FOLHA DE SP - 04/07
Se uma construção cai, o engenheiro errou; um péssimo ministro da Fazenda pode virar um rico consultor
Não há resposta certeira à pergunta do título. Contudo, sua discussão é proveitosa para entender a natureza da economia.
A constatação inicial é que os economistas tratam seu estudo de formas distintas. Pérsio Arida, em texto clássico, caracteriza a ortodoxia como uma tentativa de replicar a metodologia da física, o que faria o conhecimento econômico progredir por uma fronteira bem delimitada. A heterodoxia não aceita tal noção.
Questões teóricas perduram por séculos sem solução: a moeda é endógena ou exógena? A poupança precede o investimento ou não?
A equiparação à física é precária. Uma ciência dura ou natural se caracteriza por descrever com objetividade e distanciamento os fenômenos que analisa, obtendo leis (regularidades) e explicações que permitem fazer boas previsões.
O problema de caracterizar a economia como uma ciência dura é menos por sua conhecida capacidade de fazer previsões ruins. Isso poderia significar somente que seu estágio de desenvolvimento é inicial.
Mais relevante, a economia tem uma face prescritiva inexistente na física, indicando ao governo como agir. Comparação melhor é com a engenharia, que prescreve métodos de construção ou fabricação.
Porém é mais fácil julgar o trabalho de um engenheiro: se uma construção sua cai, sem dúvida ele errou. No caso dos economistas, um péssimo ministro da Fazenda pode virar um rico consultor. É que as prescrições econômicas têm uma dose de ideologia (crença) e interesse. É por isso que costumam ser avaliadas.
Por exemplo, uma grande preocupação com a inflação e o rigor fiscal atende à crença de que esses seriam requisitos da confiança dos investidores. No entanto, é também um jeito de fazer com que o principal interesse dos mais pobres (ganhar mais) seja deslocado para o longo prazo, enquanto é imediata a busca de inflação baixa, que preserva a riqueza de quem já tem renda alta.
Por outro lado, o foco na elevação dos salários reais revela a crença na demanda como motor da economia, mas também o interesse na distribuição de renda.
A ideologia também explica por que, ao contrário da física, a teoria econômica e suas recomendações pouco mudam. Ideologias são articulações de ideias que se caracterizam pela fixidez. Há quase 300 anos a maioria dos economistas sugere flexibilização do mercado de trabalho, austeridade fiscal etc.
É bom lembrar que, antes de ser um campo de estudo, a economia é um sistema: um conjunto de coisas que se relacionam obedecendo a certas regras.
O ser humano criou vários sistemas interessantes. O xadrez é complexo, mas fechado e dado. O carro é um sistema complexo e que muda. Só que as mudanças são planejadas e controladas por uma montadora.
A economia é o mais incrível: complexo, aberto e descentralizado, formado pela interação de um sistema produtivo e um monetário.
No capitalismo, a moeda sem lastro foi uma novidade decisiva para o sistema econômico, que fez a demanda -por produtos, inovações e investimentos- passar a ser o motor principal do desenvolvimento produtivo, livrando a humanidade de ter que previamente acumular excedentes (poupança).
O dinamismo também trouxe mais volatilidade, o que exigiu o sistema evoluir. Por exemplo, crises bancárias levaram ao monopólio da emissão de moeda pelo Estado, que também criou o banco central para tentar evitar que problemas de liquidez derrubem o sistema econômico. Esses processos continuam a ocorrer: a crise do euro sugere a unificação fiscal de seus países.
Quer dizer, se a economia evolui pouco como teoria, o mesmo não vale para o sistema econômico. O seu estudo é útil, pois permite entender suas possibilidades, seus limites e riscos e como ele pode ser manejado para atender aos interesses que defendemos. Para tanto, uma boa dose de pragmatismo é saudável.
Nesse sentido, não gosto da abordagem ortodoxa pois se refere a um sistema pré-capitalista, em que a presença da moeda não muda as características de uma economia de escambo, e se baseia em idealização do sistema econômico pouco afeita à contraposição com a realidade.
Porém, dado o viés ideológico, é difícil mudar o entendimento econômico de alguém. Convém ao menos ter claro que a economia não é uma ciência dura. Tal equiparação é frequentemente uma forma de tomar como necessárias prescrições que são apenas crenças e defesa de interesses.
Interessante seu artigo, mas discordo de sua posição. Qual é a "metodologia da física" a que o Sr. se refere? A metodologia da física é aquela elaborada por Galileu Galilei: teoria X experimentação; daí sai o modelo matemático adequado. O laboratório da Economia é a sociedade. São muitas realmente as variáveis, mas a fisica em sua nova área de exploração: a econofisica, tem oferecido resultados importantes e previsto fatos que ocorreram.
ResponderExcluir"A equiparação à física é precária", sim se o Sr. so pensar na Física clássica, que é a única aprendida por engenheiros. Nisso concordo. Mas se a sua "economia" não se transformar numa "ciência dura ou natural" perderá sua tendencia a objetividade, ficando mais próximo da subjetividade e logo perderá sua funcionalidade. Se "a economia como uma ciência dura é menos por sua conhecida capacidade de fazer previsões ruins", não sei que ciência é essa da qual fala.Os fenômenos não lineares não apresentam "belas soluções" e podem quase sempre, prever magnificos desastres. E se a "economia é um sistema" em sua visão, então está se contradizendo. É sim um sistema, mas com comportamento "não linear".
E claro que "No caso dos economistas, um péssimo ministro da Fazenda pode virar um rico consultor", pois sempre erá um economista ruim e fraudulento, mas "conhece o caminho das pedras" dentro da política do "toma lá e dá cá" sempre levando nessas artimanhas o seu % - pró-labore.