domingo, setembro 08, 2013

Outro fracasso - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 08/09

Estou escrevendo sem saber se já atacaram a Síria. O que dá para saber sem esperar os fatos é que, mais uma vez, as Nações Unidas não tiveram nada a ver com o assunto. A ONU é um monumento aos melhores sentimentos humanos e ao mesmo tempo uma prova de como os bons sentimentos pouco podem, portanto um monumento à inconsequência.

O fracasso da ONU na sua missão mais importante, que é evitar as guerras, torna as suas outras mil e uma utilidades supérfluas. Pouca gente sabe tudo o que a ONU faz nos campos da saúde, da agricultura, dos direitos humanos etc. como pouca gente sabia que a Liga das Nações, sua precursora, também promovia cooperação técnica entre nações e programas sociais, além de tentar inutilmente manter a paz. O principal ideal que a ONU herdou da Liga foi o do debate substituindo a guerra e a racionalidade superando as desavenças tribais. Nisso, suas únicas diferenças da Liga das Nações são que uma sobrevive à frustração que liquidou a outra e tem a adesão dos Estados Unidos, que a outra não tinha.

Apesar de o presidente americano durante a Primeira Guerra Mundial, Woodrow Wilson, ser um entusiasta da Liga que acabaria com todas as guerras, o Congresso americano rejeitou a participação dos Estados Unidos na organização, o que matou Wilson de desgosto. O Congresso aprovou a entrada do país na ONU depois da Segunda Guerra, mas a antipatia continuou. O desdém pela ONU ou por qualquer entidade supranacional é uma constante do conservadorismo americano. E no entanto, a ONU já dura mais do que o dobro do que durou a Liga das Nações. Ela também é um monumento à perseverança sem nada que a justifique.

Talvez se deva adotar a ONU como símbolo justamente dessa insensata insistência, dessa inconsequência heróica. Com todas as suas contradições e frustrações, ela representa a teimosia da razão em existir num mundo que teima em desmoralizá-la. Pode persistir como uma cidadela do Bem, na falta de palavra menos vaporosa, nem que seja só pra gente fingir que acredita neles, na ONU e no Bem, porque a alternativa é a desistência. É aceitar que, incapaz de vencer o desprezo e a prepotência dos que a desacreditam, a idéia de uma comunidade mundial esteja começando a sua segunda agonia.

A Liga das Nações durou até 1946 mas agonizou durante 20 sangrentos anos até morrer de irrelevância. A ONU depois de mais este fracasso, só terá levado mais tempo para se convencer da sua própria irrelevância.

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