sexta-feira, novembro 15, 2013

Fim da impunidade - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/11

A sessão de quarta-feira do Supremo não foi histórica só pela decisão unânime de executar as penas dos condenados no processo do mensalão, pondo poderosos empresários e políticos no caminho da cadeia, fato inédito na nossa História.

Fato também inaugural foi a postura, com uma ou outra exceção de praxe, de criticar as manobras protelatórias e decidir pôr ponto final no processo criminal que se desenrola desde 2007. Em que pese a adesão majoritária a tese claramente protelatória. Dois ministros, sobretudo, destacaram-se na defesa de postura mais célere da Corte, além, é claro, do presidente do STFJoaquim Barbosa, que luta por isso desde o início do julgamento. Foram eles Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, cada qual à sua maneira.

Gilmar foi veemente ao denunciar as consequências para o desenvolvimento dos processos a aceitação, por parte da Corte, da tese do Ministro Teori Zavascki de analisar os embargos infringentes impetrados ilegalmente. A tese, vitoriosa sob o pretexto de garantir o devido processo legal aos condenados, acabou gerando frutos imediatos, dando uma sinalização do que poderá acontecer em outros processos: Vinicius Samarane, condenado a prisão fechada, não terá sua pena executada porque impetrou embargos infringentes na condenação de gestão fraudulenta, em que não obteve os quatro votos favoráveis. Com a esperteza de seu advogado, Samarane pode ganhar uns meses de liberdade, a não ser que Barbosa decida pôr a questão dos embargos infringentes à análise do plenário ainda este ano.

Por isso, Gilmar disse que esse processo não anda para frente, ele anda em círculos . E lembrou que o STF teve enormes dificuldades para iniciar o julgamento em 2007 e que dois ministros aposentaram-se no meio do processo porque ele se alongou demais . Não relembrou, por exemplo, tentativa do ex-presidente Lula de pressionar para adiar o julgamento em 2012 alegando que a decisão interferiria nas eleições municipais.

Para Gilmar, os ministros saíram durante o julgamento porque deliberadamente se conduziu para que saíssem. Isso é preciso ser dito claramente para a História. Manipulou-se o plenário, e querem continuar manipulando. É preciso encerrar esse tipo de cena .

Para se ter uma ideia da protelação, este mês faz exatamente um ano que Ayres Brito deixou o STF, e o julgamento ainda não terminou. Gilmar classificou de ousadia a tese de que valem embargos com menos de quatro votos favoráveis quando o plenário não está completo.

Podemos decidir uma matéria penal com seis votos, mas querem argumentar que o tribunal estava incompleto , espantou-se. A que ponto estamos chegando. Nós estamos beirando o ridículo . Barbosa disse que, quando sair do STF, contará isso com todos os detalhes .

Já Barroso sublinhou que a Ação Penal 470 pode ter, ao menos a médio prazo, um impacto salutar sobre como se faz política no Brasil e sobre o modo como se pratica o Direito Penal no país . E disse que a necessidade de reforma política já é uma ideia vitoriosa . Analisando nosso Direito Penal, Barroso lamentou que, para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido. O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas .

Para Barroso, é preciso desfazer duas mistificações . A primeira, a de que garantismo Tem a ver com impunidade. Garantismo significa respeito ao direito de defesa e ao advogado . Mas, se a punição se impuser, ela deve ser aplicada . O Direito Penal desempenha função social importante, lembrou Barroso, o de desestimular novos atos criminosos . A segunda é a de que ´devido processo legal´ é o que não termina . O ministro advertiu que não existe, em parte alguma do mundo, direito ilimitado de recorrer. Um dia o processo acaba, e a decisão precisa ser cumprida .

Quanto ao processo do mensalão, o dia foi quarta-feira, dia histórico sob todos os pontos de vista. A decisão majoritária do STF de não aceitar mais protelações deve marcar os processos daqui para a frente. Mas é preciso desfazer o atalho para espertezas, como é o caso dos embargos infringentes claramente ilegais.

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