O GLOBO - 16/11
O engarrafamento é hoje comum — e não só nas horas de rush — até naquelas capitais onde as pessoas almoçam (ou almoçavam) em casa confortavelmente
As metrópoles estão exportando suas mazelas para o interior. As pequenas e médias cidades têm hoje os mesmos problemas das grandes, e nem sempre em escala menor. Em viagens, pude observar a espantosa rapidez com que o fenômeno ocorre nesses paraísos perdidos. A crise mais visível é a da (i)mobilidade urbana. O engarrafamento é hoje comum — e não só nas horas de rush — até naquelas capitais onde as pessoas almoçam (ou almoçavam) em casa confortavelmente, com tempo inclusive para uma rápida sesta. As reclamações são as mesmas e têm a ver com a perda de qualidade de vida. “Eu levava 20 minutos, agora levo mais de uma hora”, ouvi em vários lugares. As causas são conhecidas. Com a elevação do poder aquisitivo da nova classe média e o incentivo à indústria automobilística com redução de impostos, as ruas foram invadidas e ocupadas pelos carros, sem que tivesse havido um mínimo de preparação para isso: elas continuam com a mesma largura e, em geral, novas vias de escoamento não foram construídas.
Pior do que o problema do trânsito é o da violência. Para se ter uma ideia: o Piauí, que se orgulha de ser um dos estados menos violentos do país, está preocupado com o alarmante aumento de crimes, como latrocínio (roubo seguido de morte) e estupro, que dobraram ou triplicaram, assim como os casos de morte não solucionados. Eu estava em Teresina quando esses dados foram publicados, para desconforto das autoridades e da população. Outra praga que está infestando o país todo é o consumo de crack, presente nos mais distantes rincões. Conversando com o prefeito de uma cidade do Nordeste, quis saber como a droga chegava ao seu município, e ele explicou que era uma perversa operação. Jovens desempregados são recrutados para trabalhos sazonais em SP, principalmente corte de cana. Vão e os próprios proprietários fornecem a droga como parte do pagamento pelo trabalho. Voltando para suas cidades, eles levam consigo o vício e o produto para traficar, criando assim literalmente um círculo vicioso difícil de desmantelar.
Se por um lado o que chamamos de “interior” está vivendo esses dramas, por outro, observa-se um grande empenho para ativar a vida cultural, com a promoção, por exemplo, de feiras, salões, festivais e bienais de livro. Nas últimas semanas, participei de uns quatro eventos desse tipo, destacando-se o Flin (Festival Literário Internacional de Natal), pela abrangência dos temas e a numerosa participação. Houve mais de trinta mesas sobre os mais variados assuntos, com a presença de autores daqui, de Portugal e da África de Língua Portuguesa. Só de imortais da ABL, eram quatro. De mortais, uns 60. O luxo foi ter Caetano Veloso debatendo poesia com Eucanaã Ferraz e fazendo o show de encerramento. Foram mais de três horas de Caetano sem falar uma só vez de biografias. Uma delícia.
Correção: Na última coluna, quando se fala do Jalapão, saiu 30 em lugar de 13 por um erro de digitação.
Natal (RN) não é interior. Fica à beira do mar.
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