terça-feira, agosto 13, 2013

Discutir a relação - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 13/08

Visita de secretário de Estado dos EUA ao Brasil será pouco produtiva se episódio de espionagem deixar agenda econômica em segundo plano


Sob o peso das revelações recentes acerca da vasta máquina de espionagem americana, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, chega hoje ao Brasil com a tarefa de preparar a visita da presidente Dilma Rousseff à capital americana, programada para outubro.

As relações entre Brasília e Washington, que já não atravessavam bom momento em vários aspectos, ficaram ainda ainda mais prejudicadas após a divulgação de que o Brasil também estava entre os países espionados pelos EUA.

A presidente Dilma, num conhecido jogo de cena diplomático, qualificou o episódio como violação de soberania e de direitos humanos e prometeu levar o caso a diversas organizações internacionais.

O tema acabará tendo proeminência na visita de Kerry, mas divergências menos óbvias, embora sem dúvida mais importantes do ponto de vista pragmático, precisam ser debatidas. A espionagem, por definição, não será interrompida após mero pedido da parte vigiada. Questões econômicas e cotidianas, por outro lado, podem avançar nesse tipo de encontro.

Blocos comerciais que excluem o Brasil vêm sendo priorizados pelos EUA. Enquanto isso, o país, já engessado pelo Mercosul, aposta na Organização Mundial de Comércio (OMC), instituição que conta com cada vez menos apoio americano.

Há pouco otimismo também com relação à isenção de visto para brasileiros em viagem aos EUA. Washington exige um nível de compartilhamento de informações que Dilma Rousseff dificilmente aceitaria agora. Além disso, o cenário econômico ruim do Brasil provoca no governo americano o receio de novas ondas de imigrantes.

Quanto aos organismos multilaterais, nada indica que os Estados Unidos venham a apoiar formalmente o ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. E a reforma das cotas do FMI, que aumentaria a participação brasileira, continua sem a aprovação do Congresso americano.

Não que tudo esteja ruim. Ainda que em ritmo inercial, os EUA continuam como o segundo parceiro comercial do Brasil, com volume de US$ 59,1 bilhões no ano passado, dos quais US$ 26,7 bilhões em vendas brasileiras.

Há avanços em itens pontuais, como o aumento do intercâmbio estudantil. Os dois países também estão próximos de assinar tratado para a troca de informações tributárias e financeiras, o que eliminaria a bitributação, demanda de empresários daqui e de lá.

O desafio de Dilma Rousseff é separar a reação dura e protocolar ao escândalo de espionagem da necessidade de avançar em outros pontos da agenda, principalmente os de natureza econômica.

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