quarta-feira, novembro 27, 2013

Um cheiro de Munique em Genebra - ELIO GASPARI

O GLOBO - 27/11

O acerto das seis potências com o Irã arrisca resultar na bomba dos aiatolás ou numa guerra com Israel



O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, classificou de “erro histórico” o acordo que deu ao Irã seis meses para que se comprove o congelamento de seu programa de construção de uma bomba atômica, oferecendo-lhe em troca uma suave suspensão das sanções impostas à sua economia. Teatral, durão, ingênuo manipulador do lobby de Israel nos Estados Unidos, Netanyahu encarna as mudanças ideológicas e demográficas ocorridas em seu país. Falta-lhe a densidade moral que, faz tempo, tiveram muitos de seus antecessores. O paralelo com a paz obtida em Munique pelo primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain depois de conversar com Hitler, em setembro de 1938, vem de Ari Shavit, um respeitado jornalista israelense. Ele é o autor do melhor livro publicado nos últimos anos sobre os dilemas de seu país (“My promised land”, ou “Minha terra prometida”). Ao contrário de Netanyahu, Shavit é um pacifista moderado, crítico da política de ocupação de terras palestinas e do comportamento do Estado judeu nessas áreas.

Seu argumento é simples: assim como o acordo de Munique não impediu que um ano depois a Alemanha invadisse a Polônia, a moratória não parará a bomba iraniana. Deixando-se de lado o valor da palavra de Hitler em Munique, Israel empenhou a sua dezenas de vezes, garantindo que não fabricaria uma bomba a partir do seu reator de Dimona. Ao contrário do Irã, que está a um passo de montar o artefato, nos anos 50 Israel nem isso tinha. Iludiu sucessivas missões de inspetores americanos e, em 1967, montou sua primeira bomba.

Não é Shavit quem diz, mas, se depois do acordo de Genebra não prosperar um dificílimo processo de reconhecimento de Israel pelos árabes, necessariamente acompanhado por uma clara definição das fronteiras do Estado Judeu, vem aí uma guerra. É certo que Washington jogará na mesa a carta da desnuclearização do Oriente Médio. Nesse caso, o Irã (mais a Arábia Saudita, o Egito e a Turquia) suspenderiam seus projetos e Israel entrega suas bombas (dezenas). Sem um acordo mais específico, no dia seguinte começa-se a planejar a retomada de Jerusalém.

Até as pedras sabem que Barack Obama detesta — com razão — o governante israelense, mas Shavit mostra que o descaso das potências ocidentais diante da bomba iraniana não é coisa só dele. A responsabilidade deve ir também para dois outros presidentes americanos, três governantes israelenses e mais uma dúzia de europeus.

A semelhança com Munique está num conjunto que ele chama de “ilusões”. O Irã não fala sério nem de seu regime se pode esperar moderação. Do outro lado da trincheira, enquanto em 1938 a França e a Inglaterra não ameaçavam terras alemãs, hoje Israel ocupa territórios árabes e há 700 mil refugiados palestinos no mundo.

A crise do Oriente Médio é uma daquelas questões nas quais muita gente desiste de prestar atenção, perdendo o fio da narrativa. Israel de hoje não é o do século passado. Passou por profundas mudanças sociais, religiosas e políticas. Para quem quiser tomar o pé na história recente desse país, terá boa leitura no livro de Shavit. É uma empolgante reportagem, onde ele mostra as glórias e desgraças de Israel, narrando a vida e dando voz a dezenas de personagens. Está na rede, infelizmente em inglês, por US$ 11,84.

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