terça-feira, outubro 15, 2013

Fato e percepção - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/10

O governo está no contra-ataque, querendo mudar a percepção de que a solidez fiscal vai se perdendo aos poucos. Foram muitas as críticas, vieram de vários lugares, foram feitas pelo FMI, agências de rating e até aliados. Não dava para dizer que era apenas uma má vontade de analistas. Mesmo quando faz esse esforço, o que fica claro são novas mudanças que ampliam a dúvida.

O ministro Guido Mantega me disse, e eu publiquei na coluna de domingo, que sua convicção é a de que o BNDES vai pagar o que deve ao Tesouro, "em alguns anos". O que ele calcula é o seguinte: no futuro, haverá mais interesse do mercado privado de oferecer financiamento de longo prazo. Isso liberaria o banco e ele poderia, com parte do retorno dos empréstimos concedidos agora, pagar ao Tesouro.

É uma possibilidade, mas é difícil acreditar. Os empréstimos ao BNDES se acumularam tanto — hoje representam mais de 9% do PIB — que o banco não teria como quitar esse débito. O que Mantega argumenta é que as necessidades do BNDES vão diminuir e, além disso, está declinando o montante anual que o Tesouro envia para o BNDES. Já foram R$ 100 bilhões por ano. Este ano serão R$ 40 bilhões.

O estranho é que continue enviando. E embutida no número está a informação de que nova parcela será enviada ao banco em 2013. Já foram dados R$ 20 bilhões e será feita agora nova transfusão.

Quando o ministro diz ao "Valor" como registrado no texto de Cláudia Safatle, ontem, que o BNDES vai ser proibido de financiar os estados e que eles não terão mais Programas de Ajuste Fiscal (PAF) este ano, o que chama atenção é a montanha de R$ 90 bilhões de créditos já contratados junto ao banco que ainda não foram desembolsados. Apesar do nome, o PAF autoriza os estados a se endividarem e, nos últimos anos, o governo permitiu que a cifra chegasse a esse montante. Agora, o ministro disse que não permite mais.

O GLOBO publicou no sábado que a equipe econômica estuda a possibilidade de implementar bandas fiscais para tentar recuperar a credibilidade perdida. Ou seja, o governo anunciaria uma meta para o superávit primário, mas já deixaria, de antemão, aberta a possibilidade de não cravar o número. Em anos de baixo crescimento, o governo ficaria com mais fôlego para incentivar o nível de atividade, fazendo uma economia menor para cumprir o superávit primário. O mercado, assim, não seria pego de surpresa.

Não é necessário. A política contracíclica pode ser feita através de um aviso. Se no ano passado, que o país cresceu apenas 0,9%, o governo tivesse anunciado que, diante das circunstâncias, faria um superávit menor, não seria nada estranho. Isso é normal em qualquer economia.

Esquisitos foram os truques e mudanças de fórmulas de cálculo, as antecipações de dividendos, e outras formas de maquiar os números apagando os sinais de que o superávit era menor. Essa opção de esconder o que deveria ter sido explicitado é que levou à perda de credibilidade. Criar uma banda não vai restaurá-la, apenas tornar mais incertas as projeções para a economia brasileira porque não se sabe que meta a area econômica está perseguindo.

O governo achou que tinha desenvolvido nova matriz macroeconômica. Não tinha. O tripé — câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação — que nos trouxe até aqui é que precisa ser restaurado. Não adianta apresentar uma flexibilização com palavras duras ou com promessas de "nunca mais"! O governo tem tornado mais frágeis as bases fiscais da estabilidade. E isso todo mundo ja percebeu, até o próprio governo. Por isso, o discurso tem mudado para tentar convencer que o erro não será repetido. Para convencer terá que se admitir o erro e anunciar correções convincentes. São fatos que mudam a percepção.

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