quarta-feira, outubro 16, 2013

Os desafios do regime de metas - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 16/10

O Brasil tem um regime de metas para inflação institucionalmente avançado, mas que precisa avançar mais para superar desafios. A inflação no país é alta para padrões internacionais, o Banco Central (BC) não dispõe de autonomia formal e as expectativas estão desancoradas desde 2011. Nos próximos anos, o custo para trazer o IPCA para a meta, de 4,5%, será elevado.

Estas são algumas das conclusões a que os economistas Daniel Sinigaglia e Nilson Teixeira chegaram depois de fazer análise detalhada do regime que vigora no Brasil há 14 anos. Num estudo comparado, os dois concluíram que o sistema brasileiro é um dos mais compatíveis com as boas práticas. O BC tem mandato legal explícito para levar a inflação à meta e o regime é transparente.

O Brasil é, porém, o único, dentre os que adotam o regime, onde presidente e diretores do BC não possuem mandatos fixos. Isso não impede que a gestão da política monetária seja adequada. A própria experiência brasileira mostra isso, mas o fato de a autoridade monetária não dispor de autonomia prevista em lei submete sua atuação aos ciclos eleitorais.

Em geral, quanto mais independente for o BC, maior o sucesso do controle inflacionário. A maior liberdade para perseguir o objetivo de menor inflação implica maior sucesso no longo prazo. A crença generalizada sobre o esforço para controlar a inflação no futuro contribuiria para o seu controle no presente. Se existe um consenso de que a inflação será invariavelmente menor no futuro, em função de um maior comprometimento do BC, o custo de desinflação será igualmente menor. Isso reduz a alta de juros necessária para conter as pressões sobre os preços correntes , sustentam Sinigaglia e Teixeira, que tratam do tema num capítulo do livro Propostas para o Governo 2015/2018 (Campus), organizado por Fábio Giambiagi e Claudio Porto e que será lançado no dia 29, no Rio.

Outro desafio é a redução da meta. Brasil tem a mesma meta - 4,5%, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo - desde 2005. A justificativa para a sua manutenção tem sido, desde 2007, a de que é adequado acomodar um índice mais alto por um período mais longo, pois o aperto necessário para levar a inflação ao centro da meta acarretaria pesados custos à atividade. A rigor, essa opção não tem permitido à economia crescer num ritmo maior.

Os períodos mais bem-sucedidos do regime de metas se deram entre maio de 2006 e dezembro de 2007 e entre julho e dezembro de 2009, quando o IPCA acumulado em 12 meses ficou abaixo de 4,5%. Porém, lembram Sinigaglia e Teixeira, desde janeiro de 2010, a inflação tem ficado acima da meta. Em alguns momentos, superou o limite de 6,5%.

Uma boa maneira de olhar para os números é verificar a mediana, que mede a tendência central. Entre 2005 e 2012, a mediana da inflação para cada ano foi de 5,8% - para uma média de 5,2%. Considerando-se o período completo do regime (1999-2012), a mediana foi de 5,9% (média de 6,7%).

Afora Guatemala, Indonésia e África do Sul, com igual centro da meta, e Gana, Turquia e Moldávia, com metas de inflação acima de 4,5%, todos os demais países perseguem meta de inflação inferior aos 4,5% do Brasil. Ao mesmo tempo, o intervalo de tolerância dos países com meta igual à do Brasil é menor do que os dois pontos percentuais do regime brasileiro. Apenas Gana, cujo intervalo é de 0%-10%, e Turquia, com meta de 5,0%, possuem intervalos de tolerância maiores que o adotado pelo Brasil , dizem os dois analistas.

Sinigaglia e Teixeira disputam uma ideia central na argumentação dos economistas que inspiram e daqueles que comandam a economia brasileira desde 2007, segundo a qual, a inflação brasileira seria estruturalmente superior à dos demais países no longo prazo. Essa tese, dizem os dois analistas, carece de fundamentação .

Uma das razões da pressão inflacionária dos últimos anos é o setor de serviços. Entre 2006 e 2012, a inflação do setor cresceu, em média, 7,3% ao ano, face a 5,2% da inflação ao consumidor. Entre 2010 e 2012, o desvio em relação aos 4,5% se acentuou - enquanto a inflação ao consumidor se desviou 1,6 ponto percentual por ano, em média, em relação à meta, a de serviços teve desvio médio de 4,3 pontos.

Uma das explicações para isso está na política de aumentos reais do salário mínimo (SM), uma vez que a inflação de itens de serviços mais influenciados pelo SM (empregado doméstico, condomínio) tem sido maior que a dos itens relacionados à inflação passada (aluguel, mensalidade escolar, serviços médicos) - 9,1%, na média entre 2007 e 2012, face a 8,1%.

O IPCA ex-serviços entre 2006 e 2012 foi, por exemplo, de 4,1% na média, inferior ao centro da meta de inflação de 4,5%. Dessa forma, é possível argumentar que, enquanto perdurarem ganhos salariais reais significativos, o custo de garantir o cumprimento do centro da meta será maior , advertem Sinigaglia e Teixeira.

Este é um aspecto crucial do debate. O governo tem usado o SM como mecanismo de distribuição de renda. Isso tem pressionado salários e preços, algo que, na ausência de reformas que reduzam o custo de produção, melhorem o ambiente de negócios, aumentem a oferta e a qualidade da mão de obra e expandam a infraestrutura, diminui a competitividade da economia e, principalmente, da indústria. O desinteresse por reformas tem levado o governo a adotar iniciativas, na base do improviso, para tentar, de um lado, compensar a perda de produtividade e, de outro, controlar o impacto dessas medidas na inflação.

Sinigaglia e Teixeira lembram que as expectativas de inflação para prazos superiores a 12 meses permaneceram próximas da meta entre 2003 e 2010, mas estão desancoradas (acima de 4,5%) desde 2011. Isso tem custo. Os dois economistas fizeram um exercício econométrico e constataram que, quanto maior é a expectativa de inflação no longo prazo, mais custoso é o processo de redução da inflação e maior é a projeção do modelo no horizonte próximo.

As estimativas sugerem que expectativas de inflação de um ponto percentual adicional no longo prazo elevam em 0,3 ponto a inflação no curto prazo (quatro trimestres). Para oito trimestres essa relação é maior: um ponto percentual a mais no longo prazo adiciona 0,6 ponto à inflação corrente , mostra o exercício.

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