quinta-feira, julho 11, 2013

Farra no céu - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 11/07

É inverossímil pensar que os políticos que usaram aviões do Estado para ir a jogos da seleção brasileira não sabiam do abuso que cometiam


Na Roma Antiga, seus imperadores exerciam o poder buscando conquistar a fidelidade do povo à ordem estabelecida à custa da oferta abundante de pão e circo – panem et circensis, na locução latina. Observava-se então que, não faltando comida nem divertimento, o povo, mal-instruído e desinformado, era capaz de tolerar a corrupção, os privilégios e até mesmo as atrocidades dos poderosos.

Séculos se passaram, mas no caso brasileiro o pão e o circo deixaram de ser oferecidos ao povo e se tornaram apanágio dos poderosos. Está aí, para comprovar, a farra dos jatinhos oficiais transportando figurões, suas famílias, amigos e agregados para assistir a jogos da seleção brasileira, participar de festas de casamento etc. Felizmente, a tolerância popular quanto a tais excessos está chegando aos seus níveis mais baixos.

É inverossímil pensar que os políticos que assim agiram – dentre os quais os presidentes do Senado e da Câmara Federal, respectivamente Renan Calheiros e Henrique Alves, assim como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, e o governador do Paraná, Beto Richa – não sabiam do abuso que cometiam ao colocar à disposição privada um bem e um serviço público. Os dois primeiros decidiram “ressarcir” os cofres públicos, mas é extremamente cínica a decisão do presidente da Câmara, que devolveu o valor equivalente a passagens em voos comerciais (em que os custos da empresa aérea acabam divididos por centenas de passageiros), quando o correto seria ressarcir o custo de um voo especial fretado.

O comportamento desses políticos aproveitadores sempre guardou estreita relação com dois fenômenos não excludentes. O primeiro deles, uma certa tradição atávica de patrimonialismo que leva os governantes a considerar que o bem público também lhes pertence e que dele podem fazer o uso que bem entenderem. O outro diz respeito à natureza cordata do povo brasileiro, à qual se soma forte dose de desinformação, de baixa escolaridade e de desconhecimento em relação à própria cidadania.

Aliás, a relação intrínseca entre esses fatores e o grau de tolerância popular foi medida pelo sociólogo Alberto Carlos Almeida que, em seu livro A cabeça do brasileiro, de 2007, mostra que 17% dos brasileiros concordam com a frase “se alguém é eleito para um cargo público, deve usá-lo em benefício próprio”. Quando menor a escolaridade – e, consequentemente, renda e nível de informação e politização –, maior a tolerância com o patrimonialismo, a ponto de 60% dos analfabetos entenderem ser direito do detentor de poder público utilizá-lo em benefício pessoal. No outro extremo, 97% das pessoas com curso superior consideram a prática condenável. Quem sabe seja por isso que, proposital ou intuitivamente, os governos deem tão pouca importância à educação.

De todo modo, as ruas pelas quais serpentearam multidões de manifestantes contra desmandos dos governos demonstram que o nível de conscientização popular cresceu, que o acesso à informação melhorou exponencialmente e que as redes sociais se tornaram instrumento de arregimentação das massas infenso à censura ou ao controle abusivo do aparato oficial. São sinais evidentes da explosão da represada insatisfação popular que precisam ser respeitados e compreendidos segundo um critério muito distante daquele praticado pelos imperadores romanos. Mesmo porque o “pão” prevaleceu nas reivindicações e o “circo”, representado pela Copa do Mundo e suas gastanças, foi solenemente rejeitado.

Quando se vê que, a despeito da “voz das ruas”, jatinhos e outros privilégios continuam sendo usados sem pudor, é legítimo constatar que o povo se mostra mais consciente de sua cidadania e do significado de republicanismo que os políticos que nos governam. Se querem “circo”, que paguem por ele. Quanto ao “pão”, trata-se de um direito do povo e de um dever dos governantes de provê-lo de acordo com o que lhes compete.

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