sexta-feira, julho 05, 2013

As ruas e a lei - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 05/07
As manifestações públicas que há semanas ocupam as ruas e estradas em todo o País indicam que uma sólida consciência democrática está enraizada na alma brasileira. Esses eventos, não obstante os eventuais e inevitáveis excessos e impropriedades, são saudáveis do ponto de vista do revigoramento das práticas democráticas.
Mas até mesmo para que permaneçam assim, democráticos, é imprescindível que todos, sociedade e governo, reflitam corajosa e cuidadosamente sobre os pontos negativos que saltam à vista em parte desses episódios.

A violência, tanto de pequenos grupos de manifestantes quanto das forças policiais encarregadas de reprimi-los, é certamente um ponto negativo que sobressai. Mas há uma outra questão, de alguma maneira relacionada com a violência, porém mais ampla e grave, que é a enorme incapacidade do Estado de manter sob controle esses eventos, para defesa dos próprios fundamentos do convívio numa sociedade democrática.

Controlar, é importante deixar claro, não significa cercear a liberdade de manifestação dos cidadãos. Controlar as manifestações populares, partindo do princípio de que o direito de um cidadão termina quando começa o de outro e de que as leis existem para ser respeitadas, significa, para o Estado, em primeiro lugar, tentar harmonizar interesses em conflito e, quando for necessário, usar a força para impedir absurdos inaceitáveis, que vão desde a agressão gratuita e deliberada aos policiais até a ação de vândalos - sócio patas ou ideológicos - contra o patrimônio público e privado e de meliantes que se aproveitam desses eventos para saquear o comércio.

O Estado tem a obrigação, como ocorre em países democráticos, de fazer cumprir regras claras sobre, por exemplo, os locais onde as manifestações públicas podem ou não podem ser realizadas - o que, aliás, depende sempre de conhecimento e autorização prévios por parte das autoridades. E o princípio que deve orientar esse entendimento é o do interesse público.

A Avenida Paulista, em São Paulo, é um exemplo óbvio de local onde o bom senso recomenda que passeatas e outras manifestações que obstruam o trânsito não devem ser autorizadas. Uma das principais artérias da cidade, rota obrigatória para os principais hospitais da região, qualquer interrupção do trânsito ali resulta em enormes transtornos para centenas de milhares de cidadãos e para a economia urbana. Até eventos festivos como o réveillon e a Parada Gay encontram resistência por parte de administradores municipais que sugerem transferi-los para locais em que os problemas para a rotina da cidade sejam minimizados.

O poder público deve ter a coragem de fazer prevalecer o interesse comum também nessa questão e, sempre que for necessário, cumprir sua obrigação de proibir o uso de espaços públicos com base em critérios transparentes.

Esse é um problema que se tem agravado nos últimos dias, a partir do instante em que às manifestações promovidas na defesa de reivindicações de interesse geral, como o fim da corrupção e a melhoria dos serviços públicos, têm-se somado dezenas de movimentos promovidos por categorias específicas, com reivindicações próprias. Como os agitadores, os radicais e os simplesmente desocupados nunca perdem a oportunidade de tirar proveito de eventos dessa natureza, a ordem pública, que interessa a todos, acaba seriamente prejudicada.

Essa realidade coloca em pauta também a delicada questão da repressão policial. Se cabe ao Estado, quando necessário, no cumprimento e nos limites da lei, fazer uso da força para manter a ordem, é preciso que o aparelho de segurança esteja devidamente preparado para a missão.

E isso implica saber dosar o uso da força, o que exige de cada agente, além do treinamento adequado, um discernimento que, infelizmente, nem sempre existe.

O saudável despertar da cidadania que está nas ruas de todo o País precisa ser preservado e estimulado. Mas com responsabilidade e respeito à lei.

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