quinta-feira, outubro 03, 2013

Os riscos da crise americana - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 03/10
Descontrole de gastos públicos é praga mundial da qual nem a mais poderosa economia do planeta escapa. Nos Estados Unidos, há 96 anos existe um teto para o endividamento interno, solenemente elevado em frequência média superior a mais de uma vez por ano ao longo desse tempo. Só na década passada, rompeu-se o limite em uma dúzia de ocasiões.
Desde o governo Ronald Reagan (1981-1989), lembrou o presidente Barack Obama, foram 45 alterações. A questão é que já não se cumpre o ritual como antes, sem alarde, de forma quase automática. A disputa fratricida entre as duas forças políticas dominantes no país, democratas e republicanos, fez dessa matemática um cabo de guerra sem vencedores.

Desta vez, o discurso da austeridade foi radicalizado para tirar do mandatário o que seria, talvez, a grande marca social do governo dele em dois mandatos: a implantação de um sistema de assistência médica para milhões de cidadãos. Os republicanos temem o efeito eleitoral de tal medida, que abre os cofres públicos para universalizar o seguro de saúde entre os americanos.

Aprovada pelo Congresso desde 2010 - não por acaso, quando a negociação do trato da dívida passou a complicar-se -, a reforma deveria ter entrado em vigor na terça-feira. Mas chantagem maquiavélica a adiou. Maioria na Câmara dos Representantes, a oposição incluiu no Projeto de Lei orçamentária dispositivo que joga para o ano seguinte a vigência das mudanças, conhecidas por Obamacare.

Resultado: os governistas, que dominam o Senado, rejeitaram o novo texto. Como terça-feira era o primeiro dia do ano fiscal de 2014 nos EUA, o país amanheceu sem Orçamento. Foi como acionar um freio de mão na máquina estatal, com serviços públicos parando de funcionar por falta de recursos. Para piorar, o endividamento ameaça ultrapassar o teto (hoje em US$ 16,7 trilhões) nos próximos 15 dias. Ou o limite sobe mais uma vez, ou a maior potência mundial entrará em moratória, passando à condição de caloteira já em 17 de outubro.

Problema dos EUA? Não só. Estima-se que 800 mil funcionários federais tenham sido dispensados e 1 milhão estejam com o salário suspenso. Fora o caos interno - com parques, monumentos e museus fechados, além de até o Pentágono, a Nasa e órgãos de inteligência afetados -, trabalhadores com os braços cruzados representam produção em baixa, dinheiro a menos circulando.

Ou seja, é um tiro no pé da recuperação econômica nacional e, por tabela, da mundial, altamente dependente da locomotiva norte-americana, abalada desde o estouro dos títulos podres do mercado imobiliário, seis a sete anos atrás. À crise do subprime, vale lembrar, seguiu-se a derrubada dos até então aparentemente sólidos mercados de várias nações europeias, disseminando prejuízos (ainda não recuperados) por todos os continentes.

Republicanos e democratas têm, pois, responsabilidades para além das fronteiras norte-americanas. A esperança está em que os oposicionistas xiitas do Tea Party ouçam a opinião pública - que pesquisas mostram condenar fortemente a obstrução ao Orçamento - e construam uma saída com a ala moderada do partido. Liberar recursos a conta-gotas, como proposto, é perpetuar a chantagem, a apreensão, a incerteza. Quanto ao presidente, precisa sair da defensiva e liderar as negociações para romper o impasse.

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