quinta-feira, dezembro 26, 2013

Notícias da Famiglia Gatto - CORA RÓNAI

O GLOBO - 26/12

Siameses sabem que são donos dos donos e tiram proveito disso, sem vergonha


Sempre houve siameses na Famiglia Gatto. Como sabem todos que já tiveram a sorte de conviver com um deles, os siameses têm um jeito todo especial de ser: são conversadores, possessivos, carinhosos, neuróticos, autoconfiantes, coleiros, curiosos, mandões. Eles sabem que são donos dos donos e tiram o maior proveito possível disso, sem um pingo de vergonha nos bigodes.

Quando Old Man Lucas morreu, em maio passado, fiquei muito mal. Muitos casamentos não duram o que durou a nossa relação de 16 anos. Nós nos entendíamos, aliás, como os velhos casais — ninguém precisava dizer ou miar nada, bastava nos olharmos para saber o que um ou outro queria. Comentei então com a Bia que precisava de outro siamês; ela entrou em contato com todas as nossas amigas que cuidam de gatinhos, pôs mensagens na rede, e nada. Não havia um único siamês disponível no Rio.

A busca foi interrompida com a chegada inesperada da Frida Gahto, que a Bia encontrou na rua ainda bebê, entre a vida e a morte, depois de ser destruída por um chute. Me prontifiquei a dar lar temporário à bichinha e a cuidar dela entre uma cirurgia e outra, até que ficasse boa e encontrássemos um lar para ela — mas “lar temporário”, aqui em casa, costuma ser sinônimo de “para sempre”. E assim a ideia de um novo siamesinho foi arquivada.

Eis que, um dia, minha sobrinha Ju me mandou o anúncio de dois irmãozinhos para adoção. Eram tão bonitinhos! Faziam parte de uma ninhada de cinco. Seus três irmãos, branquinhos, já haviam encontrado famílias bacanas; eles ainda estavam na fila. Não que faltassem candidatos. Faltavam candidatos bons: doar siamês é arriscado, me explicou Christianne Duarte, da Quatro Patinhas, porque muita gente os pega pelas razões erradas, seja porque são “de raça” e dão status, seja para pô-los para procriar e fazer comércio.

Quando fui à clínica onde estavam provisoriamente hospedados, os dois brincavam um com o outro, no fundo de uma gaiola, e não me deram bola. Abri a portinhola, chamei, tentei atraí-los mexendo com um pedacinho de papel. Nada. Os irmãozinhos não queriam papo. Que decepção! Eles tinham todo o jeito de siameses no visual, mas não no temperamento. Além disso, eu acredito em amor à primeira vista.

— É assim mesmo, — disse a Christianne. — Eles estão estranhando, depois se acostumam…

Mas percebi que ela percebeu o meu desapontamento; e não senti muita firmeza no que ela disse — acho que nem ela, coitada! — até porque, naquela sala mesmo, havia vários outros gatinhos que nunca tinham me visto antes, e espichavam as patinhas pelas grades, miando, loucos para brincar comigo.

Que fazer? Adotar por adotar não fazia sentido. Com sete gatos, eu já tinha mais gatos do que o bom senso recomenda. Iria a oito por extravagância, se encontrasse um bichinho com a personalidade que estava procurando. Olhei para um, olhei para o outro… Um, com os olhos mais escuros, era levemente mais saidinho do que o outro. E decidi que o traria comigo para casa, mas só a título de experiência. Dei tchau para a Christianne como quem diz até logo.

A Famiglia o recebeu catatônica. Os gatos não acreditavam no que viam: como assim, mais um gato?! E uma porcaria pequena, ainda por cima?! Mas onde iríamos parar?! O siamesinho manifestou apenas um interesse muito vago pelos grandões, e saiu trotando pela casa explorando os ambientes, cheio de atitude, com o rabinho espetado para o alto. Naquela noite mesmo descobriu como subir na minha cama e dormiu colado ao meu travesseiro, ronronando altíssimo. Em consequência disso, durante três ou quatro dias os outros recusaram-se a dormir na mesma cama, “contaminada” com o cheiro do recém-chegado, e me cobriram de gelo e desprezo.

Também rosnaram e fizeram fu! para o Tobias, mas como ele não se deixa intimidar por nada, acabaram desistindo. Hoje, passados dois meses, ele está inteiramente integrado à Famiglia Gatto. Brinca com o Toró, com a Flor, com a Frida e com o Fonseca; foi meio que adotado pela Lolinha; e irrita o pobre do Tiziu, que só quer paz e sossego. Matilda detesta o Tobias, mas isso é normal, já que ela detesta gatos.

Tobias só tem dois tempos: ON e OFF. Ou está elétrico inventando bobagens e correndo feito um doido, ou está desmaiado, de preferência no meu colo ou perto de mim. Tudo é brinquedo para ele. Adora comida, e ainda não descobriu o que significa ser carnívoro. Come melancia, mamão, alface, abacaxi, feijão, papel toalha, macarrão e sorvete. Bebe leite, suco de maracujá e de laranja. Teve taquicardia quando provou atum pela primeira vez, e ficou rouco de miar quando sentiu cheiro de presunto de Parma. Já se espantou com o gelo e já queimou a língua com sopa.

Uma das melhores coisas da integração do Tobias à Famiglia foi perceber que, a partir da sua chegada, Frida Gahto voltou a brincar. Ela sofreu tanto quando bebê que se esqueceu do que era isso. A partir da observação do recém-chegado, contudo, descobriu de novo para que serve uma bolinha, e inventou um jogo com que se distrai durante horas: pega um ratinho de pano pelo rabo, joga para o alto com a boca e agarra com as patinhas antes que chegue ao chão. Ela voltou, enfim, a ser um animalzinho feliz.

Quem descobriu o nome do Tobias foi a Mamãe.

E, para fechar o ano, uma linda notícia da Lagoa: o casalzinho de capivaras teve três filhotes, um mais bonitinho do que o outro! Que tenham uma vida longa e feliz.

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