segunda-feira, junho 24, 2013

Um São João diferente - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 24/06

Ao se reunir hoje com os governadores, Dilma sai da célula e se volta ao assembleísmo de Lula para dividir responsabilidades na resposta ao desgaste político das manifestações. Mas, se ficar só na cobrança, sem o mea culpa, corre o risco de não funcionar

Há tempos, Brasília não vê uma segunda-feira tão agitada do ponto de vista político e em várias frentes. O mais óbvio é a reunião dos governadores com a presidente Dilma Rousseff em busca de divisão de responsabilidades para dar uma resposta coletiva às manifestações, dirigidas a todos os níveis de governo. Na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o juiz Márlon Reis apresentará uma proposta de reforma política no sentido de buscar via sociedade o que os políticos ainda não foram capazes de promover. É uma espécie de Lei da Ficha Limpa, fase II.

Mas, vamos por partes. A reunião com os governadores chega cercada de simbolismos. O primeiro deles é a de que pode estar em curso uma mudança de comportamento da presidente Dilma. Até aqui, ela vem tratando das coisas em “células”, bem ao estilo dos núcleos de esquerda que lutavam contra a ditadura militar. Ali, eram poucos os líderes que tinham consciência do todo, ou seja, a panorâmica das ações delineadas ficava restrita, nada podia “vazar”, sob pena de os militantes serem presos, torturados e mortos, ou seja, havia justificativa para as células.

Dilma levou esse estilo das células para o governo. Tem um núcleo para cada coisa e não dá ousadia a ninguém. Um dos exemplos mais claros para indicar essa característica de pouca abertura para conhecimento e discussão do todo é a ausência de reunião do conselho político. Como já publicamos aqui em outras oportunidades, Dilma, sempre que é cobrada a respeito dessas reuniões, inclusive as de governadores na Granja do Torto, ela respondia a alguns interlocutores: “Ora, você acha que eu posso discutir política com tanta gente reunida?”.

Agora, entretanto, diante da assembleia permanente dos manifestantes na internet, ela parece disposta a adotar um pouco do assembleísmo que era a marca do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, Lula tem sua origem nos sindicatos onde as decisões são tomadas em amplos auditórios. O ex-presidente, todos os anos, reunia os governadores em Brasília para discutir projetos. Obviamente, no curto prazo os resultados não eram expressivos, mas valia a foto e o contato entre autoridades, a troca de ideias e experiências.

A foto de hoje ajudará nesse sentido de atuação conjunta e a colocar todos no mesmo barco, no estilo “vamos dar as mãos”, distribuindo ainda o desgaste. Há quem esteja com receio de que o resultado da reunião seja a presidente cobrando apenas dos governadores as soluções, jogando o coquetel molotov da cartase coletiva das ruas no colo deles. Se fizer isso, não vai funcionar, uma vez que a União concentra hoje maior parte da arrecadação de impostos. Se quiser fazer essa cobrança, terá que dividir também os recursos para atendimento da demanda das ruas.

Enquanto isso, na OAB...
Ontem, mencionei aqui a proposta de reforma política que Márlon Reis apresentará hoje na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A espinha dorsal é uma tentativa de reduzir o peso das empresas nas campanhas, por tabela, na política, para dar lugar à cidadania. Hoje, diz ele as empreiteiras mandam. “Dos deputados eleitos, 369 estão entre aqueles que mais gastaram nas campanhas. Isso precisa mudar”, diz ele.

Por isso, o texto que ele apresentará para discussão acaba com as doações de empresas para campanhas políticas. A proposta preserva as contribuições de pessoas físicas, porém limitadas a um salário mínimo por pessoa (hoje seriam R$ 678). Um detalhe é que quem declarou não ter tido renda nos últimos anos não poderá fazer doações. Ou seja, as pessoas que hoje põem tudo em nome de empresas para fugir do Imposto de Renda estarão fora. Sem dúvida, teremos um São João e tanto.

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