quarta-feira, dezembro 11, 2013

A verdadeira causa da crise de municípios - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 11/12

Prefeitos fazem bem ao cortar gastos, inclusive de pessoal, para se enquadrar na Lei Fiscal. Mas, na verdade, muitas prefeituras foram criadas sem qualquer viabilidade



Na federação brasileira reconfigurada pela redemocratização, a partir da Constituição de 1988, caberia ao município um papel-chave na descentralização da prestação dos serviços públicos. A União, tornada pela ditadura centro único de poder e, por decorrência, polo aglutinador da arrecadação tributária, repassaria funções e garantiria os recursos necessários para estados e municípios se desincumbirem delas.

Não foi o que aconteceu. O Executivo federal transferiu a prestação de serviços, mas, por meio do artifício das contribuições — as quais o Planalto não precisa compartilhar com o resto da federação —, recompôs com sobras suas finanças, sem distribuir na federação a arrecadação feita alegadamente para financiar Saúde, Educação, gastos sociais, enfim. Foi assim com a CPMF, extinta, e continua sendo com o Finsocial etc.

Prefeitos sempre formaram grande bancada ávida por dinheiro do Tesouro. Agora, reclamam que perdem com a política de desonerações de impostos federais (IPI) executada nos últimos tempos pela União. Como os fundos de participação captam menos, em função do corte de alíquotas do IPI, cai o fluxo desse dinheiro “carimbado” que sustenta a grande maioria das prefeituras. Esta é a grande distorção. Muitos prefeitos, noticiou ontem O GLOBO, têm feito cortes de gastos, inclusive de pessoal (servidores sem estabilidade), para se manter dentro dos parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal. Agem com acerto.

Mas erra quem procura responsabilizar a União por todas as agruras municipais. Na verdade, há muitos municípios que, por não terem viabilidade fiscal — não arrecadam sequer o mínimo para bancar o custo da máquina administrativa —, dependem apenas desta “mesada” do fundo de participações, dinheiro federal e estadual. Algo como uma “Bolsa Município”.

A proliferação de novos municípios pós-Carta de 88, quando caciques regionais aproveitaram uma legislação frouxa e espalharam prefeituras pelo país para atender a projetos clientelistas e patrimonialistas, foi contida na década de 90; porém chegaram a ser fundadas mais de mil prefeituras.

Há pouco, a presidente Dilma teve a clarividência de vetar projeto de lei do Senado que restaurava em parte a facilidade na fundação de municípios. Em ano eleitoral, uma farra. O movimento pela mudança estimava a possibilidade de 188 prefeituras adicionais — a se somar às 5.570 atuais.

Mas nota técnica do Ipea, de Adolfo Sachsida, Leonardo Monasterio e Isaac Lima, conclui, com base numa amostra de estados, que poderiam ser emancipados não 188, mas no mínimo 363 municípios, quase o dobro do estimado. Resumo: mais prefeituras sem viabilidade fiscal, a viver dos repasses federais e estaduais. Além do problema de se constituírem em sério obstáculo a uma verdadeira reforma tributária que possa reduzir a pesada carga geral de impostos.

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