quinta-feira, julho 04, 2013

O Estado ainda não entendeu as ruas - EVERARDO MACIEL

O ESTADÃO - 04/07

A força das recentes manifestações de rua no Brasil causou surpresa geral, aqui e no exterior. Prevaleceu a máxima do poeta grego Ágaton (447 a.C. - 401 a.C.): "É muito provável que o improvável aconteça". Ainda é cedo para se aquilatar a real dimensão e consequências dessas manifestações. Arrisco-me a fazer alguns comentários.

O desdobramento, em âmbito nacional, do movimento a favor do passe livre nos transportes públicos de São Paulo revelou a existência de um grande mal-estar na sociedade brasileira em decorrência de inúmeras causas, como a volta da inflação, a ineficácia dos serviços públicos e o aumento significativo da corrupção.

A inflação e a má qualidade dos serviços públicos decorrem de clamorosos erros na condução da coisa pública. Já o aumento da corrupção tem suas raízes na completa degradação da atividade política e dos valores que informam a vida em sociedade.

Impressiona muito o recurso a conhecidas e ineficazes providências para enfrentar a inflação (desoneração pontual de tributos, manipulação de tarifas aduaneiras, administração de preços públicos, ameaças ridículas aos empresários, etc.). Esse filme, como se sabe, tem desfecho trágico. Inexiste qualquer preocupação com o equilíbrio fiscal, exceto as engenharias contábeis que desrespeitam a inteligência alheia. O estímulo ao consumo se faz de forma irresponsável. A política expansionista de gasto público não produziu nenhuma melhoria dos serviços públicos. Alguém está satisfeito com a infraestrutura rodoviária? Com os portos e aeroportos? Com o atendimento no SUS? Com a educação pública de péssima qualidade? Com os serviços de telefonia e de internet? É evidente que sobra Estado e falta governo.

Os eventos da Copa do Mundo justificaram o afastamento dos procedimentos licitatórios, o esbanjamento de dinheiro em um país carente, a completa submissão do interesse nacional à grosseira colonialista e mercantilista de uma Fifa, reconhecidamente pouco virtuosa. A intenção original era explorar politicamente esses eventos. Esqueceram, todavia, dos preços dos ingressos. O povo ficou do lado de fora das arenas. Assim, os que se jactavam de promover a inclusão social produziram a mais espetaculosa exclusão.

A atividade política converteu-se em mero meio de vida, salvo raras e honrosas exceções. A criação de partidos políticos constitui quase sempre uma forma de apropriação dos recursos públicos do Fundo Partidário. Da mesma forma, sindicatos, "movimentos sociais" e organizações estudantis são financiados, de forma direta ou indireta, com recursos do contribuinte. Estamos criando uma nova modalidade de patrimonialismo. A degradação dos valores pode ser sintetizada em uma frase emblemática: "É mero caixa 2". Tudo é justificável, desde que sirva à perpetuação dos donos do poder ou à satisfação de interesses pessoais.

Qual é a reação do Estado a esse quadro de mal-estar inespecífico? O Executivo acenou com um plebiscito sobre a reforma política e alguns "pactos" sobre algumas políticas públicas. O Legislativo apressou-se em aprovar medidas com alguma visibilidade, no intuito de responder ao clamor popular.

A proposta do plebiscito, desconsiderada a presumível manobra diversionista, vai se disputar, com favoritismo, o torneio de más ideias. É óbvio que existem sérios problemas no modelo político brasileiro. Mas a escolha do sistema eleitoral ou da forma de financiamento das campanhas não é tarefa trivial. Jamais poderia ser objeto de plebiscito. Antes de fazer uma reforma abrangente, caberia adotar medidas pontuais, como cláusula de barreira para os partidos, limitação dos gastos de campanha e eliminação de coligações em eleições proporcionais.

Pactos presumem conflitos. Que conflito existe em relação à saúde, à educação ou aos transportes públicos? Pactos de quem com quem? Pura embromação de quem não fez o dever de casa. Enfim, trabalhar é muito dificultoso, como diria Guimarães Rosa.


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