sábado, agosto 17, 2013

Luz no fim do eixo - ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

FOLHA DE SP - 17/08

Uma máquina de autodivulgação, que exagera os números para seduzir os patrocinadores


Na defensiva, admitindo erros. Quem diria, foi essa a imagem nos últimos dias de Pablo Capilé, o outrora inabalável líder do coletivo Fora do Eixo.

Até há pouco, só quem sabia do Fora do Eixo --originário de Cuiabá, surgido em festivais independentes, hoje tentando colar também em movimentos populares-- era a turma pequena que acompanha o cenário musical. Já escrevi muito e criticamente sobre o FdE. Por anos, na "grande mídia'', uma voz solitária.

Mas vieram as manifestações de junho, as transmissões da Mídia Ninja (ao vivo, de dentro das passeatas) e a revelação de que os ninjas eram bancados pelo Fora do Eixo.

Seguiu-se um interesse natural, culminando no programa "Roda Viva" da semana retrasada. Os entrevistados foram Capilé e Bruno Torturra. Mesmo que boa parte dos entrevistadores não entendesse nada, fez-se uma pergunta crucial: de onde vem o dinheiro do FdE?

Assim, já de início, foi possível saber que a tropa do revolucionário, do antiestablishment, do inimigo do capitalismo Pablo Capilé vive de dinheiro de governos e de grandes corporações (por meio dos chamados "editais"). De qualquer governo (PT, PSDB etc.) e de qualquer corporação (Petrobras, Vale, Banco do Brasil, Itaú Cultural, o que pintar).

No geral, Capilé e Torturra saíram-se bem. Ironicamente, parece que o bom desempenho foi o estopim da reação. Como se algumas pessoas tivessem dito: "O Fora do Eixo vai sair por cima? Já me dei mal com eles, sei quem são. Vou contar tudo". Uma tormenta se armou na internet.

Começou com o depoimento da cineasta Beatriz Seigner, que se ligou a eles e sentiu-se enganada. Prosseguiu com o testemunho de Laís Bellini, ex-militante, apontando as semelhanças com uma seita. E aumentou com dezenas de outros desabafos.

Assim, foi possível esboçar o "modus operandi" do FdE.

a) são uma indústria de ganhar editais;

b) muito raramente pagam cachês;

c) operam por dentro da política partidária e do aparelho estatal, principalmente secretarias de Cultura (quase sempre petistas) e o próprio MinC;

e) são uma máquina de autodivulgação, inflando os números dos eventos que organizam, para conseguir mais visibilidade com patrocinadores e políticos;

f) sob o slogan "trabalho é vida", jovens que vivem nas Casas Fora do Eixo dedicam-se de graça, sete dias por semana, a essa atividade publicitária, como "formigas felizes".

A expressão "formigas felizes" não é de ninguém "de direita", "rancoroso" ou "analógico", como o FdE costuma desqualificar seus críticos. Está em um texto no Facebook da americana Shannon Garland, 31, doutoranda do Departamento de Música da ultraprestigiosa Universidade Columbia, em Nova York.

Ela estuda a música independente sul-americana. Fala ótimo português, entende o Brasil. Colaborou com o Fora do Eixo, chegando a passar dois dias por semana na casa de São Paulo. Em dezembro de 2012, publicou um artigo revelador: "The Space, the Gear, and Two Big Cans of Beer" (o espaço, o equipamento, e duas latonas de cerveja).

O texto antecipa a discussão de hoje. Aponta que o Fora do Eixo é uma organização voltada para a promoção de si própria. Os festivais, as bandas, tudo segundo plano. O importante é fazer coisas, qualquer coisa, para que depois as formigas felizes as promovam artificialmente na internet.

Shannon Garland se diz decepcionada com a unanimidade pró-FdE no meio acadêmico, incluindo pesquisadores que admira. Lamenta que Hermano Vianna, Ronaldo Lemos e Oona Castro "elogiem tanto" a organização de Capilé.

Mas há pelo menos uma exceção. André da Fonseca, da Universidade Estadual de Londrina, apresenta o que chama de "visão crítica sem rancores ou deslumbres". Escreveu um artigo valioso, "Vida Fora do Eixo", sobre a dedicação obcecada dos militantes.

E um dos maiores especialistas do mundo em coletivos e cultura alternativa também quebra o consenso. É George Yúdice, da Universidade de Miami, profundo conhecedor do Brasil.

Em depoimento no "Face", ele conta como apresentou o FdE a grupos da América Central e, quando percebeu, fora passado para trás --o FdE tinha tomado conta do dinheiro e pregado sua marca em eventos que nada tinham a ver com o coletivo brasileiro.

O juiz da Suprema Corte americana Louis Brandeis (1856-1941) dizia: "A luz do sol é o melhor desinfetante; a luz elétrica, o policial mais eficiente". Figura das sombras, das manobras, imperador de um submundo paralelo, Pablo Capilé enfrenta pela primeira vez a exposição pública. O resultado tem sido devastador.

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