GAZETA DO POVO - PR - 31/08
O que assemelha dois episódios aparentemente tão diferentes quanto a manutenção do mandato do deputado-presidiário Natan Donadon e a vaia dos médicos cearenses aos colegas cubanos recém-chegados?
O salvo-conduto oferecido pelos deputados ao legislador-malfeitor situa-se na esfera criminal: espertos, pretendem gozar da mesma impunidade quando seus eventuais ilícitos e bandalheiras forem desvendados. Já a assuada e os apupos dos esculápios no aeroporto de Fortaleza são de ordem pragmática: não querem concorrentes, o imaculado avental branco não pode ser estendido a estranhos. Privilégio exclusivo, só deles.
Deputados-cúmplices e médicos ensandecidos são filhos da mesma aberração política: o corporativismo. A República Corporativa do Brasil (já referida neste espaço em 27 de abril) avança. Quanto mais se desenvolve a percepção de isonomia e as exigências de igualdade, maior a resistência dos setores agarrados às regalias particulares.
O corporativismo é uma forma de exclusão, fragmentação da sociedade em camadas seletivas, autêntico sectarismo, tribalismo modernizado. É uma incapacidade de enxergar o todo – o bem comum, a comunidade – em benefício dos grêmios privados (as guildas medievais).
Não foi por acaso que o fascismo de Benito Mussolini, um ex-socialista paranoico, edificou sua concepção de Estado sobre a enganosa e pseudodemocrática ideologia corporativista. Também não é coincidência que essa formatação política tenha germinado entre nós com tanto viço e vigor: o tenentismo dos anos 20, a luta contra as oligarquias da Revolução de 1930, o arcabouço da Constituição de 1934 e a ditadura do Estado Novo imposta em 1937, cada um destes movimentos, à sua maneira e em doses diferenciadas, contribuiu para consolidar uma mentalidade e um arcabouço corporativista até hoje persistentes.
Quando esquecem sua função pública e a solidariedade, inchadas pelo jogo de poder, corporações são caricaturadas como máfias, e a nossa “máfia de branco” tem no currículo desempenhos ostensivamente antissociais. No entanto, médicos são os nossos melhores amigos; em cada história pessoal há um doutor que minorou a dor, salvou nossa vida ou a de nossos queridos. Não é a pessoa física, a profissão nem o seu benemérito exercício que estão em discussão. São os desvios do grupo, das entidades, a ambição e arrogância da pessoa jurídica convertidas em atividade-fim.
A vaia de Fortaleza foi ouvida no Brasil inteiro graças a uma foto silenciosa e dolorosamente reveladora de malefícios e maldições piores que o corporativismo. Doença da alma, a xenofobia é o rancor contra o outro, o diferente, o desigual. No caso, o médico cubano em primeiro plano era negro. Assim, casualmente, a foto converteu-se em radiografia e ofereceu um arrasador diagnóstico da nossa desumanização: a xenofobia é irmã do racismo e ambas, filhas do fascismo.
Medicina e xenofobia não combinam: antípodas e antagônicas. O programa Mais Médicos pode resultar numa catarse e vencer a maldição original – a histeria ideológica.
Depois de tanta indignação humanitária da parte do jornalista Dimes, só falta agora, ele ir na rua e atear fogo nas vestimentas de seda purpura. Nem precisa ficar de cabeça para baixo!
ResponderExcluirPerdão. Medicina (má e equivocada, diga-se) combinam, sim, com xenofobia, nacionalismo e racismo. Basta ver o exemplo da Alemanha Nazista em que a classe profissional que detinha, de forma disparada, o maior números de aderentes de carteira e inscrição no partido Nazista eram os médicos (mais de 40% deles eram inscritos no partido - ver de "The Archictecure of Doom"; os advogados, na mesma condição, mal chegavam a 20% da sua classe). E houve, é claro, a medicina psiquiátrica soviética.
ResponderExcluirDimes?
ResponderExcluirPerfeito trocadilho. Dines envelheceu sem manter a dignidade, hoje não passa de reles velho sobrevivendo de migalhas sem coragem de perder as boquinhas que o governo lhe dá via TV Brasil e outras.
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ResponderExcluirManoel Borges(Natal RN)