sexta-feira, novembro 01, 2013

Deixo o jornalismo pela proctologia - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 01/11

Alguém sabe quando serão abertas as próximas matrículas do Senac para o curso de acupunturista?


Tenho um cacoete em comum com o tapuia que reclama do Brasil com o distanciamen­to de quem nasceu na longínqua Tuvalu. Você o conhece, não? É aquele camarada que adora come­çar frases com: "Só no Brasil..."

Pois eu padeço de mal semelhan­te. Falo de jornalistas como se eu fosse, digamos, dentista. Ou bate­rista, eletricista, anestesista, em suma, qualquer outra coisa menos alguém que está empenhada em tentar entender o fenômeno "black blocs".

Em tentar verificar que pode até haver neonazista infiltrado no gru­po, mas que é piada comparar a re­sistência pacifista de Martin Lu­ther King ao ativismo de Malcolm X para defender a ideia de que a mi­litância domingueira de calçadão do Sou da Paz seja válida, en­quanto a estratégia de quebra-que­bra de símbolos do capitalismo em­preendida pelos jovens desta gera­ção de excluídos da globalização não seja.

O fenômeno nem é novo, vem da Europa, anos 90, trazido por quem se enxerga como vítima de uma violência invisível, a do mercado glo­balizado dominado pelos grandes conglomerados.

Em Seattle, Bruxelas e Bolonha eles são "manifestantes". E aqui, sem separar o joio do trigo, nós os chamamos de "vândalos". Pois não adianta agora o ministro da Secre­taria-Geral da presidência, Gilber­to Carvalho, convidar "black blocs" para tomar um cafezinho. A bronca dessa turma não é com o governo. Problema deles é: 1) sociedade de consumo e 2) sustentabilidade. Chegamos até aqui, promovemos bem estar, tecnologia, saúde, saber e, mesmo assim, destruição, desi­gualdade e ganância continuam a prevalecer. A contracultura raivosa quer usar a violência para apontar onde está a verdadeira violência. Tratá-los como foras da lei só vai fazer reforçar o mal-entendido.

Veja outro exemplo da imprensa ir achar passarinho cantando em toca de raposa (ainda lembrando de que se trata de uma proctologista ou maquinista falando): nesta se­mana, a bem-humorada "Forbes", que sobrevive de compilar listas com a mesma credibilidade do ran­king de seleções da Fifa, afirmou que o russo Putin ultrapassou Oba­ma no ranking dos líderes mais podero­sos.

Ah, tá. Aquela caricatura de Yul Brynner, de um dia para o outro, deixou para trás o arsenal bélico, o gigantismo da economia e todo o poderio de conhecimento e pes­quisa norte-americanos? Tudo bem, eu sei que os russos são um azougue energético, mas vamos e venhamos. Enquanto os EUA tive­rem uma máquina de propaganda chamada Hollywood, ainda segu­ram os corações e mentes de mui­tos, yes?

Quer mais um exemplo de santa ingenuidade dessa turma que hoje cobre guerra a partir do ar condi­cionado de centro de imprensa? Não é que o pessoal entrou na onda do vasculhado e passou a tratar com suprema indignidade o fato corri­queiro de que os EUA investigam e sempre investigaram as comunica­ções de líderes mundiais? Que mi­mimi é esse?

O cerne da questão é outro intei­ramente, esse, sim, de suma impor­tância: o problema é que o governo norte-americano insiste em tratar como criminosos os jornalistas que divulgam informações sobre suas atividades ilegais.

Em um mundo que se acostuma a conviver com câmeras que flagram quem tira meleca do nariz no eleva­dor, ou seja, em que a privacidade foi para o beleléu, há uma onda per­niciosa que ainda tenta abafar a in­formação. Parta ela da maior po­tência do mundo ou de artistas de­crépitos. E os jornalistas, veja só, ainda não entenderam bem de que lado devem estar.

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