sexta-feira, novembro 01, 2013

A difícil missão de Lula para 2014 - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 01/11

Fracassa tentativa de aproximar Dilma do setor privado

Impressionado com o "abismo" que se abriu entre o governo de Dilma Rousseff e o setor privado, o ex-presidente Lula passou a explorar possibilidades de aproximação. Nas muitas conversas que tem tido com empresários e banqueiros - que se queixam da maneira como a presidente conduz as questões econômicas e se afastam do projeto da releição - o ex-presidente vem recolhendo sugestões que poderiam ajudar no resgate da credibilidade do governo. Foi dessa sequência de encontros que surgiu a ideia de se tocar a tramitação do projeto de lei complementar que concede autonomia operacional ao Banco Central.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), Lindbergh Farias (PT-RJ), atuaram na mesma direção, também como reação às críticas que o setor privado faz ao governo Dilma e que reverberam no PT e nos partidos da base aliada. O resultado dessa confluência de interesses foi a decisão de Renan, comunicada na semana passada e reiterada esta semana, de até o fim do ano colocar em votação o substitutivo do senador Francisco Dornelles (PP - RJ) ao PLS 102, de 2007, que trata da autonomia do BC.

Pela proposta, "conservadora" segundo Dornelles, a diretoria da instituição teria mandato fixo e não poderia ser simplesmente demitida pela presidente da República, a não ser em casos extremos pré definidos na lei. A notícia entusiasmou os bancos estrangeiros.

A iniciativa de Renan irritou a presidente Dilma Rousseff; e a especulação sobre a influência de Lula na retomada de um tema tão polêmico levou o ex-presidente a negar que tenha incentivado qualquer ação nessa linha. Dilma considerou o projeto como agenda de interesse exclusivo de banqueiros, Lula recuou e a proposta pode até ser levada ao plenário do Senado, mas dificilmente será aprovada.

Tão curta vida de uma ideia que nunca vingou no país esmoreceu o rápido entusiasmo dos bancos estrangeiros. "Os bancos nacionais não acreditavam mesmo na evolução dessa proposta", comentou um interlocutor assíduo do ex-presidente.

Se o resultado líquido dessa tentativa foi ruim para todos os envolvidos, foi ainda pior para o Banco Central, pois a reação do governo acabou reforçando a visão de quem acredita que o BC, neste governo, não teve e não tem autonomia para perseguir a meta de inflação.

Lula está muito preocupado com os rumos que a economia está tomando e mais ainda com a debandada dos financiadores de campanha para as outras candidaturas à presidência, principalmente para a de Eduardo Campos/Marina, do PSB/Rede.

Empresários e banqueiros têm deixado claro para o ex-presidente que temem o risco de Dilma, se vencer as eleições de 2014, insistir e aprofundar o modelo que marca seu primeiro mandato, que consideram intervencionista, estatizante e de gravíssima deterioração fiscal.

Há dois anos que o Ministério da Fazenda tem proposta concreta para colocar um freio no crescimento descontrolado do seguro-desemprego e do abono salarial. Somente ontem, após anunciar o pior resultado fiscal para os meses de setembro desde 1997, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que estuda medidas para reduzir esses gastos.

As duas despesas devem consumir cerca de R$ 47 bilhões este ano (quase 1% do PIB) - o dobro do Bolsa Família que tem orçamento de R$ 23,2 bilhões - em um país com pleno emprego. Seguro e abono são financiados por uma parcela do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fundo que também provê funding ao BNDES e está minguando rapidamente.

"Temos urgência em reduzir essa despesa, ou pelo menos impedir que continue crescendo", apressou-se Mantega, ontem, ao comentar os dados fiscais de setembro. Houve um déficit primário de R$ 10,473 bilhões no governo central e um déficit de R$ 9,048 bilhões no setor público consolidado. Está abandonada a meta de superávit de 2,3% do PIB e a degradação fiscal é mais acelerada do que se previa no próprio governo.

Dilma pode aprofundar o modelo de política econômica ou mudar o seu curso. Em qualquer das duas hipóteses, terá que enfrentar inúmeras questões que se avolumaram até aqui. Sejam elas o que fazer para reduzir o gasto com o seguro-desemprego, que política fiscal imprimir daqui por diante, com que meta de superávit, ou ainda como controlar as duas principais despesas públicas (folha de salários do funcionalismo e previdência social). Como será a condução da política de desinflação, cujo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) está fora da meta de 4,5% desde 2009 e não há prazo para uma convergência da inflação efetiva para a meta.

Fontes qualificadas da área econômica avaliam que antes de melhorar, a situação das contas públicas vai piorar.

O risco de rebaixamento do rating do Brasil cresce a cada dia e isso não será nada bom. Ainda mais se coincidir com o início da normalização da política de expansão monetária do Federal Reserve Bank (Fed).

Há elementos sobre os quais não se tem qualquer garantia que podem piorar a cena econômica e se traduzir num prato indigesto para a campanha da reeleição.

Lula estaria ciente disso, asseguram pessoas que frequentam o "quartel general" do ex-presidente em São Paulo e que mantém estreito contato com ele e com o ex-ministro Antonio Palocci. O ex-presidente também teria consciência de que é, hoje, mais importante para reeleger Dilma do que para ser ouvido por ela. Só um perigo o tiraria da condição de maior cabo eleitoral de Dilma Rousseff: o perigo do PT ser desalojado do poder que conquistou há 12 anos.

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