domingo, julho 07, 2013

Concordo, mas não é comigo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 07/07

Deve-se prestar atenção na expressiva parcela de jovens empobrecidos nos protestos


As pesquisas sobre o perfil dos participantes das manifestações de rua têm deixado os brasileiros boquiabertos. Com razão. Os dados revelam concordância maciça com os protestos, pondo a nocaute a imagem de país apático, deitado em seu berço esplêndido de problemas. Os índices confirmam também que boa parcela dos manifestantes vem das classes médias, contrariando a máxima de que esse grupo não sabe o que é pegar ônibus nem dar valor a R$ 0,20. Essa leitura ligeira, contudo, corre o risco de reduzir o movimento a algo juvenil e conservador, impedindo de ver o que os fatos podem nos revelar para além dos rótulos.

Há outros dados que precisam ser colocados com urgência na planilha. Tomando como base pesquisas do DataFolha, Ibope, Data Popular e Paraná Pesquisas, pode-se afirmar com alguma segurança que quase metade dos manifestantes estrearam agora na passeata, inaugurando uma prática social em suas vidas. Outro dado de ponta é que a convocação se deu pelas redes sociais, o que põe de orelha em pé as instituições, como a família, as igrejas, as escolas e, claro, a imprensa. O grito de alerta vem de outro lugar, sem forma e sem tradição.

Por fim, há um filtro de renda e escolaridade alta em parte expressiva dos manifestantes. É o bastante para saber que a classe média anda nos cascos e que, com índices para cima de 89% (Ibope), não se sente representada por ninguém: 2014 promete.

Dois sintomas revelados nas pesquisas feitas até agora merecem atenção. Está nas entrelinhas dos que apoiam as manifestações, mas que não saíram às ruas, uma suspeita já expressa em aferições de outra natureza. É como se essas pessoas dissessem algo como “entendo, reconheço, mas esse problema não é meu”. Um exemplo de escapismo semelhante aparece na pesquisa de índices de felicidade feita pelo DataFolha em 2006. As pessoas se diziam felizes, mas afirmavam que os outros não eram.

Os especialistas viram nessa contradição um filtro social. Apesar do anonimato da pesquisa, muita gente se nega a creditar a si mesmo algo de negativo, ou a se nivelar com grupos que considera inferiores. Parece haver sintoma semelhante em meio às manifestações – os insatisfeitos devem ir para as ruas, dizem os números, “mas não sou um deles”, afirma a maioria. Ora, a dedução é de que os descontentes são os outros. Resta tornar público quem são esses outros, sob perigo de a conversa cair no vazio. E por que a classe média está lá (são os 81% de liberais e conservadores indicados pelo DataFolha)? Por solidariedade à classe operária? Estamos diante de uma histeria coletiva de fogo de palha?

Apesar do layout marcante dos jovens ativistas – garotos descolados que parecem recém-chegados de Amsterdã –, as pesquisas mostram que o levante é sobretudo dos jovens da classe emergente. Passou o tempo em que vestiam chinelas de dedo e camisetas de postos de gasolina, daí parecerem ausentes. Esse foi um grupo parcialmente atendido pelos governos nas últimas décadas. De qualquer modo, o descaso se tornou criminoso. Sabe-se, e não é de hoje, do bônus demográfico. Ou o país investia na adolescência e juventude ou não veria desenvolvimento nenhum. Sim, aumentaram as vagas nas faculdades classe C, como se diz, fazendo a população universitária saltar para 13%. Mas não se verificaram melhoras na qualidade do ensino médio e, muito menos, um projeto social para que a sociedade se engajasse de fato na promoção da juventude mais à margem.

O resultado desse tropeço tende a ser nefasto. De acordo com dados do Instituto Data Popular, 30% da classe C é formada por jovens; chegam a 41% das classes D e E. Sem escola de qualidade, limitado pelo sistema de ônibus – portanto, longe dos equipamentos culturais –, parte desse grupo perdeu o bonde da história. Enquanto isso, preferiu-se carros novos na rua, dando impressão de que pode haver reviravolta econômica sem reviravolta cultural.

Estamos tentando entender o que os jovens bem nascidos faziam nas ruas – uma nova revolução burguesa, como a da década de 1960? O tempo dirá. Quanto aos mais de 40% empobrecidos ali presentes, é fácil entender do que reclamam. Resta saber agora se um projeto de verdade em prol da juventude consegue nascer nos bastidores de Brasília. E com que cara quem deixou a caravana passar vai se explicar para 42 milhões de eleitores que tinham tudo pela frente.


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