segunda-feira, novembro 04, 2013

As alianças no segundo turno - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECONÔMICO - 04/11
A 26 de outubro de 2014, daqui a quase um ano, deveremos escolher o próximo presidente entre Dilma Rousseff e um candidato da oposição. Hoje, este é o cenário provável. Dilma terá sido a mais votada no primeiro turno, mas com menos votos do que os sufrágios tucanos somados aos da Rede+PSB. Matematicamente, isso significa que a oposição poderá vencer - mas apenas se o oposicionista que for para o segundo turno conseguir a transferência quase integral dos votos do oposicionista que não for.
A grande questão, desde já, é: os dois candidatos de oposição - que se opõem mais ao PT do que entre si - se unirão para o segundo turno? Desculpem, a pergunta está errada. Pode bem ser, sim, que se unam. Mas a verdadeira questão é: os eleitores do terceiro colocado, que estará fora da disputa, apoiarão quem disputar a final contra Dilma? Eis o ponto. 

Nosso eleitor não dá tanta importância às recomendações dos candidatos em quem votou antes. Decide em função de outros critérios. Isso pode decorrer de uma politização menor do que na Europa, mas tem o condão de deixar nosso votante mais independente, de permitir surpresas políticas e de dar mais oportunidade política à renovação. Os movimentos de votos que ocorrerão entre 5 e 26 de outubro não resultarão tanto de um acordo tardio entre os dois oposicionistas. Mas serão influenciados, sim, por suas campanhas.

Para que a aritmética (PSDB + PSB > PT) se torne realidade, será preciso muita política. Será necessário os candidatos de oposição blindarem seus eleitores contra a sereia petista - e isso começando agora, pensando já no segundo turno. Essa é a condição para uma transferência bem sucedida de votos. Têm assim de convencer seus eleitores de que a distância entre eles dois (Aécio ou Serra e Eduardo ou Marina) é menor do que o abismo separando todos eles do governo. Só que não adiantará pregar isso depois de abertas as urnas do primeiro turno. Na França, a cada eleição presidencial, aguarda-se com ansiedade o perdedor do primeiro turno - sempre um centrista - anunciar quem apoiará. No Brasil, será tarde. Nosso eleitor fará sua escolha para a final das presidenciais considerando, sim, o que dirá seu ex-candidato, mas apenas entre vários outros considerandos.

Se a oposição quiser levar em outubro de 2014, precisa começar a trabalhar desde já. Precisa preparar uma aliança implícita, não enunciada, discreta, que possa ter sucesso no segundo turno. Ou seja, não pode deixar para anunciar sua união após a primeira volta das eleições. Mas tampouco pode se apresentar unida antes do pleito. Os dois partidos precisam ter seus candidatos. Precisam ser diferentes. Precisam disputar para valer.

Não se trata de um pacto de não agressão. Agora deve baixar bastante o teor de críticas dos tucanos à Rede+PSB, ou desta ao PSDB. Mas o principal, para ambos, é fechar seus eleitores ao PT.

Um sinal disso se vê no aumento da tensão de Marina e mesmo Campos com o petismo. Até agora, Marina Silva se apresentou como a terceira via, propondo uma alternativa ao condomínio PT-PSDB que disputa o poder entre nós há quase 20 anos. Eduardo Campos procurava uma posição intermediária entre esses partidos, cultivando ao mesmo tempo Lula e Aécio, lançando-se candidato mas mantendo-se de bem com os dois. Marina é mais conceitual, mais utópica. Campos é intensamente pragmático. Ela é mais inovadora, queria uma terceira via; Campos, apenas um meio termo. Suas trajetórias, tão diferentes entre si, se os afastavam do PT, não os jogavam nos braços do PSDB. Agora, porém, ambos estão sendo marcados como oposicionistas.

Por itinerários distintos, os dois ex-ministros de Lula - que, separados, podiam não bater de frente no PT - ao se juntarem passaram a navegar em águas que têm mais traços tucanos do que petistas. Isso lhes dá força e fraqueza. Tornam-se fracos, porque o discurso da novidade, da terceira via de Marina, da moderação de Campos cede lugar a um endereço carimbado na oposição. Mas se fortalecem porque passam a disputar, com chances de êxito, o lugar que ainda é dos tucanos. Se Serra tem um teto baixo, limitando seu crescimento, e se Aécio não decola, abre-se espaço para um novo candidato, especialmente se for o membro mais popular da nova aliança, Marina.

Se ela ou Campos for para a final, contra Dilma, o eleitorado tucano os seguirá sem muita discussão. Se Aécio ou Serra for o finalista, a transferência é menos óbvia. Mas interessa aos dois partidos o apoio recíproco na final. E o importante é que, na cultura política brasileira, isso não se define em negociações entre as cúpulas partidárias na última hora, mas se lapida ao longo do tempo, na construção aos olhos do povo de duas figuras essenciais, a do antagonista e a do mero adversário.

Desde agora, na campanha para o primeiro turno, cada candidato elege um antagonista, aquele a quem vai se opor fortemente. Para o PSDB, é o PT, e vice-versa. E cada um elege adversários, com quem vai disputar, mas conservando espaço ou para seu apoio explícito, ou ao menos para garimpar votos entre seus eleitores.

Nesse conflito dos dois rivais históricos, o novo ator ganha, mas nem tanto. Porque o PT tentará desconstruir Marina e Campos com vários argumentos, acusando-os de abandonar seus compromissos históricos e procurando afastar deles os eleitores que valorizem a questão social. Porque Marina e Eduardo também se enfraquecem, ao deixarem de ser terceira via. Perdem justamente o que os distinguia. Em suma, os 12 meses prometem não ser fáceis para ninguém.

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