sábado, dezembro 07, 2013

Sincronicidade - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 07/12

Vinicius de Moraes morreu em 9 de julho de 1980, quando Tom Jobim dava uma entrevista, em sua casa, distante do local onde ocorreu o último suspiro do poeta. Naquele exato momento, um cinzeiro, sobre o piano, se quebrou. Assim, de repente. Tom disse para sua mulher: "Vinicius andou por aqui". O poetinha era famoso por derrubar copos e cinzeiros. Esse tipo de epifania tem nome: chama-se sincronicidade. Aquela circunstância que ocorre em dado momento, inexplicável, capaz de modificar a vida, o sentimento ou o momento.
Amigo meu estava num país em guerra civil na Europa. Ele fugia das milícias dos dois lados que não gostavam de jornalistas. Resolveu, certa noite, sair para jantar com outros repórteres. Chegaram à porta do restaurante e, por qualquer razão, alguém não gostou do ambiente. Resolveram comer no concorrente, no outro lado da rua. Minutos depois, o prédio do bar antes escolhido explodiu. Não me sai da cabeça a história do sujeito que estava abastecendo o carro perto do Aeroporto de Congonhas, São Paulo. Foi atropelado e morto pelo avião da TAM que saiu da pista, destruiu o posto de gasolina e o prédio da própria empresa. A vítima sofreu desastre de avião sem ter viajado nele.

São circunstâncias misteriosas da vida. Há quem estude isso a sério. Previno que é quase enlouquecedor, porque é extremamente aleatório. Pode ou não funcionar. Arthur Koestler escreveu livro notável sobre o assunto. Chama-se As razões da coincidência. Os cientistas soviéticos fizeram muitas experiências nessa área, inclusive de transmissão de pensamento entre astronautas. Aparentemente, não chegaram a nenhuma conclusão relevante. Mas sincronicidade acontece. Não pode ser prevista. Apenas percebida.
Diferente é a situação do governo federal. O resultado do terceiro trimestre decepcionou todos os críticos, contra ou a favor, da atual administração. Foi resultado muito ruim. Se tudo correr bem, o Produto Interno Bruto de 2013 andará pela casa de 2%. Número medíocre para um ano de poucos feriadões, de quase nenhuma turbulência política e de dificuldades na economia da Europa, ligeira recuperação nos Estados Unidos e ação decepcionante dos brasileiros. Os empresários recolheram suas fichas e passaram a olhar para mercados mais promissores. A união de duas situações, neste caso, não é sincronicidade, nem coincidência.

Os responsáveis pela ação política e a condução da economia deixaram que os dois planos se encontrassem no pior momento de vida brasileira recente. No primeiro semestre de 2014, além do carnaval ser realizado em março, a etapa final do julgamento do mensalão vai ocorrer no primeiro semestre. Depois a Copa do Mundo, que paralisa o país, e, por último, a eleição geral. Os problemas vão se superpor e não será coincidência nem obra do acaso. Tudo foi criteriosamente planejado por dirigentes que não olharam para o calendário.
O ex-ministro Delfim Netto percebeu, em artigo publicado no jornal Valor, que o superavit nas exportações brasileiras entre 2002 e 2007 foi de US$ 139 bilhões. Entre 2008 e 2013, o que era lucro virou o assombroso deficit de US$ 136 bilhões. Ou seja, a demanda externa se reduziu em US$ 275 bilhões. O empresário não possui nenhuma razão para arriscar seu dinheiro em um mercado que admitiu uma virada desse porte e com essa rapidez. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, mantém seu habitual padrão. Diz que tudo vai melhorar. Pena que a realidade insista em desmentir Sua Excelência.

O eleitor vai votar em 5 de outubro de 2014 depois de ter passado por fortes emoções. Ninguém duvida de que as manifestações vão retornar às ruas, porque pouco foi feito para melhorar a mobilidade urbana. Também a reforma política ficou esquecida em alguma gaveta e nada mudou na dimensão dos protestos de junho passado. Então, eles vão ocorrer de novo. Se o Brasil ganhar a Copa, a presidente Dilma poderá levantar a taça. Se perder, melhor não falar nisso. O mau humor será profundo e contagioso.
Os acionistas da Petrobras não estão nada satisfeitos com a política de tarifas praticada pela empresa sob o guante do governo federal. E as medidas de estímulo na economia norte-americana vão acabar por decisão do Federal Reserve. Isso tudo vai se somar ao caldeirão de paixões no segundo semestre. As pesquisas de opinião pública, realizadas nestes dias, fotografam o momento, mas pouco auxiliam na difícil tarefa de desvendar o futuro.

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