terça-feira, julho 09, 2013

O funeral de César - CRISTOVÃO TEZZA

GAZETA DO POVO - PR - 09/07

Um professor de História dos meus tempos de colégio fazia uma brincadeira para comentar a morte de Júlio César: Marco Antônio mudou o rumo do Império Romano ao transformar o tirano César num herói e Brutus, num traidor assassino, graças ao célebre discurso que Shakespeare escreveu para ele. Guardando as proporções, talvez seja o caso de o Planalto descobrir um Shakespeare que escreva um discurso revitalizando a presidente Dilma, porque a marquetagem não anda à altura da façanha.

Na magnífica cena da peça, a “voz do povo” vai rapidamente mudando de lado ao sopro sutil da retórica – o problema é que Marco Antônio tinha uma convicção e um talento que hoje não se encontram em parte alguma. Provou-se que “altos índices de popularidade” são um veneno paralisante. O que havia era apenas a máquina emperrada vivendo sua traiçoeira calmaria, sem perceber o beco sem saída em que estava entrando. Tranquilamente desprovido de projetos, o governo súbito desabou, passando uma impressão demolidora de não servir para nada.

O ano de 2013 vai dar pano para a manga de muita especulação teórica que tente explicar o que está acontecendo – os fatos e a gritante imaturidade para responder a eles, como essa proposta um tanto patética de plebiscito “para ontem”. E não faltou nem um providencial deputado corrupto atrás das grades (o que, pela espantosa raridade, sempre é bom). Mas sente-se algo de ruim na atmosfera brasileira, e é esse espectro inefável que deixa o país inquieto. A lista é grande, a começar pela sequência de crimes violentos de uma inaudita barbárie, mais o clima de guerra civil em todas as periferias das cidades; e, na outra ponta, os índices da educação básica, nossa única porta de saída consistente, patinam teimosos no mesmo lugar há praticamente uma geração (talvez não por falta de vontade, mas de um bom diagnóstico). Ao mesmo tempo, ativistas religiosos (num leque que vai do messianismo sincero à simples exploração política) solapam todos os dias o fundamento laico do Estado brasileiro, uma das boas coisas que conseguimos manter. Para completar, a produção de riqueza, via indústria ou agronegócio, afunila-se por onde quer que tenha de passar.

Pouco antes dos grandes protestos, a massa de gente nas filas da Caixa, atravancando-se em pânico pelos trocados do Bolsa Família, criou a percepção difusa de que algo errado acontecia (o que é injusto com os realmente necessitados). Em toda parte, sentia-se a catatonia política, refestelada em seus privilégios. Nesse panorama de desastres, em que reduções de IPI parecem ser a grande arma estratégica do Estado, dois únicos projetos iluminam o governo: o trem-bala e a Copa do Mundo, esses presentes de grego. Há um perfil trágico na figura de Dilma, ao não entender o porquê da ingratidão popular que irrompeu no país. E falta um Marco Antônio para lhe salvar a pele.


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