domingo, dezembro 22, 2013

Haddad, o acossado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/12

Prefeito enfrenta conjunção de desastres novos e antigos, mas sua política destrambelhada não ajuda


O PRIMEIRO ANO do prefeito de São Paulo foi o de uma conjunção azarada de astros sociais, econômicos e políticos.

Problemas urbanos agravados em meio século tornaram-se críticos na fase recente de crescimento do Brasil; foram detonadores dos protestos que explodiram em São Paulo.

A aversão crescente ao PT de parte da sociedade, a lentidão da economia e a eleição próxima ainda deterioraram o ambiente. Não bastasse tal conjuntura, Fernando Haddad estranhamente parece não perceber o bombardeio cruzado em que está metido, fazendo política destrambelhada.

As bombas explodem agora, mas faz tempo que São Paulo é um desastre social e urbanístico, um entulho do crescimento selvagem do Brasil "desenvolvimentista", pós-1950. A cidade atraiu massas de miseráveis largados sem terra, pão, paz ou escola, que preferiam uma vida paulistana horrível à vida indescritível nos sertões.

Os que não foram empilhados de pronto na periferia para lá foram expulsos em décadas de "limpeza étnica". Além de longe, a periferia não tem base econômica, saúde, lazer ou trabalho bastante.

A massa de gente tem de ser carregada "de lá longe", num plano urbanístico feito de modo reacio- nário e ignorante, sem vias ou meios de transporte pensados de modo democrático.

A cidade faliu de vez em termos urbanísticos e financeiros com o efeito acumulado do malufismo e agregados, que ocuparam a prefeitura por quase um terço do tempo desde os anos 1970, e com a crise do crescimento brasileiro.

Não precisava muito para a infraestrutura implodir. Uns poucos anos de crescimento sem investimento e de consumo abusivo de automóveis (e não só) tornaram a vida insuportável para gente "de cá" e "de lá longe". A cidade para.

A arteriosclerose ocorre num corpo já apodrecido de violência e desigualdade dessa cidade onde jantares de dois casais do centro rico custam facilmente um salário mínimo, para ficar numa evidência vulgar das iniquidades. É muita tensão.

São Paulo mal pode investir porque faliu ao final dos anos 1990, em parte por fazer obras viárias superfaturadas para acomodar o empilhamento imobiliário desregulado no centro rico, política que durante décadas teve o voto reacionário da elite paulistana.

Nessa situação de falência múltipla de órgãos, de cidade dividida e com adversários político-econômicos fortes, Haddad "não se tocou". Dá murro em ponta de faca.

Foi derrotado pelas "ruas" no caso da tarifa do transporte, vitória de Pirro das ruas, irracional. Mas não tinha plano para reformar logo o péssimo e mal explicado serviço de transportes (nem o pouco falado serviço do lixo).

Haddad não soube negociar, explicar e dosar a alta do IPTU em tempos de fastio do PT, de economia lerda, de custo em alta para empresas e de eleição próxima.

Bem formado e rara promessa de político jovem democrata, o prefeito não nasceu ontem na política, mas parece. Embora lhe falte a útil experiência parlamentar, passou anos em Brasília. Não deve fazer política-politiqueira, claro. Mas não mostrou habilidade para negociar acordos realistas nem ainda apresentou políticas de fundo para ônibus, saúde ou escola a fim de legitimar seus planos financeiros e tributários.

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