país representa uma "armadilha muito pior do que Iraque, Afeganistão ou Somália".

A operação do Exército da Argélia para resgatar os reféns resultou na morte de um número ainda incerto de pessoas, entre insurgentes e sequestrados. Não há dúvidas de que o desfecho lamentável decorreu da precipitação das forças argelinas, o que não diminui a dificuldade do problema da França.

O Mali, a exemplo de quase duas dezenas de países da África, era uma colônia francesa até meados do século passado (1960), e os laços históricos pesaram na decisão da França de auxiliar o governo malinês contra os rebeldes. Eventual abstenção poderia ser vista pelos regimes das nações francófonas como um sinal de que não podem mais contar com o apoio de Paris.

Manter sua influência sobre o oeste da África é crucial para a França. Uma vitória dos insurgentes no Mali, localizado no centro dessa região, poderia desestabilizar países vizinhos com importância material nada desprezível.

Para citar dois exemplos, o Níger tem algumas das maiores reservas de urânio do mundo, e a Argélia responde por um quarto do gás natural importado pela Europa.

Além disso, há a ameaça de que um país geograficamente próximo da Europa ocidental caia nas mãos de radicais islâmicos. Os insurgentes no norte do Mali não são mais os nômades tuaregues que, há um século, promovem levantes periódicos. Os rebeldes que agora tentam tomar a capital Bamaco são filiados à Al Qaeda.

Desde junho, o grupo controla o norte do país com mão de ferro. Seus militantes ganharam espaço após dois eventos do começo do ano passado. Primeiro, os tuaregues venceram algumas batalhas. Depois, militares insatisfeitos com a atuação do Exército malinês promoveram um golpe de Estado.

O vácuo de poder criado por esse golpe permitiu o fortalecimento dos radicais islâmicos que, mais organizados, suplantaram os tuaregues e assumiram os focos da insurgência. Quando ficou claro que seria difícil para o governo do Mali, ainda em fase de transição, interromper o avanço rebelde, a ONU deu seu aval para a intervenção comandada pela França.

É difícil prever por quanto tempo o conflito se estenderá. É ainda mais difícil imaginar que termine sem que milhares de pessoas paguem com suas vidas por uma guerra que não escolheram lutar.

Um conflito internacional - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 18/01


Os aviões e soldados franceses continuam seu ataque aos "terroristas islâmicos" que se apoderaram, há alguns meses, da vasta metade norte do Mali. Os combates são duros e os fundamentalistas se misturam com a população dos vilarejos malineses. Na quarta-feira, essa guerra sofreu uma formidável metástase no norte distante e em outro país.

Na Argélia, na fronteira com a Líbia, na localidade de In Amenas, há uma zona de produção de gás pertencente à British Petroleum (BP). Foi lá que combatentes, sob o comando de um especialista em levantes, Mokhtar Belmokhtar, chefe de uma facção islamista ligada à Al-Qaeda que responde pelo nome inquietante de "Os que Assinam com Sangue", atacaram ao raiar do dia e tomaram como reféns empregados estrangeiros da instalação - japoneses, noruegueses, americanos, britânicos e franceses -, além de 300 empregados argelinos. Foi um grande arrastão.

A situação ficou conturbada, mas as informações eram imprecisas até ontem. Falava-se da fuga de uns 30 reféns e de um ataque lançado pelo Exército argelino contra os terroristas.

Podemos refletir sobre as repercussões desse golpe de efeito na guerra do Mali. Uma evidência é a de que o conflito, subitamente, se internacionalizou.

É bem verdade que todo o mundo sabia que esse país e sua tragédia estavam no centro de uma trama internacional que implicava uma dezena de países da África e, mais além, muitos outros Estados. Portanto, toda a comunidade internacional. No entanto, a manobra dos islamistas em In Amenas torna muito mais visível essa dimensão.

A batalha do Mali, portanto, se internacionalizou. Ela se tornou o epicentro da guerra que os fundamentalistas islâmicos travam contra o restante do mundo. E podemos imaginar que ela vai atrair, como o ímã atrai a limalha de ferro, numerosos jihadistas estacionados no Afeganistão, Paquistão, Iêmen, Somália e até mesmo na Indonésia.

Entretanto, o que vale para a nebulosa terrorista vale também para as nações ocidentais. Os aliados da França aplaudiram vigorosamente a ousadia de Paris. Infelizmente, eles não imaginaram que poderiam se juntar a essa ousadia.

A batalha do Mali era uma disputa entre os franceses e a Al-Qaeda. Ponto. Hoje, porém, a tomada de reféns pelos homens "Os que Assinam Com Sangue", a alguns milhares de quilômetros do Mali, na Argélia, demoliu essa tese sonolenta. Sobretudo porque, entre os reféns, figuram americanos, britânicos, noruegueses e japoneses.

Será que esse episódio vai abrir os olhos dos americanos, dos alemães, dos britânicos ou dos noruegueses e lhes sugerir que eles talvez tenham de se manifestar? E a Argélia? As relações entre Paris e Argel eram ruins há muito tempo. Sobretudo, os argelinos, que são muito vulneráveis ao terrorismo.

Há 20 anos, 5 mil de seus cidadãos foram covardemente massacrados pelos homens do Grupo Islâmico Armado (GIA), dos quais são herdeiros diretos os jihadistas do Mali. Até então, Argel fez de tudo para impedir que a comunidade internacional atacasse a parte norte do Mali, que é o reduto dos islamistas radicais.

No entanto, a Argélia mudou. Não faz muito tempo, o presidente francês François Hollande foi ao país e encontrou-se com seu colega argelino, Abdelaziz Bouteflika. O que teriam conversado esses dois homens? O fato é que, algum tempo depois, aviões franceses sobrevoavam o espaço aéreo argelino, o que teria sido impensável há um mês, para despejar suas bombas sobre os terroristas do Mali.

Belo desempenho diplomático de Hollande. Agora, quando "Os que Assinam com Sangue" fizeram centenas de reféns em In Amenas, o Exército argelino se recusou a negociar com os jihadistas. E atacou. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

Ele, Adalberto - SONIA RACY


O ESTADÃO - 18/01


Adalberto Salgado Júnior, empresário de Juiz de Fora, tem para receber R$ 100 milhões em CDBs emitidos pelo BVA (sob intervenção do BC) à absurda taxa de juros de… 35% ao ano. Sem somar outros papéis em nome de sua mulher e seu advogado – fazendo o crédito com o banco mais que triplicar.

Trata-se do mesmo Adalberto que briga na Justiça com André Esteves para receber R$ 400 milhões em CDBs do Banco Panamericano – pré-fixados a juros um pouco mais modestos, de 25% anuais.

Para se ter uma ideia, hoje, o mercado financeiro paga algo como 8% ao ano.

Ele, Adalberto 2
Se um dos três candidatos atuais conseguir comprar o BVA – evitando, assim, a falência do banco –, levará Salgado Junior de “brinde”.

Na arquibancada
Lula e José Maria Marin, da CBF, almoçam juntos amanhã. Depois, assistem ao jogo do São Bernardo, no Estádio Primeiro de Maio.

Luiz Marinho fez questão de torcida VIP. Além de deputados e prefeitos da região, convidou Aldo Rebelo.

Pataquada?
Quem passa pelo escritório de Gilberto Miranda, na Rua Alemanha (nos Jardins), lê a placa: “Aluga-se”.

Rumores no mercado imobiliário atestam que Pato se interessou pelo imóvel.

Das arábias
E Kassab assinou ontem, em Abu Dhabi, a primeira parceria internacional para o Núcleo de Estudos de Cidades, que está criando na USP.

Foi com o Masdar Institute of Science and Technology.

Mimi e Cocó
Kaká fará tudo que estiver a seu alcance para retornar ao Milan. De olho na seleção, o jogador quer atuar de novo ao lado de Robinho.

Ontem, o meia do Real Madrid comentou foto que Robinho postou no Twitter: “Saudade do meu black brother!”.

Beneficente
Duas surpresas no leilão online do Criança Esperança. O lance mais alto, até ontem, era pelo macacão de Luciano Burti(R$ 3.400), ultrapassando o de Felipe Massa.

Peça mais barata? Cinto da Suelen, de Avenida Brasil: R$ 50.

Primeirão
André Lara Resende será o primeiro autor do selo Portfolio Penguin, de títulos de economia e business da Penguin.

O livro A Propósito do Otimismo trará reunião de artigos do economista sobre o Brasil, a crise de 2008 e macroeconomia.

A ser lançado em abril.

Troca-troca
Paul Walker, colírio de Velozes e Furiosos, estrelará campanha da Colcci – ao lado das modelos Erin Heatherton, Izabel Goulart e Thairine Garcia.

Alessandra Ambrosio deixa, portanto, de ser garota-propaganda da marca. Mas assina a coleção outono/inverno.

Tem de malhar!
Um mês depois de dar à luz a primeira filha, Daniella Cicarelli foi vista correndo, debaixo de temporal, no Ibirapuera.

Em plena segunda-feira.

Na frente
Não é feriado nacional, mas Haddad decidiu: as ciclofaixas de lazer da cidade serão abertas no dia 25, aniversário de São Paulo.

Washington Olivetto comemora. Sua WMcCann foi eleita a “agência mais transformadora de 2012” – dentre as 250 que a McCann tem.

O Projeto Coisa Fina homenageia os compositores Moacir Santos e Laércio de Freitas. Dia 25, no Museu da Casa Brasileira.

Paulo von Poser dá aula na Biblioteca Mário de Andrade. Sábado.

Eliane Goes abre exposição no MuBE. Dia 29.

Após sair do aeroporto – e um segundo antes de o carro cair em gigantesca cratera aberta no asfalto –, conhecido turista leu na enorme placa acima do buraco: “Bem-vindo a Porto Seguro”.

VOO ATRASADO - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 18/01


A Webjet ganhou ação movida por um cliente que chegou ao aeroporto 35 minutos antes de seu voo e foi proibido de embarcar. O passageiro pedia na Justiça o ressarcimento dos R$ 80 que teve de pagar para remarcar o trecho. Uma das alegações era de que, no mesmo dia, seu voo de volta pela mesma companhia atrasou 43 minutos.

VOO ATRASADO 2
A decisão do Juizado Especial Cível (Pequenas Causas) diz que "não é razoável a aplicação dos mesmos critérios com relação a atrasos para as partes. O consumidor deve chegar com antecedência porque há várias etapas para o embarque".

VOO ATRASADO 3
O juizado considera que, para a empresa, há "fatores externos, como tráfego aéreo e condições climáticas, que têm relação com o horário da decolagem".

LÍNGUA DO PÊ
O vereador Marquito (PTB-SP), assistente de palco do "Programa do Ratinho", foi aconselhado pelo presidente estadual do partido, Campos Machado, a não deixar a TV enquanto exerce mandato. Campos, "guru" do político novato, brinca: "Palhaço e político, é tudo com P".

É SHOW
Marquito ainda está à disposição para fazer shows em SP. Cobra cerca de R$ 5.000.

NA TELINHA
Já Netinho, secretário municipal da Igualdade Racial, faz shows esporádicos e pretende lançar DVD em 2014.

SINAL VERMELHO
Restrições ambientais podem levar 9,2% dos empresários a desistir de investimentos em 2013, segundo pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Em 2012, a dificuldade para obter licenciamento ambiental era apontada como obstáculo por 7,5% dos entrevistados. Para 76% deles, a legislação é muito burocrática.

PASTEL DA MADRUGA
O Mercadão de SP ficará aberto na madrugada do dia 24 para o dia 25, como parte das comemorações de seus 80 anos. Haverá queimas de fogos, shows e a participação da bateria da X-9 Paulistana.

TUDO O QUE RELUZ
As consultoras de moda Costanza Pascolato e Ucha Meirelles foram ao hotel Fasano para o lançamento de coleção de acessórios da grife Francesca Romana Diana. A stylist Giovana Refatti também estavam no evento, na tarde de anteontem.

VIRADA À PAULISTA
A sétima Virada Cultural Paulista acontecerá nos dias 25 e 26 de maio. As cidades interessadas em sediar o evento conversarão com a Secretaria de Estado da Cultura nas próximas semanas -no ano passado, 27 municípios participaram.

O RATO ROEU
Agentes da Covisa (Coordenação da Vigilância em Saúde) foram ao prédio do novo escritório do Google, na av. Faria Lima, para vistoriar possível infestação de ratos. Barrados por seguranças, passaram "orientações de manejo ambiental" para evitar foco de roedores e aplicaram "tratamento químico preventivo" em bueiros.

2222 DE MUDANÇA
O camarote Expresso 2222, em Salvador, de Gilberto e Flora Gil, que completa 15 anos neste Carnaval, terá que encontrar novo espaço em 2014. O imóvel ocupado há três anos na avenida Oceânica dará lugar a um prédio.

AS FILHAS DE GIL
E o espaço VIP baiano deste ano contará novamente com o projeto Varanda Elétrica, que anima os convidados e os foliões na rua. Duas filhas de Gil se apresentarão: Preta, na sexta e no sábado, e Nara, com o grupo Afro Bailão, na segunda e na terça.

CURTO-CIRCUITO
Paulo von Poser ministra oficina de desenho na exposição "Mundo Cão", em cartaz na Biblioteca Mário de Andrade, no sábado.

O grupo Mão de Oito se apresenta hoje no Centro Cultural Rio Verde, às 22h. Classificação: 18 anos.

O Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Giovanni Cerri, visita hoje a associação Cruz Verde.

Flávio Renegado convida Bebel Gilberto para show hoje, no Sesc Pinheiros, a partir das 21h. 12 anos.

A peça "Ensaio" abre temporada hoje no teatro Geo, em Pinheiros. 14 anos.

A Bebê Mix inaugurou a loja www.bebemix.com.br.

Djavan lança o álbum "Rua dos Amores" no Credicard Hall, em março.

Secretos salários - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 18/01


Todos os governos têm segredos, que costumam ser de dois tipos: os que são exigência da segurança nacional, e aqueles que, uma vez revelados, deixam em situação insegura quem os guarda e protege.

É possível, para não dizer provável, que estejam no segundo grupo os salários dos diplomatas e outros funcionários que servem ao Itamaraty no exterior. Seis meses atrás, o governo federal revelou quanto ganham os seus servidores no país.

Mas o Ministério das Relações Exteriores não obedeceu às regras do jogo aberto: até hoje não revelou à opinião pública qualquer informação sobre quanto ganha a turma que não é pequena que sua a camisa na certamente exaustiva missão de proteger os interesses oficiais alémfronteiras. Nem alegou motivos para o segredo.

Admitamos que esses motivos existem. Mas é preciso registrar que há dois meses o Tribunal de Contas da União, corretamente empenhado na missão explícita em seu próprio nome, deu prazo de um mês para que o Itamaraty abrisse o jogo. Além disso o que é bastante importante exigiu que os salários acima do teto federal (28 mil reais e uns trocados) fossem colocados embaixo desse teto. Parece uma exigência óbvia, mas o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, alegou que a decisão do TCU não era válida, devido a uma falha técnica não revelada à opinião pública.

No momento, o assunto ainda não tem data marcada para ser discutido no TCU, Pode acontecer na próxima sessão plenária do tribunal, semana que vem, e pode ser colocado discretamente na geladeira. O que não será surpresa.

Está em vigor, desde o ano passado, a Lei de Acesso à Informação, mas ela até agora não vale para dois grupos de funcionários: os que servem à Agência Brasileira de Inteligência, o que obviamente faz sentido, e os funcionários do Itamaraty no exterior o que nem sempre dá para se entender.

Numa tentativa certamente ingênua de explicar o sigilo, podese imaginar que eles ganham muito pouco e não se desejaria expôlos a tentativas de suborno por parte de malévolos agentes de outros países, interessados em conhecer os segredos da diplomacia brasileira. Mas explicações mais sofisticadas ainda não foram oferecidas à opinião pública. É possível que o assunto seja decidido nos tribunais.

A ONG Conectas anunciou que vai recorrer aos tribunais para conhecer a posição da diplomacia brasileira na discussão na Organização dos Estados Americanos sobre direitos humanos. Um pedido de informações ao Itamaraty teve como resposta uma lista de 98 telegramas sobre o tema mas 96 deles não foram revelados, porque isso, segundo o governo, colocaria em risco a posição do Brasil sobre o tema.

É difícil entender tanto segredo sobre um assunto que obviamente exige discussão aberta à opinião

Um avanço importante no rumo da modernização - RICARDO GALUPPO

BRASIL ECONÔMICO - 18/01


Pode parecer pouco, mas não é. Será inaugurada hoje, no município mineiro de Ribeirão das Neves, a primeira penitenciária do país construída no modelo de Parceria Público-Privada. Trata-se, na verdade, da primeira unidade de um complexo que, quando estiver totalmente concluído, abrigará um total de 3.040 presos.

No contrato assinado entre o governo de Minas Gerais e a empresa que venceu a disputa, está previsto o monitoramento dos presidiários com os mais modernos equipamentos eletrônicos de segurança.

Além disso, os presos terão direito a uma consulta psicológica por mês, além de atendimentos médicos e odontológicos a cada dois meses. Estudarão quatro horas por dia e terão uma jornada diária de seis horas de trabalho.

O cumprimento do contrato será acompanhado de perto pelo estado, que manterá consigo a responsabilidade legal pela execução da pena e pela guarda das muralhas e da área externa do presídio. O projeto é extremamente inovador e seu acompanhamento por outros estados poderá estabelecer um paradigma importante.

Para o estado, será uma possibilidade de ter um equipamento moderno e sempre atualizado numa área extremamente sensível. Para a empresa que administrará o presídio, será como se estivesse à frente de um hotel que tivesse 100% de sua lotação completa ao longo de 365 dias por ano.

Ou seja: o negócio parece bom para os dois lados. A inauguração dessa penitenciária pode significar mais um passo na direção da modernização do Estado brasileiro - com a transferência de um serviço que tende a melhorar nas mãos da iniciativa privada.

Historicamente, os governos brasileiros (tanto o federal quanto os estaduais e municipais) têm se mostrado muito mais eficientes como fiscalizadores e aplicadores de sansões por eventuais quebras de contrato do que como gestores e operadores do que quer que seja.

Estradas, aeroportos, hospitais, todo e qualquer tipo de serviço público ganha eficiência quando deixa de ser executado diretamente pelo Estado. Não porque os funcionários públicos sejam menos competentes do que os gestores privados.

A questão é que a lei brasileira cria tantas restrições ao gestor público que é praticamente impossível administrar um botequim ou uma quitanda que esteja submetido ao rigor da Lei 8.666, que regulamenta as licitações e os contratos administrativos.

O problema é que o debate em torno da gestão pública e da gestão empresarial é tão ideologizado (tanto pelos que defendem o modelo privado quanto pelos que defendem o modelo estatal) que as pessoas acabam olhando mais para as consequências do que para as causas do problema.

A Lei 8.666 é um desses diplomas tipicamente brasileiros que foram feitos na tentativa de moralizar e acabaram se transformando em desculpa para a ineficiência e o estímulo à corrupção. Precisa ser mudada. O mais depressa possível.

A face conservadora do Bolsa Família - ROBERTO FREIRE

BRASIL ECONÔMICO - 18/01


Anunciado há dez anos como principal programa do governo Lula para o combate à pobreza no Brasil, o Fome Zero não decolou e acabou sucedido pelo Bolsa Família.

Uma década depois, enquanto as autoridades e os militantes do PT cantam em prosa e verso o sucesso do "maior programa de transferência de renda do mundo", o que se vê em algumas das cidades mais miseráveis do país é que, apesar de as condições de vida terem melhorado, a população pobre não consegue sobreviver dignamente por meio de sua própria renda.

Em Guaribas, no Piauí, onde uma comitiva de ministros de Lula esteve em fevereiro de 2003 prometendo aos moradores que em breve viveriam uma nova realidade, 87% dos 4.401 habitantes são beneficiários do Bolsa Família e não têm outro tipo de renda para o próprio sustento.

Em dez anos, o município avançou nos indicadores sociais, é verdade, mas as condições objetivas de vida da população permanecem precárias. Em Itinga, no norte de Minas Gerais, outra cidade visitada por Lula e seus ministros no início da década passada, a situação atual é igualmente desoladora.

Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, 2.194 das 3.457 famílias registradas no cadastro do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome recebem o Bolsa Família, mas 31% da população do município não sabe ler nem escrever, enquanto 73% das pessoas com 10 anos ou mais não têm nenhuma instrução ou cursou apenas parte do ensino fundamental. A renda per capita, que em 2000 era de R$ 328,52, hoje não passa de R$ 314,81.

Anunciado pelo governo do PT como suprassumo das políticas sociais, o Bolsa Família nada tem de progressista ou verdadeiramente transformador.

Ao contrário: o programa reforça o coronelismo tradicionalmente arraigado em várias regiões do Brasil mais profundo, além de funcionar como escandaloso instrumento eleitoral. Basta constatar que o maior índice dos votos governistas nas últimas eleições esteve concentrado nas regiões mais atendidas.

No pleito de 2010, Dilma Rousseff teve votos suficientes para que fosse eleita já no primeiro turno em nove dos dez estados onde o programa atinge sua maior cobertura.

Ao contrário do que querem fazer crer os áulicos do governo, as críticas à face conservadora do Bolsa Família não partem de uma fantasiosa "mídia golpista" ou da "direita reacionária" - até porque os coronéis estão todos ao lado do governo Dilma, como estiveram com Lula, agora vestidos sob a roupagem de neossocialistas.

Na verdade, é a própria população brasileira que já percebe os problemas estruturais do programa. Segundo dados de estudo recente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 58,9% da população discorda, total ou parcialmente, da afirmação de que o Bolsa Família "tira muita gente da pobreza". Seja em Guaribas, Itinga ou em centenas de outras paupérrimas cidades espalhadas pelo país, o cenário é o mesmo.

Centenas de famílias deixaram a miséria absoluta, mas hoje, sem alternativas concretas, estão condenadas à pobreza inescapável, sustentada pela funcionalidade conservadora de um programa que melhora o presente para, no fundo, deixar tudo rigorosamente igual, comprometendo o futuro.

Ver para crer - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 18/01


O líder do PMDB, Henrique Alves (RN), construiu o apoio, dos aliados e da oposição, à sua candidatura à presidência da Câmara com a promessa de tornar impositiva, até 2014, a execução das emendas individuais ao Orçamento. É antigo o anseio dos deputados de se livrarem do cabresto do Executivo. Henrique reafirmou esse compromisso ontem perante a bancada do Rio.

Royalties: o derradeiro esforço
O deputado Sandro Mabel (GO) faz seu esforço derradeiro para impedir que Eduardo Cunha (RJ) seja eleito líder do PMDB. Mabel tem dito que Cunha usará a liderança para favorecer o Rio no debate sobre a divisão dos royalties do petróleo. Por conta disso, Cunha precisou ter uma conversa pessoal com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), onde sustentou que "defende a posição e que votará com o Rio", mas que, como líder, encaminhará as posições da maioria. O discurso de Mabel não emplacou até agora. Um dos maiores adversários do Rio no debate dos royalties, Marcelo Castro (PMDB-PI), continua sendo um entusiasmado eleitor de Cunha.

“Se as denúncias são fogo amigo ou inimigo, vou servir como bombeiro. A imprensa está fazendo o papel dela”
Henrique Eduardo Alves 
Deputado federal (PMDB-RN)

Está tudo dominado
O atual e o futuro líder do PSDB, Bruno Araújo (PE) e Carlos Sampaio (SP), foram ontem com o vice Michel Temer e o candidato do PMDB a presidente da Câmara, Henrique Alves (RN), visitar o governador Geraldo Alckmin (SP).

O sucessor
Se depender da ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil), na foto, o cargo de secretário-executivo, ocupado por Beto Vasconcelos, que está de saída, será ocupado por Gilson Alceu Bittencourt. Ele é secretário-executivo adjunto, está na Casa Civil desde 2011, e é funcionário de carreira do Ministério da Fazenda.

Mantega: firme e forte
A despeito da pancadaria e da onda especulativa, a presidente Dilma fez questão, durante esta semana, nos contatos com grandes empresários brasileiros e estrangeiros, de manifestar sua total confiança no ministro Guido Mantega (Fazenda).

Rasgando a fantasia
O governador Sérgio Cabral (RJ) aproveitou ontem o discurso em apoio a Henrique Alves (PMDB-RN) a presidente da Câmara para pedir aos peemedebistas fluminenses que votem em Eduardo Cunha (RJ) para líder da bancada. O governador disse que é muito importante ter na liderança do partido, na Câmara, um deputado experiente e que represente o Rio de Janeiro.

Em busca das luzes da ribalta
Ninguém queria. Mas bastou o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) se apresentar como anticandidato à presidência do Senado, para que emergissem dois novos interessados: Pedro Taques (PDT-MT) e Acir Gurgacz (PDT-RO).

Nova igreja
O Itamaraty distribui passaportes diplomáticos a integrantes de igrejas, mas não dá o privilégio aos assistentes de chancelaria, os "achans", que atendem embaixadas mundo afora. Eles estão pensando em criar a "Igreja da Graça Achânica".

Deu no Granma....
Deu no Granma. Grupo de senadores brasileiros, em visita a Cuba, manifestou apoia à luta contra o bloqueio econômico dos Estados Unidos.

Estaca zero - FÁBIO ZAMBELI - PAINEL


FOLHA DE SP - 18/01


Fernando Haddad adiou em pelo menos um ano a desapropriação da área para construção do Piritubão, centro de convenções planejado por Gilberto Kassab para a Expo 2020. O decreto que declarava de utilidade pública o terreno venceu no dia 10 sem que se concretizasse a operação, estimada em R$ 680 milhões. Estudos do governo petista concluíram que o texto, de 2008, traria "insegurança técnica". Optou-se pela edição de novo decreto, o que só poderá ser feito em 2014.

Ampulheta Aliados de Kassab temem que eventual atraso nas obras prejudique a candidatura paulistana à feira mundial, que teria potencial para atrair até 30 milhões de turistas. São Paulo disputa a sede com Esmira (Turquia), Iekaterinburgo (Rússia), Dubai (Emirados Árabes) e Ayutthaya (Tailândia).

Calendário Integrantes do QG de Haddad dizem que o cronograma do centro de convenções não será comprometido e que o Piritubão está "no horizonte de projetos contemplados pelo prefeito".

Inimigo... Petistas e peemedebistas enxergam digitais do líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), em manobras de apoio a Júlio Delgado (PSB-MG). O socialista é rival de Henrique Alves (PMDB-RN), que tem acordo com o PT, na disputa pela presidência da Câmara.

... íntimo Para membros do governo, Chinaglia desejaria fortalecer outro candidato para aumentar as chances de "terceira via", que uniria os dois partidos mais robustos da base governista. "Ele é líder, mas sempre quis voltar à presidência", diz um petista.

Troco Além de Chinaglia, partidários de Delgado afirmam que Odair Cunha (PT-MG) deu garantia de voto ao colega mineiro. O PMDB foi determinante para derrubar seu relatório na CPI do Cachoeira, que terminou esvaziada no ano passado.

Viva-voz Em encontro com Antonio Anastasia, Henrique Alves e outros deputados, anteontem, Humberto Souto (PPS-MG) afirmou que só a reforma política estancaria a "roubalheira generalizada" que começa com o financiamento de campanhas. Constrangido, o peemedebista disse discordar do termo usado pelo ex-ministro.

Tapetão O PSDB protocolará terça-feira no STF ação direta de inconstitucionalidade contra a medida provisória do Orçamento, editada em dezembro. O procedimento, considerado ilegal pela oposição, liberou R$ 42,5 bilhões em créditos extraordinários. A peça orçamentária não passou pelo Congresso.

Veja bem Michel Temer, que se reunirá em fevereiro com o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, afirma que caberá a Dilma Rousseff a palavra final sobre a reabertura das negociações para interromper o embargo à carne brasileira no país europeu.

Brinde Cassado pelo Senado após o escândalo Cachoeira, Demóstenes Torres passa seu tempo livre em restaurantes de luxo de Brasília. Anteontem, o ex-senador do DEM foi visto exibindo estojos com dois espumantes franceses e duas taças.

Sincretismo... Sem Jacques Wagner, o ritual da lavagem das escadarias da Igreja do Bonfim, em Salvador, atraiu ontem quatro pré-candidatos ao governo. Todos queriam aparecer na foto ao lado da primeira-dama Fátima Mendonça e do novo prefeito ACM Neto (DEM).

... do voto Os postulantes à sucessão baiana que aderiram à caminhada religiosa foram Otto Alencar (PSD), vice-governador, Rui Costa (PT), chefe da Casa Civil, Marcelo Nilo (PDT), presidente da Assembleia, e Lídice da Mata (PSB), senadora.

com ANDRÉIA SADI e DANIELA LIMA

tiroteio
É sempre recomendável ouvir quem tem 80% de aprovação popular e foi responsável direto pelo maior salto sócio-econômico do país.

DE JOÃO ANTONIO, secretário paulistano de Relações Governamentais, sobre a reunião de Lula com dez membros da equipe de Fernando Haddad anteontem.

Contraponto

Direito de imagem


Em seminário do MEC anteontem, o norte-americano Salman Khan destacou o uso de esportistas famosos, como LeBron James, astro do Miami Heat, da liga de basquete NBA, como atrativo para seus vídeos didáticos, campeões de acesso na internet em todo o mundo.

-Sempre que você for escolher um esporte para falar com estudante brasileiro, escolha o futebol - sugeriu o ministro Aloizio Mercadante (Educação) ao convidado.

Khan acolheu a ideia e o petista, que torce pelo Santos, logo emendou:

-Use o Neymar então, que é do meu time!

Falha humana - CRISTOVAM BUARQUE

GAZETA DO POVO - RP - 18/01


As autoridades governamentais, inclusive a presidente Dilma Rousseff, têm dito que os recentes cortes de luz decorrem de falhas humanas. Ela tem razão de que cortes sucessivos decorrem de falha humana dos responsáveis pela política no setor. Essa falha se agrava quando os responsáveis não apenas descuidam de suas obrigações, mas também tratam com ironia os alertas dos que tentam evitar o problema. A arrogância das autoridades as leva a relevar as críticas e os alertas. Talvez a maior falha de um governante, depois da corrupção, seja a falta de modéstia e de respeito pelo interesse público que o faz ignorar as críticas, preferindo a bajulação.

Ninguém pode ter certeza de que caminhamos para um apagão, mas isso não dá direito a um governante de ignorar os alertas que estão sendo dados há meses, com base em fatos concretos, a não ser que as autoridades prevejam estagnação do nosso PIB e, em consequência, da demanda por energia. Se o PIB crescer, há possibilidade de a capacidade instalada não atender à demanda ampliada. E essa parece ser a grande falha humana dos dirigentes. Viram que nos últimos anos a economia ia bem e deixaram de ver que ela carregava o risco de não continuar indo bem. Não viram que o aumento fabuloso e positivo no número de passageiros criou recente apagão nos aeroportos, nem perceberam que criou também apagão de mão de obra e de rodovias.

Não ver tudo isso é não perceber a complexidade da dinâmica do sistema econômico, na qual muitas das boas notícias no presente carregam riscos embutidos para o futuro. Da mesma forma que o positivo aumento do PIB tem carregado apagões de energia, de mão de obra, de rodovias, o positivo aumento no número de passageiros criou apagão nos aeroportos. Outros indicadores positivos da economia carregam riscos, se não houver uma gestão estratégica reduzindo metas ou aumentando investimentos estruturais.

O número de turistas brasileiros que hoje compram em Nova York é uma prova da força de nossa moeda. Mas isso não é um indicativo de solidez da economia. Basta lembrar que, há poucos anos, eram os argentinos que compravam nossas praias no Sul, depois os espanhóis e portugueses, no Nordeste. Não ver esse risco é uma grave falha humana. Tão grave que só há uma explicação: satisfazer nossas ilusões com o presente mesmo abandonando o futuro.

A forma como a inflação vem sendo freada, no limite da banda superior da meta, graças ao controle no preço de combustíveis e isenções fiscais sobre bens industriais, vai cobrar um alto preço por causa da falha humana de não prever suas consequên­­cias. Resolver a crise fiscal e sua consequência sobre o superávit por meio de ginásticas contábeis e de uso dos recursos do Fundo Soberano pode enganar por algum tempo, mas a um alto custo adiante pela perda de credibilidade na administração das finanças.

A economia ainda está bem, embora já não tanto quanto alguns anos atrás; mas, quando observamos os riscos futuros, ela não parece que irá ficar bem. Não ver isso é dar razão à presidente quando diz que os apagões são decorrência de erros humanos; do grande erro humano da falta de previsão, de planejamento, de gestão e do adiamento das medidas necessárias para corrigir nossas deficiências – sobretudo a maior das falhas humanas: a arrogância de não ouvir críticas e alertas de quem olha o futuro e não apenas a euforia do presente.

Dilma decide e Mantega fica - CLAUDIA SAFATLE


Valor Econômico - 18/01


Está decidido: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fica no governo. A presidente Dilma Rousseff não pretende ceder às pressões do mercado e da mídia nem às críticas de amigos, como é o caso do ex-ministro Delfim Netto, para que proceda a uma troca no comando da economia. A política econômica é dela. Mantega é o seu executor. O ministro volta das férias segunda feira.

A posição de Mantega ficou mais vulnerável após o anúncio, no último trimestre de 2012, de que a economia não estava se recuperando, apesar da bateria de estímulos acionada pela área econômica e das promessas públicas do ministro da Fazenda. E piorou nas duas últimas semanas em decorrência da desastrosa manobra fiscal do fim do ano para fechar a meta de superávit primário. As críticas atravessaram as fronteiras nacionais, tomando as páginas da "The Economist" e do "Financial Times". Internamente, elas vieram do aliado de primeira hora: o ex-ministro Delfim Netto.

Dilma corre contra o tempo para garantir crescimento em 2013

Se, em algum outro momento, Dilma tiver que substituir Mantega no Ministério da Fazenda, o nome do eventual novo ministro terá que ser avalizado pelo PT.

O ano começou com tremendos desafios para o governo e Dilma corre contra o tempo para virar o jogo, adquirir a confiança do setor real da economia e garantir a retomada dos investimentos, sem o que não haverá crescimento.

Por enquanto, o que se vislumbra é, novamente, mais inflação e menos Produto Interno Bruto (PIB) - combinação mortal para o terceiro ano de gestão da presidente e para a campanha da reeleição em 2014 e que levou o Comitê de Política Monetária (Copom) a registrar bem o seu desconforto.

No comunicado após decidir pela manutenção da Selic em 7,25% ao ano, quarta feira, o comitê mencionou que a inflação "apresentou piora no curto prazo" e a recuperação da atividade tem sido "menos intensa do que o esperado".

A presidente Dilma, conforme previsto em dezembro, ampliou o leque de interlocutores no debate sobre a condução da política tanto macro quanto microeconômica e está conduzindo pessoalmente as conversas com os principais empresários do país.

Ela percebeu que não há ninguém à sua volta que tenha uma boa relação com o setor privado e que se esta não for construída rapidamente, não se chegará a lugar algum. Mais: a presidente está tentando, nesses encontros, identificar e desobstruir os caminhos que, na burocracia, dificultam a operacionalização das políticas para estimular os investimentos privados no país. Por exemplo: nos editais das concessões, se a previsão dos técnicos para a taxa de retorno dos investimentos for muito baixa - como parece ser o caso de algumas rodovias - dificilmente os leilões serão bem-sucedidos.

Há problemas, dificuldades e alguns erros na gestão da área econômica. A desnecessária estripulia para dar um jeito nas contas públicas no finalzinho do ano passado está na categoria do erro.

As duras críticas aos expedientes usados pelo Ministério da Fazenda, feitas pelo ex-ministro Delfim Netto em artigo publicado no Valor esta semana, estimularam assessores da equipe econômica a sugerir uma rediscussão da meta de superávit para este ano. Desde o ano passado Delfim tem mencionado seu incomodo, não propriamente com Mantega, de quem é amigo, mas com alguns "assessores quem têm extrapolado suas áreas de competência", como costuma dizer.

Fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o compromisso para este ano é com um superávit consolidado do setor público de R$ 155,9 bilhões, que equivale a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) projetado para o exercício.

Mantega já admitiu que pode abater desse valor até R$ 25 bilhões de um total de R$ 45,2 bilhões permitidos na lei. Mas numa atitude mais precavida, assessores da Fazenda defendem a redução legal da meta para não haver o risco de ter que se repetir, no fim deste ano, o arranjo feito às pressas em dezembro.

Houve ali quem acreditasse, ingenuamente, que a forma encontrada para cumprir as determinações de superávit da LDO de 2012 - uma operação heterodoxa de troca de ações entre BNDES, Petrobras, Tesouro e Caixa Econômica Federal para engordar a receita de dividendos e o uso de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) para atingir a meta fiscal - nem seria percebida pois as pessoas já estariam, naquele momento, em clima de festa de fim de ano.

Os atos legais para viabilizar as duas operações foram publicados em edição extra do "Diário Oficial" divulgada no início da noite de sexta feira, 28 de dezembro sem qualquer explicação. Junto foi enviado ao Congresso Nacional, o projeto de lei complementar, que prevê a troca do indexador da dívida dos Estados com a União, e nele, a proposta de mudança também do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, pelo qual o governo é obrigado a aumentar a alíquota de um tributo ou cortar gastos na mesma proporção da renúncia fiscal oriunda de uma desoneração. Essa é uma regra de ouro da LRF e se aprovada a alteração, o governo poderá desonerar com base em excesso de arrecadação.

A eventual rediscussão da meta de primário não é simples nem teria efeito apenas para cumprir demandas legais. O tamanho do esforço fiscal está ligado diretamente à redução da dívida pública como proporção do PIB - e, portanto, à percepção de solvência do país - e à margem de redução da taxa básica de juros (Selic). É, assim, um dos principais pilares da política macroeconômica.

Para sustentar a trajetória de queda da relação dívida-PIB não é preciso fazer um superávit primário anual de 3,1% do PIB. Algo entre 1% e 2% seria suficiente.

A questão do Banco Central e dos rumos da política monetária num ambiente de forte expansão do gasto público, porém, é mais complexa. Por essa razão, é muito importante o governo esclarecer com que metas vai trabalhar este ano.