terça-feira, julho 02, 2013

Bernanke e os protestos - ILAN GOLDFAJN

O GLOBO - 02/07

Precisamos agora fazer ajuste fiscal e ao mesmo tempo atender às novas demandas de velhos problemas


Tudo está mudando ao mesmo tempo. Choque internacional, protestos no país. Até a seleção brasileira mudou e voltou a jogar como campeã.

Parece obra do acaso. Mas não acredito em coincidências, o choque externo sinaliza proximidade do fim de um ciclo global e, através de caminhos diversos, desperta a insatisfação local já existente. Por isso acontecem ao mesmo tempo. A economia global certamente está mudando de rumo. E pressionando a economia brasileira. Após anos de juros zero, fluxos de capitais abundantes para países emergentes e pressão para apreciação do real, a maré esta mudando. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deixou claro que já está preparando a diminuição dos estímulos dos últimos anos e, no futuro, a subida de juros. Agora os fluxos de capitais estão voltando aos EUA e o real deprecia, pressionando a inflação e requerendo políticas mais austeras.

Ao mesmo tempo, os protestos indicam necessidade de mudanças: melhores serviços públicos, mais crescimento, menos inflação e, de uma forma geral, aumento do bem-estar. Essa situação reduz o espaco de manobra da política econômica, no curto prazo. Mas a dificuldade abre espaço para a oportunidade que, se bem aproveitada, pode melhorar a economia no longo prazo.

São vários protestos no mundo, cada um diferente do outro. O que têm em comum é que ocorrem no fim de um longo ciclo global, que começou com uma década de crescimento forte e passou por uma crise financeira global. O fim do ciclo está próximo, pelo menos nos EUA, onde o desemprego cai e aproxima-se do patamar de 6,5%, ponto focal para reversão das políticas de estímulo. O excesso de estímulo fica para trás, o que assusta o mundo.

A princípio não haveria por que temer a nova realidade nos EUA. Se, por um lado, juros mais altos nos EUA e reversão dos fluxos de capitais têm consequências negativas, como a liquidação de ativos nos países desenvolvidos, queda nas bolsas e nos outros ativos, sem falar na depreciação cambial, por outro lado, o país que primeiro entrou em crise, com o problema dos empréstimos subprime, está começando a sair dela. E a volta do crescimento nos EUA pode significar, com alguma defasagem de tempo, o começo do fim da recessão na Europa e a desaceleração no mundo.

A subida dos juros no mundo é a outra face da volta do crescimento global. Uma não vai ocorrer sem a outra. O impacto em cada uma das economias no mundo emergente vai depender da combinação do impacto financeiro negativo com o impacto da volta do crescimento global.

Na América Latina acredito que existam defesas bem construídas para choques financeiros. A grande maioria dos países (inclusive o Brasil) construiu grandes (e custosos) estoques de reservas internacionais que servem de defesa, pois podem ser usados para suavizar qualquer ajuste necessário na economia, sem grandes traumas. Muitos governos tornaram-se credores em moeda forte, os passivos externos são menos rígidos e a maturidade da dívida pública é mais longa. Acredito que após o choque inicial e o ajuste aos tremores que se seguem, haverá reversão dos eventuais exageros e a volta da calmaria.

A vulnerabilidade maior na América Latina hoje é a um choque real. Uma desaceleração mais forte da China, que venha a impactar negativamente as commodities e os termos de troca e, portanto, a renda na região teria um impacto maior que o choque de juros de Bernanke. Qual a probabilidade desse cenário? Num contexto em que a economia global se recupera lentamente, uma desaceleração mais forte da China seria consequência do estouro da bolha de crédito e de investimento, estímulos usados para revitalizar a economia depois da quebra do Lehman Brothers.

O impacto do novo ciclo mundial no Brasil depende, portanto, das idiossincrasias na China, mas também de suas próprias. O que temos de específico no Brasil em relação ao resto do mundo? Em que divergimos mais? Entramos nesta nova fase com inflação mais alta que nossos vizinhos, muitos com inflação abaixo das suas metas. Isso coloca limites na depreciação do câmbio que pode ser absorvida. Também adotamos política fiscal mais estimulativa do que os outros. Precisamos agora fazer ajuste fiscal e ao mesmo tempo atender às novas demandas de velhos problemas. Está claro que a dificuldade de hoje é também a oportunidade de rebalancear a economia. Precisamos voltar a investir em infraestrutura, mas também em serviços públicos consistentes com a alta carga tributária. Reformas que privilegiem a educação são muito bem-vindas, há que se olhar o longo prazo. Só assim reagiremos à altura ao choque externo combinado aos protestos.

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