quinta-feira, setembro 05, 2013

Para além da turbulência - OTAVIANO CANUTO

FOLHA DE SP - 05/Q09

Ainda que sejam distintos os horizontes da gestão da conjuntura e da agenda de longo prazo, a presença desta fortalece a eficácia da primeira


Cabe distinguir dois horizontes temporais para a política econômica no futuro próximo.

De um lado, o desafio conjuntural de gerenciar a desvalorização real da taxa de câmbio em curso, de maneira a minimizar seu impacto inflacionário e a recompor a capacidade competitiva em vários segmentos do aparelho produtivo.

De outro, mirando além da atual turbulência, a necessidade de trilhar o caminho de revitalização do crescimento potencial brasileiro. Gostaria de aludir aqui a três esforços possíveis para esse redirecionamento de rota.

Antes de tudo, há a necessidade de elevar a taxa de investimentos no PIB, algo já devidamente reconhecido pelo governo.

O bom desempenho macroeconômico pré-2008, com inclusão social, ocorreu sem que aquela taxa superasse a marca de 20%. A política anticíclica, adotada em resposta ao quase colapso da economia global, possibilitou a expansão exuberante do PIB em 2010.

No entanto, parece estar esgotado o espaço então remanescente para os aumentos do crédito pessoal e dos salários reais acima da produtividade. A formação bruta de capital fixo, depois de atingir um pico em 2011, encolheu por quatro trimestres consecutivos.

O fato de a capacidade instalada da indústria manufatureira ter, em vários momentos, atingido limites, apesar do baixo ritmo de expansão da produção, pode ser visto como uma manifestação de esgotamento do padrão anterior de crescimento.

Investimentos em infraestrutura seriam essenciais, por conta dos gargalos tornados ainda mais apertados durante o crescimento com inclusão social. A consequente redução de desperdícios de recursos ensejaria não apenas ganhos generalizados de produtividade, como robusteceria os investimentos privados nos demais setores.

Chave aqui seria a sintonia fina na divisão de atribuições entre os setores público e privado no investimento e na operação dos diversos segmentos das cadeias de serviços de infraestrutura, conforme suas diferentes capacidades de administrar os correspondentes riscos.

Adicionalmente, ganhos horizontais de produtividade poderiam ser alcançados mediante a melhoria em vários parâmetros de operação do setor privado. Por exemplo, o "Doing Business" do Banco Mundial indica que uma empresa brasileira hoje gasta, em média, 2.600 homens-hora por ano simplesmente para pagar tributos. As médias na América Latina e Caribe e na OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) são, respectivamente, de 367 e 176. Licenças de construção tomam em média 469 dias no Brasil, contra 225 e 143 nesses últimos.

Para uma economia com elevadas carga tributária e proporção de gastos públicos no PIB, como o Brasil, melhoras na qualidade destes últimos fariam enorme diferença.

Não por acaso, essa foi uma demanda central nos protestos de rua em junho. Uma pesquisa feita no ano passado por Eduardo Ley (Banco Mundial) e Francesco Grigoli (FMI), usando Cingapura como referência de eficiência nos gastos públicos em educação e saúde, sugeriu estar o nível de desperdício nessas áreas no Brasil algo em torno de 4,2% do PIB.

Em termos mais gerais, a experiência internacional vem mostrando como a transparência, a avaliação de resultados, a prestação de contas e a concorrência nas compras públicas reduzem a corrupção e melhoram a qualidade do gasto público.

Ainda que sejam distintos os horizontes da gestão da conjuntura e da agenda de prazo mais longo, a presença desta última tende a fortalecer a credibilidade e a eficácia da primeira. É mais fácil navegar uma turbulência quando se vislumbra um norte a perseguir.

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