segunda-feira, dezembro 02, 2013

Já é natal na venezuela - PAULO DELGADO

O GLOBO - 02/12

Com o objetivo de derrotar a amargura e certo de que ninguém poderá com a gente, ninguém poderá com a felicidade e o direito à paz, ninguém poderá com o nosso direito de ter um bom Ano Novo , o presidente da Venezuela, acompanhado dos membros do Vice-Ministério para a Suprema Felicidade Social do Povo, abriu a Feira Natalina Socialista de Caracas, assinou decreto e antecipou o Natal. O Estado-juiz não precisa de fundamento histórico ou jurídico para nenhuma decisão.

É cada vez maior o abismo entre o imediatismo da política e os interesses de longo prazo da sociedade. No horizonte de muitos governos populares estão sofismas e manipulações como forma de contornar escolhas duras para evitar o risco de colapso econômico e social de seus países. E têm levado para o ambiente político da esquerda um desalento teórico tão profundo que chegamos ao fato de não haver mais qualquer fundamento substancial para o conjunto de ações, decisões, práticas e pensamentos poderem, sincera e realisticamente, ser designados pelo nome de esquerda .

O princípio expresso na Declaração de Independência dos Estados Unidos em 1776 de que é um valor fundamental dos indivíduos o direito de buscar a felicidade começa a virar moda mais de 200 anos depois. No Butão, um reino de monges budistas encalacrado no Himalaia com a nobre função geopolítica de impedir atritos entre a China e a Índia, a referência ao Produto Interno Bruto (PIB) foi colocada de lado e nasceu triunfante o índice da Felicidade Interna Bruta para analisar o desenvolvimento do país. Recentemente, contudo, seu novo primeiro-ministro, Tshering Tobgay, admitiu que uma ênfase exagerada nessa mensuração da felicidade se tornou uma distração que tem deixado graves problemas passarem despercebidos.

A ONU, essa sonolenta estatal transnacional, também faz seu esforço na corrida para os valores subjetivos . E assim quer demonstrar que a entidade tem outros objetivos principais além de durar. Através de resoluções como a 65/309, embarca, ambígua e modernosa, nessa empreitada para calcular de forma mágica o progresso. Nesse armazém geral da ideologia estatista o mais puro consumismo capitalista tornou-se o caminho para o socialismo.

A sociedade humana tem muito pouco a ganhar com a ação alucinatória da política sobre o sonho das pessoas. A hipermodernidade do discurso do distributivismo e da bondade não pode servir para dar aos governos a função de cuidar da felicidade. Salvo para conceder privilégio dos que têm a felicidade de ajudar o governo nessa busca.

Na Venezuela, o Natal é um dos mais alegres e fervorosos do mundo cristão. As crianças vão para a primeira missa do dia 25 de patins e lotam as ruas em divertidas manobras. Pelo caminho os que levantaram mais cedo chamam os outros que tiveram o cuidado de amarrarem no dedão do pé um pedaço de barbante que é posto para fora da janela da casa para ser puxado pelos madrugadores e assim acordar os preguiçosos.

Os critérios da política não servem para tudo na vida. Como fervor religioso, servem como doença.

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