terça-feira, outubro 01, 2013

Interesse e política do mensalão - TALES A. M. AB'SÁBER

FOLHA DE SP - 01/10

Petistas e antipetistas recusam a realidade óbvia, como dizem os psicanalistas, de sua adesão e pertencimento às práticas corruptas brasileiras


Durante 20 anos, o Partido dos Trabalhadores teve no parâmetro ético, baseado na crítica à tradicional condescendência com a corrupção pelo alto, uma de suas principais balizas, identitária para a concepção do fazer político no Brasil.

O PT de fato encarou a corrupção brasileira como uma perversão sociológica, ligada ao patrimonialismo espúrio da tradição política mais arcaica, e também como um desvio econômico significativo para a e eficácia de um governo popular.

Lideranças como Lula, José Dirceu e José Genoino sustentavam a necessidade da crítica dura à corrupção, que se estendia dos monumentais escândalos sem punição gerados na ditadura militar à manipulação econômica que levou à queda de Collor, até os episódios de derrapagem na "zona cinzenta" da política de privatizações peessedebista, que, para seus atores, deveria restar fora de julgamento.

Paixões e jogos profundos de interesses contrariados deveriam se pôr em cena quando, com virada significativa na incorporação da tradição de centro direita brasileira, o PT se viu, no poder, envolvido em escândalo de corrupção. Uma inversão espetacular do sentido das coisas, que podia quase ser lida como um lance de ficção do tipo folhetim.

O PT, que também tinha origens em movimentos católicos populares, deveria pagar com o próprio sacrifício os pecados de todo o sistema, recebendo a punição dura que até então ninguém recebera. Como o partido sempre sustentou, a democracia devia ter início com a sua chegada ao poder e, não tendo exigido nada da velha corrupção, pagaria com a própria punição para cumprir o seu vaticínio.

Dialeticamente, o juiz negro de grande formação indicado por Lula ao Supremo para fazer reparação social de imagem mostrou-se forte inimigo dos modos tradicionais de corrosão da política, e armou-se o circo da gigantesca disputa simbólica produzida ao redor da punição dos políticos petistas.

Seriam eles os maiores corruptos brasileiros de todos os tempos? Ou bodes expiatórios para a manutenção do status quo? Tudo não passaria de uma lição da direita nos recém-convertidos aos seus próprios jogos? Ou estávamos diante de avanços democráticos que não deveriam retroceder? Ou tudo ao mesmo tempo?

Enquanto petistas recusavam a realidade óbvia, como dizem os psicanalistas, de sua adesão às práticas corruptas brasileiras, antipetistas recusavam a realidade óbvia de que o próprio sistema da corrupção lhes pertencia. Criaram-se dois campos de paixão algo delirante, que representam profunda distorção dos próprios sujeitos da política.

Eram as apostas de uma inédita novela política, televisionada ao vivo, que envolvia questões cruciais em conjunto com todo tipo de baixo interesse. Os próprios petistas não ajudaram ao recusarem a responsabilidade política e ao demandarem, com desfaçatez, a lassidão da Justiça que permitiria a impunidade.

O maior erro foi não ter transformado um processo de ilegalidades políticas em um processo de crítica da política das ilegalidades, que o velho partido de esquerda aceitou como nova sina natural. Nesse sentido, mais forte, o PT encenou um episódio de fracasso exemplar.

O julgamento tornou-se uma aula sobre um dos Poderes mais tecnicamente constituído, que pode ter ensinado o modo de funcionar das coisas da Justiça. Jogando dentro da lei, o governo usou o tempo para fazer a indicação de dois juízes que já votaram pela aceitação dos embargos infringentes e poderão agora votar contra a aceitação do crime de formação de quadrilha.

Jogo jogado. Ele implica o excesso de poder franqueado ao poder. Quando a presidente pode indicar seus juízes para julgar os homens de seu partido, podemos reconhecer o ponto irônico que Nietzsche chamou de "a graça da lei", ou seja, o seu caráter ambivalente e perverso, em que uma margem de inimputabilidade para o poder sempre está felizmente garantida.

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