segunda-feira, julho 08, 2013

Tamarod - FRIED­MANN­ WEND­PAP

GAZETA DO POVO - PR - 08/07

A palavra de ordem no Egito foi “rebela-te!” O movimento de rebelião pôs nas ruas mais de 20 milhões de pessoas que pediam democracia, laicidade, liberdade. Ocorre que o presidente Mursi havia sido eleito há um ano e conseguiu aprovar em referendo a nova Constituição. É verdade que apenas um terço dos eleitores compareceu às urnas e, especialmente mobilizados pela Irmandade Muçulmana, aprovaram o novo texto magno que pôs o país na linha das teocracias.

O Egito tem 80 milhões de habitantes, sendo uns 10 milhões cristãos. A convivência não era perfeita, mas havia pouca violência de fundo religioso. Com a ascensão de Mursi – que prometeu governo não sectário, mas não cumpriu – começou a destruição de igrejas e perseguição violenta a cristãos e outras minorias, muçulmanas ou não.

Se mais de 20 milhões de pessoas se manifestaram contra as restrições à liberdade decorrentes da islamização do governo, significa dizer que a causa da democracia vai além do aspecto da mera tolerância religiosa. É sinal alvissareiro de amadurecimento da percepção de que a ligação entre religião e política faz mal aos direitos fundamentais. Quando o Estado se torna adepto de uma religião, todas as leis são feitas nos moldes do credo hegemônico e o dissenso, a oposição, é considerada heresia, pecado.

A religião é modalidade de ideologia utópica, no sentido de que um modus vivendi específico é moralmente superior aos outros. Assim, em nome do paraíso vale qualquer meio para impor a ideia correta, inclusive exterminar quem pensa de modo diferente ou cultua de modo errado o deus errado. As guerras religiosas na Europa (1560 a 1648) entre católicos e protestantes mataram proporcionalmente mais gente que as duas guerras mundiais no século 20. A violência do fervor religioso é, paradoxalmente, maior que a de outras motivações.

A rebelião contra a imposição política de uma religião no Egito mantém o espírito de primavera árabe, impedindo o inverno do sectarismo, da perseguição. O maior êxodo da história ocorreu entre 1947 e 1948, quando 8 milhões de muçulmanos caminharam da Índia para o recém-criado Paquistão, enquanto uns 5 milhões de hindus fugiram para a Índia. Un roi, une loi, une foi. Modernizando a expressão: um Estado, uma lei, uma fé. Para não conviver com “impuros” vale tudo.

A Irmandade Muçulmana se mobilizou para defender Mursi. O acirramento dos ânimos é péssimo porque qualquer concessão ao diálogo parece traição. Acelera-se a espiral de agressão para mostrar aos correligionários que a causa é divina; sofrer e provocar sofrimento é purificação para merecer a bênção de Deus.

Entre nós existem grupos religiosos que fazem política em nome de Deus e políticos que pactuam até com o demônio, mas a prevalência da laicidade assegura liberdade para rebelar-se em relação a tantos outros assuntos que as democracias parecem panela de pipoca, porém não explodem como as de pressão!

A favor ou contra a derrubada do presidente Mursi? Por princípio, a resposta óbvia é ser contra. Contudo, o Egito não é simples. Os democratas tinham medo da eleição popular por causa da Irmandade Muçulmana; esta, por sua vez, deplora a democracia, mas ganhou o poder no voto. Não há resposta fácil.

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