segunda-feira, dezembro 23, 2013

No país da Copa - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 23/12

Lamento que as vésperas do Natal, em vez de inspirar-me nele, tenha tido de escrever sobre temas tão ingratos



Se há um dado que se tem expandido entre nós é o protagonizado pela violência. As manifestações populares, grandes ou pequenas, tradicionalmente, terminam em passeatas ou coisa parecida. Agora, parece que devam ser concluídas com atos concretos de agressão ou dano; uma vitrina quebrada é uma conclusão digna de um tipo, como o incêndio de um veículo compõe excentricidade apropriada ao desfecho de outro. A partir daí, tudo pode acontecer. Mas, se me ocupo deste fato é porque vi com meus olhos o termo de um jogo de futebol, quando número apreciável de pessoas ocupavam as bancadas da assistência e se convertia com convulsão de alta belicosidade; as cenas que a televisão perpetuou e veio a mostrar com rigorosa objetividade; cabeças humanas pisoteadas com requintes de selvageria. Ora, quem vai assistir a uma disputa sabe de antemão que o seu clube pode ganhar, empatar ou perder. Sempre ouvi falar em espírito esportivo, mas nunca em conflito rude e isso tem acontecido, foi documentado e divulgado pela televisão. Mas são esportistas ou torcedores, são grupos de marginais ocultos sob a camisa de times. O fenômeno não é apenas extremamente nocivo, mas até perigoso, porque envolve multidões e se sabe do que são capazes as multidões.
Este o fato que, se não estou em erro tende a generalizar-se, talvez por preparo de grupos para este fim. E isso me parece perigoso porque a violência tolerada não cessa de propagar-se, de concessão em concessão, pode chegar ao insuportável. De mais a mais, as sanções adotadas tem sido ineptas. Em um caso o agressor foi condenado a pagar uma cesta básica e em outra situação, um agente do Ministério Público proibiu (sic) que a polícia entrasse nos estádios…
Outrossim, proibir o acesso dos agressores é praticamente inviável, dado que a massa humana que sai de casa para assistir o espetáculo esportivo, não há como se identificar pessoa por pessoa, que comparece com sua carteira ou entrada.
As cenas degradantes que assistimos no estádio de futebol são uma forma de reprodução do que vemos fora dele. Autores de furtos e agressões raramente são detidos e quando o são, logo ganham as ruas e ficam liberados. As penas de pagar cestas básicas são cômodas para quem as aplicam, mas tornam-se um convite a delinquir. A reincidência dos delitos é a prova da ineficiência do aparato repressor do Estado, que transforma os cidadãos em vítimas potenciais, vivendo acuados em casas gradeadas. A população está encarcerada, enquanto os infratores estão à solta.
De concessão em concessão chegou-se a uma legislação ineficaz que resultou no triunfo da impunidade. A barbárie vista em Joinville é irmã do que assistimos nas ruas. Isso não é bom, e para não ficar pior, é preciso enfrentar o flagelo.
Lamento que as vésperas do Natal, em vez de inspirar-me nele, tenha tido de escrever sobre temas tão ingratos, mas isso revela quanto me feriram os sucessos mencionados. Espero sinceramente não tenha que desculpar-me outra vez pelos temas escolhidos nas vésperas do Natal e também de outras datas santificadas.
Para encerrar, eu me pergunto qual a impressão que eles despertam naqueles que em todo o mundo, procuram propagar as excelências dos esportes, quando na sede geográfica da próxima Copa do Mundo se assista cenas sub-humanas, exatamente no mais popular e enraizado esporte brasileiro.

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