quinta-feira, novembro 07, 2013

O abismo e o buraquinho - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 07/11

Dizer que o país não está à beira da "crise fiscal" (e não está) é fugir da discussão principal e dura


"Não estamos indo para o abismo fiscal", "não há escândalo fiscal", "o Brasil não está à beira da catástrofe", diz gente do governo e mesmo fora dele. Isto é, trocando em miúdos grossos, o governo não estaria gastando a ponto de provocar uma desordem econômica crítica.

É óbvio que o Brasil não está à beira do abismo fiscal. O abismo fiscal fica no mesmo endereço de outros precipícios, tais como inflação e/ou taxas de juros desembestadas. Quando e se estivermos a um passo do buraco, todo mundo vai notar. Não vai ser preciso muito debate.

Logo, essa conversa é diversionista, desinformada ou desmiolada. Mesmo que posta em termos adequados, a discussão melhora, mas se torna apenas conservadora. Quer dizer, evitar que a dívida pública cresça de modo preocupante ou que a despesa do governo alimente a inflação é apenas "dieta de manutenção", não altera fundamentalmente nossas perspectivas econômicas.

Para começar pelo mais simples: sim, o governo meteu-se num buraquinho do qual não vai sair tão cedo a não ser que promova um aumento de impostos, inviável.

Desde 2012, o governo criou despesas permanentes e abriu mão de um volume brutal de receitas ("desonerações de impostos"). Sobra cada vez menos dinheiro para conter o crescimento da dívida. Dado que o país cresce pouco, há o risco de dívida aumentar relativamente, como proporção do PIB. Isto enerva credores do governo e potenciais interessados em investir no Brasil, que ficam ainda mais mal impressionados quando o governo tenta disfarçar o problema com mágicas.

Excessos fiscais (deficit do governo) contribuem para o aumento da inflação e do deficit externo, a seguir para desvalorizações da moeda. Tudo isso leva um credor/investidor potencial a só colocar dinheiro nesse buraquinho se tiver compensações para tais prejuízos e riscos, o que os leva a "cobrar" juros mais altos e a refugar dinheiro.

Com alguma boa vontade e sacrifícios (menos consumo), dá para remediar a coisa em uns dois anos, com o que voltaríamos ao nosso mix de mediocridade habitual com extravagâncias. Isto é, devagar e sempre, mas pagando as maiores taxas e despesas de juros do mundo, entre outros problemas.

Para lidar com isso, não adianta vir com "bandas fiscais" (o governo poupar mais em anos bons para gastar mais em anos ruins e assim estimular a economia).

Ainda que fosse sempre possível calibrar o gasto de modo a evitar flutuações econômicas (e não é), isso é coisa de economia mais normais, digamos, para simplificar. O governo do Brasil tem dívida anormalmente cara, refinanciada ao custo dos olhos da cara em prazos curtíssimos, como se fosse a de um cartão de crédito para uma família. Desperdiçamos dinheiro em juros bestiais, o que é uma ineficiência e causa iniquidades sociais em cascata.

Apenas ajustar o gasto de modo a evitar que ela cresça não resolve o nosso problema. Sem dar algum tranco nisso, sem um bom par de anos de equilíbrio nas contas públicas, não vamos quebrar esse ciclo --isso exige aperto de cintos, dá em conflitos sociopolíticos, em choro e ranger de dentes. Mas, sem isso, não mudamos de patamar. Inanidades sobre "bandas fiscais" e declarações vaporosas de amor ao "tripé" são conversa fiada.

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