sexta-feira, novembro 15, 2013

Por que taxar riqueza não é suficiente - KENNETH ROGOFF

O GLOBO - 15/11

Impostos temporários sobre fortunas podem bem ser parte da resposta para países com problemas fiscais hoje, e a ideia deve ser levada a sério



Os países avançados deveriam taxar a riqueza como forma de estabilizar e reduzir a dívida pública a médio prazo? O FMI, normalmente conservador, tem dado à ideia apoio surpreendentemente enfático. O Fundo calcula que uma taxa de 10% sobre a riqueza, cobrada uma única vez e inesperadamente, poderia fazer muitos países europeus retornar às relações entre dívida pública e PIB verificadas antes da crise. É uma ideia intrigante.

O aspecto moral de um imposto sobre a riqueza é mais forte hoje, com o desemprego ainda a níveis de recessão, e com profundas desigualdades econômicas causando tensões sociais. E, se fosse possível assegurar que a cobrança seria temporária, o imposto poderia ser, em princípio, muito menos prejudicial do que alíquotas maiores para taxar a renda. Infelizmente, enquanto uma taxa sobre a riqueza pode ser uma forma saudável de ajudar um país a sair de um fosso fiscal, dificilmente será uma panaceia.

Os ganhos de receita obtidos a partir da taxação de riqueza podem ser enganadores. O economista Barry Eichengreen certa vez estudou a imposição de impostos sobre o capital após as Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Ele descobriu que, devido a fuga de capitais e pressões políticas pelo adiamento, os resultados são frequentemente desapontadores.

Os barcos da Guardia di Finanza italiana dificilmente poderiam impedir um êxodo maciço dos ricaços do país se eles vissem um imposto sobre fortuna no horizonte. Sobre e subfaturamento comercial, por exemplo, são formas amplamente testadas para desviar dinheiro para fora do país. (Por exemplo, um exportador subfatura o preço recebido pelo envio de sua mercadoria, e deposita a diferença numa conta no exterior). E haveria uma corrida a joias e outros ativos mais difíceis de detectar.

As distorções causadas pelo imposto sobre fortunas seriam exacerbadas também pelo temor de que ele não seja temporário. Afinal, a maioria das taxas temporárias chega para o almoço e fica para o jantar. Medo de novas taxações futuras pode desencorajar o empreendedorismo e reduzir a taxa de poupança.

Além disso, as dificuldades administrativas para a instituição de um imposto sobre riqueza são formidáveis e levantam questões sobre justiça. Por exemplo, seria extremamente difícil estipular valores de mercado para negócios familiares que abundam nos países mediterrâneos.

Impostos sobre riqueza com foco na terra e imóveis são provavelmente isolados dessas preocupações, e são relativamente pouco usados fora dos países anglo-saxões. Na teoria, taxar propriedades cria menos distorções, embora possa desencorajar gastos com manutenção e novas construções.

Então, o que mais podem fazer os governos da zona do euro para levantar recursos enquanto suas economias se recuperam? A maioria dos economistas favorece encontrar meios para ampliar a base tributável — por exemplo, pela eliminação de deduções especiais e privilégios — de forma a manter baixas as alíquotas. Ampliar essa base é um elemento central das altamente consideradas propostas Simpson/Bowles para reforma tributária nos EUA.

A Europa ganharia em eficiência com a unificação da taxa sobre o valor agregado (VAT), em lugar das distorções criadas pela cobrança de taxas diferenciadas por produtos. Em princípio, famílias e pessoas de baixa renda poderiam ser compensadas via programas de transferência.

Outra ideia é tentar obter mais receita taxando emissões de carbono. Levantar fundos via taxas sobre externalidades negativas reduz distorções. Embora tais impostos sejam espetacularmente impopulares — talvez porque os indivíduos se recusem a admitir que as externalidades que criam sejam significativas — eu os considero uma referência importante para políticas futuras (e pretendo sugerir outras ideias nessa linha em futuras colunas).

Infelizmente, países avançados até agora implementaram muito poucas reformas tributárias fundamentais. Muitos governos estão cedendo ao aumento das alíquotas marginais de impostos em vez de fazer revisões e simplificar o sistema.

Na Europa, as autoridades estão também se voltando para taxação “furtiva”, particularmente repressão financeira, para tapar buracos no endividamento público. Através de regulação e diretivas administrativas, bancos, seguradoras e fundos de pensão estão sendo forçados a manter em carteira muito mais títulos da dívida pública do que gostariam. Não é uma abordagem progressiva, já que os detentores de depósitos bancários, apólices de seguro e pensões são tipicamente a sitiada classe média e os idosos.

Há também a questão não resolvida de quanto os países periféricos realmente deveriam ser instados a pagar em encargos sobre sua dívida debilitante, qualquer que seja o instrumento tributário. Embora o FMI pareça particularmente entusiasta sobre o uso de imposto sobre fortunas para resolver problemas na Espanha e na Itália, repassar alguma carga às nações do Norte me parece razoável. Como recentemente assinalaram os economistas Maurice Obstfeld e Galina Hale, os bancos alemães e franceses tiveram grandes lucros na intermediação de fluxos entre poupadores asiáticos e a periferia europeia. Infelizmente, discutir a repartição dos prejuízos cria mais oportunidades para adiamentos, potencialmente enfraquecendo a eficácia de qualquer taxa sobre a riqueza que venha finalmente a ser instituída.

Ainda assim, o FMI está certo — no que se refere a justiça e eficiência — ao propor a ideia de taxação temporária de riquezas nos países avançados para aliviar angústias fiscais. Contudo, as receitas quase certamente serão mais baixas, e os custos mais altos, do que sugerem os cálculos usados para promover a iniciativa. Impostos temporários sobre fortunas podem bem ser parte da resposta para países com problemas fiscais hoje, e a ideia deve ser levada a sério. Mas eles não substituem reformas fundamentais a longo prazo para tornar o sistema mais simples, justo e eficiente.

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