domingo, dezembro 15, 2013

O germe de uma revolução - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 15/12
Quando o dinheiro fala, o som costuma ser ensurdecedor. Dos R$ 6 bilhões arrecadados pelos candidatos na última eleição nacional, cerca de 95% vieram de 1.900 pessoas jurídicas. Elas podem doar até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao do pleito. Sem essa dinheirama, os políticos nem em sonho teriam como custear as extravagantes campanhas encenadas a cada disputa no impropriamente chamado horário gratuito - porque o contribuinte, afinal, é quem arca com o preço do tempo cobrado pelas emissoras de rádio e de TV. Calcula-se que, para ter chances reais nas urnas, um candidato a deputado federal precisa desembolsar, em média, R$ 1 milhão. A senador, R$ 4,5 milhões. A governador, R$ 23 milhões. A presidente da República, R$ 300 milhões. E quanto maior o dispêndio, maior a probabilidade de êxito.
Mais importante ainda, calcula-se que, para cada R$ 1 doado por uma empresa, ela terá um retorno 8,5 vezes maior, sob a forma de contratos obtidos com os governos que ajudou a eleger - razão por que as empreiteiras lideram com folga as listas de financiadores agrupados por setor. Doação, portanto, é eufemismo. É de investimento que se trata. Tudo isso produz uma deturpação grotesca do princípio da igualdade de oportunidades eleitorais para votantes e votados, almejada pela legislação, como requisito da representatividade que se espera do Congresso, Assem-bleias e Câmaras e da legitimidade dos governantes - uma coisa e outra,por sua vez, indispensáveis ao sistema democrático. Agora, pela primeira vez, surge uma perspectiva de ruptura daquele círculo vicioso.

Na quarta-feira passada, o Supremo tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação impetrada em 2011 pela OAB para extinguir o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas - e a tendência da Corte é alentadora. A argumentação dos advogados, encampada pelo relator da matéria, Ministro Luiz Fux, se baseia na premissa irrefutável de que empresas não votam; só pessoas. Se não votam, não podem se intrometer no processo eleitoral - preservado o seu direito, como o de qualquer outra organização ou entidade, de promover os seus interesses nas instituições políticas. Joaquim Barbosa, o presidente do STF, destacou outra inconstitucionalidade na regra enfim contestada: a sua "influência nefasta, perniciosa, no resultado do pleito", além de "comprometer seriamente" a independência dos eleitos. É, resumiu, o infame "toma lá dá cá".

Se a maioria dos ministros acompanhar os votos já proferidos, como bem poderá acontecer, acabará, também por inconstitucional, o porcentual dos rendimentos de pessoas físicas passíveis de doação a políticos (até 10%). De fato, 10% dos rendimentos de um empreiteiro milionário são uma fortuna perto da mesma parcela dos ganhos de seu motorista. A regra, em suma, consagra a desigualdade entre os eleitores. A proposta é que, em lugar de uma porcentagem, se adote um teto, em reais, compatível com o perfil da renda dos eleitores. Poderia ser um salário mínimo (R$ 678, atualmente). Se prevalecer o parecer do relator Fux, o Congresso terá dois anos para implementar as mudanças. Se não o fizer, a questão será regulada pela Justiça Eleitoral. (Para Barbosa, as novas normas entrariam em vigor tão logo publicado o acórdão do. julgamento.)
Os políticos - que devem os seus mandatos à "bondade de estranhos" - acusaram o STF de usurpar as suas funções e ameaçaram retaliar. Não consta que o exame da constitucionalidade das leis esteja entre as atribuições dos congressistas ou, como há quem sugira vingativamente, que as decisões do Tribunal nesse campo sejam referendadas por eles. Agitam ainda o espectro da proliferação de doações ilícitas (caixa 2), se as lícitas deixarem de sê-lo. Balela. Basta endurecer as punições aos transgressores, "promovendo" o caixa 2 de infração eleitoral a crime capitulado no Código Penal. Os brasileiros só têm a ganhar com o veto a contribuições eleitorais de empresas. A medida contém o germe de uma revolução cultural na disputa pelo voto, com menos influência do poder econômico, menos propaganda enganosa na TV - e mais respeito pela inteligência do eleitor.

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