sábado, dezembro 07, 2013

Enem, um retrato desfocado da educação - PEDRO FLEXA RIBEIRO

O GLOBO - 07/12

O boletim não diz o que os alunos acertaram em Física e o que erraram em Química. Ou estaria o problema em Biologia?



O fim do ano letivo é a ocasião em que as escolas costumam fazer o planejamento para o ano seguinte. É a hora de avaliar o trabalho que foi feito e definir ajustes e correções de rota.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) apura o desempenho dos alunos em várias áreas do conhecimento. Partindo do pressuposto de que as provas que constituem o exame de fato abrangem os conteúdos e competências relevantes e necessários, as informações apuradas seriam, em tese, muito úteis para a melhoria do trabalho feito em cada escola. As sucessivas edições do Enem dotaram o MEC/Inep de um grande banco de dados, que teria grande utilidade para o planejamento a ser feito na virada do ano letivo.

As informações trariam a radiografia detalhada de como se saíram os alunos em cada questão da prova. Elas ofereceriam ao planejamento interno e para o trabalho do professor a informação exata acerca de que questões os seus alunos erraram em cada prova. Isso revelaria o que, afinal, os alunos deixaram de aprender. Ficariam claros para cada escola os pontos do programa e do conteúdo a serem reforçados. Dessa forma, o Enem traria consequências efetivas para a sala de aula e contribuiria para a melhoria da qualidade do ensino. Isso justificaria todo o grande investimento que a sociedade brasileira tem feito ano a ano, a cada edição do exame.

No entanto, não é o que ocorre. O boletim oficial do Inep não discrimina os erros e acertos em cada questão da prova. O documento indica apenas a distribuição das frequências de acertos em cada faixa de desempenho. Revela, por exemplo, para uma determinada escola, que na prova de ciências da natureza 65% dos seus alunos situam-se na faixa de desempenho que vai de 300 a 400 pontos e os outros 35% dos alunos tiveram acertos entre 400 e 500 pontos.

Sendo a prova por área do conhecimento, suas questões abrangem conteúdos de diferentes disciplinas: Física, Química e Biologia. O boletim não diz o que os alunos acertaram em Física e o que erraram em Química. Ou estaria o problema em Biologia? Que intervenções fazer para que na próxima edição do exame os alunos estejam concentrados em faixas superiores de desempenho? Que providências tomar? O mesmo se dá com a prova de Ciência Sociais, que reúne quatro disciplinas: que programa deveria ser ajustado? O de Filosofia ou o de Geografia? O que recomendar ao professor de Sociologia?

Tal como é divulgado para as escolas, o boletim dá apenas uma visão geral, mas não permite que se efetive a avaliação pretendida. As escolas ficam sem saber que conteúdos ou competências não foram suficientemente aprendidos pelos estudantes. Não se sabe em quê, exatamente, se deveria investir para melhorar. O boletim traz informações insuficientes que não sugerem ao coordenador pedagógico qualquer correção de rumo ou recomendação de ajuste a ser feita aos professores.

Há também que considerar o inconveniente das defasagens de prazos: o passar do tempo faz esvair a utilidade das informações. Os resultados recentemente divulgados são referentes ainda ao Enem de 2012. O mês de dezembro chegou, já se está planejando o ano letivo de 2014. Uma vez instalado o ano letivo, as informações detalhadas só seriam consideradas no planejamento para 2015...

Compreende-se que o trabalho de consolidação dos microdados seja complexo e demorado. Mas, uma vez pronto, deve lhes ser dado um uso que justifique todo o investimento feito. A expansão quantitativa do exame deve ser acompanhada do cuidado em fazer com que as informações cheguem às escolas devidamente detalhadas e a tempo. Afinal, supostamente constituem um patrimônio, propriedade de toda a sociedade brasileira.

Ano a ano, a publicação dos rankings com as médias induz às comparações entre desempenhos de redes e instituições. De modo geral apenas confirma um cenário já conhecido. Esse uso reduz o Enem a uma espécie de torneio anual das escolas. Isso vem desviando o foco daquela que deveria ser a principal questão. O que caberia colocar em pauta é o fato de que, tal como são divulgados, os resultados do Enem ainda não possibilitam que deles se extraiam consequências que tenham efetivo impacto sobre o ensino nem sobre o aprendizado dos alunos. As escolas de todo o país — tanto as particulares quanto as da rede pública — permanecem sem acesso às informações que, supostamente, possibilitariam a melhoria da qualidade do trabalho que fazem no Ensino Médio.

Dezembro chegou, é hora de planejar ajustes para 2014. Ou as escolas precisarão ainda aguardar até 2015?

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