quinta-feira, dezembro 12, 2013

Esporte e identidade - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 11/12

Em 1994, Nelson Mandela tornou-se presidente de uma ainda problemática África do Sul. No ano seguinte, 1995, o país sediaria pela primeira vez a Copa Mundial de Rúgbi, conhecido como um esporte de brancos – tanto que a população negra sul-africana torcia contra sua própria seleção. Mandela percebeu que o evento poderia se tornar um importante aliado no processo de fim do apartheid e consequente pacificação da nação. Dedicou-se de corpo e alma a fazer com que a fraca seleção de seu país conquistasse o título, empurrada por negros e brancos unidos por patriotismo – uma utopia, na época.

O diretor de cinema Clint Eastwood contou essa história no filme Invictus, com Morgan Freeman no papel de Mandela. A epopeia teve um final feliz, bem ao gosto de Hollywood, com a vantagem de ter sido real: a seleção da África do Sul, pela primeira vez, sagrou-se campeã mundial de rúgbi, e a sabedoria de Mandela tornou-se ainda mais evidente ao conseguir unificar o país através do grito de uma torcida finalmente coesa.

Quando o filme estreou no Brasil, em 2009, Bernardo Buarque de Holanda escreveu uma resenha em que disse: “Estádios funcionam como uma caixa de ressonância por intermédio dos quais se exprimem, de alguma maneira ou em algum grau, as tensões constitutivas da sociedade a que pertencem”. Isso porque o esporte e a política sempre mantiveram laços.

Muitos ditadores usaram o esporte para impor a soberania de um povo sobre o outro, de uma raça sobre a outra, porém Mandela entendeu que o poder do esporte estava justamente em eliminar diferenças, agregando a população em torno de um único e salutar propósito. Fundou uma nova identidade nacional, minimizando as tensões advindas de brigas sem sentido e trocando-as por vidas com sentido.

No momento em que estamos de luto pela morte desse que foi um dos maiores humanistas do planeta, lamento que sua mensagem de paz não tenha se expandido até aqui. A julgar pelas cenas de demência vistas nas arquibancadas do jogo entre Vasco e Atlético-PR, seria preciso três dúzias de líderes com o poder de persuasão de Mandela para inibir brutamontes que chegaram a um nível de estupidez e ignorância alarmante, lesando nossa autoestima.

O que os leva a agir de forma tão extremada diante de um inimigo imaginário? A que ponto chega a provocação de uma torcida a outra para que o senso crítico seja totalmente banido e a selvageria se imponha? E, em termos menos filosóficos e mais práticos: por que não se resolve de vez a questão do policiamento nos estádios e não se punem rigorosamente esses animais?

Dias atrás o tabloide britânico Daily Mail publicou uma reportagem boba em que demonstrava preocupação com a possibilidade de a seleção inglesa ter que deparar com jacarés circulando pelas ruas de Manaus. Jacaré não é nada, gringos.

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