segunda-feira, agosto 19, 2013

Planos do Brasil para a África - SÉRGIO LEO

VALOR ECONÔMICO - 19/08

Para o governo, é uma prioridade. Entre os empresários, segundo as metas estratégicas definidas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), é a região que mais teve votos na escolha entre os alvos possíveis do Brasil em acordos de livre comércio. Mas as relações comerciais do Brasil com a África não têm refletido esse interesse.
O continente, que, há quatro anos, caminhava para representar quase 6% de todas as vendas brasileiras ao exterior (excetuando o Oriente Médio), ficou, entre janeiro e julho, com uma fatia inferior a 4,5%, que vem encolhendo.
A queda não se dá por falta de dinamismo no continente africano. Segundo previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre as dez economias com maior crescimento entre 2011 e 2015, sete serão africanas. Os EUA preveem crescimento próximo a 6% para as economias da África subsaariana neste e no próximo ano. Esses dados levam o setor privado brasileiro a olhar com interesse cada vez maior para aquelas economias, bastante heterogêneas, com um ambiente de negócios longe de ser dos mais confortáveis.
No governo, à ideologia Sul-Sul, de aproximação com países em desenvolvimento e de estreitamento das relações com a África, juntou-se a preocupação com o avanço chinês no continente vizinho. Pelo menos nos altos escalões em Brasília, é clara a ordem da presidente Dilma Rousseff para ampliar as ações voltadas aos negócios com os países africanos. Nos próximos meses, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve abrir escritório em Joanesburgo, África do Sul, para iniciar operações em toda a África, de apoio a empresas brasileiras por lá.
Os passos brasileiros são lentos, porém. Os técnicos do BNDES já concluíram que a logística é um dos maiores problemas na África, onde falta conexão de transportes e comunicações entre muitos países vizinhos. Para brasileiros, um obstáculo exige maior urgência: a falta de informação sobre os mercados locais e a situação de potenciais concorrentes. O Banco deve usar boa parte de seus primeiros meses de operação levantando as condições para operação brasileira nesses países. Não são poucas as dificuldades, inclusive no próprio governo brasileiro.
Em setembro, a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) fará um seminário no Rio de Janeiro sobre a África, em uma demonstração do ânimo também entre especialistas do setor. As exportações do Brasil aos africanos ainda são pouco diversificadas, em matéria de destinos e de produtos, como lembra o economista Pedro da Motta Veiga, em artigo para a "Revista Brasileira de Comércio Exterior" (RBCE), da fundação, que começa nesta semana a circular com análises da expansão das empresas brasileiras, da cooperação do Brasil e das perspectivas do país na África.
Entre 2008 e 2010, três países, apenas, concentravam 48% das vendas brasileiras ao continente - de janeiro a julho de 2013, Egito, África do Sul e Angola concentraram 46% -, e as exportações também se concentram, em grande parte (mais de 60%), em açúcar, carnes, cereais, gorduras e óleos animais e vegetais.
É essa forte concentração em poucos produtos, afetados por fatores sazonais, ou pela forte competição asiática, a explicação para a queda de quase 7% nas exportações aos africanos. A África, em contrapartida, foi a região que mais aumentou as vendas ao Brasil neste ano, em quase 18%, principalmente em petróleo, gás, fertilizantes e polímeros plásticos, na comparação com janeiro a julho de 2012 - cerca de 85% das importações brasileiras da África são de petróleo ou derivados.
Motta Veiga aponta o instável e pouco transparente ambiente institucional como um dos principais problemas lembrados pelas empresas brasileiras que atuam naquele continente. O principal instrumento estatal para estimular a aproximação com a África tem sido o financiamento do BNDES.
O governo brasileiro deveria buscar em seus acordos de cooperação mecanismos para mitigar riscos de financiamento e investimento, e aperfeiçoar as práticas e instituições africanas, sugere Motta Veiga, que também lembra, como dificuldade para investimentos brasileiros na África, a falta de mão de obra qualificada.
Essa carência, segundo Deborah Vieitas e Isabel Aboim, do Banco Caixa Geral, autoras de outro artigo publicado na revista da Funcex, poderia até ter um aspecto positivo, se orientasse projetos de cooperação brasileira para formação de mão de obra por meio de empresas brasileiras com atuação naqueles países, com apoio do Sesi e Senai.
Na revista, um artigo da consultora Melissa Cook faz um alerta: os grandes atores globais têm aproveitado a melhoria do ambiente de negócios em alguns países da região para firmar contratos de longo prazo. Quem não agir rápido ficará de fora, o que será um erro para empresas brasileiras necessitadas de ampliar mercado, diz ela.
Países como o Sudão do Sul e a República Democrática do Congo despertam otimismo no setor privado interessado em projetos de infraestrutura, garante a consultora. No BNDES, os defensores da expansão para os países africanos lembram que o continente pode representar uma alternativa para compensar os ciclos econômicos nos mercados desenvolvidos.
Os especialistas em África chamam atenção para os desafios na montagem de instrumentos de financiamento e garantias, mas reconhecem a necessidade de renegociar e sanar antigas dívidas, algumas nascidas na década de 70, se o país quiser ter, de fato, presença no que parece ser um dos mais promissores mercados do mundo.
É uma pena que esse debate se dê de maneira pouco aprofundada no Congresso, capturado pela disputa partidária por questões internas, que pouco têm a ver com a estratégia do país em sua atuação internacional.

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