sábado, junho 08, 2013

Tempos estranhos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 08/06

Outro dia, um amigo comentou, desconfiado a propósito dos últimos acontecimentos, que o país está "meio estranho". Em situação mais formal, coube ao ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello dizer, num julgamento em que o STF negou recurso sobre a morte em trote da USP, mantendo a decisão do STJ que encerrou a ação penal, que "tudo é possível porque os tempos são muito estranhos" Ainda não estamos nos "tempos interessantes" da maldição atribuída a Confúcio, tempos em que os riscos e os sofrimentos não cessam, impedindo a tranquilidade. Mas, pelo andar da carruagem, chegaremos lá.

Bastaria o caso da controvérsia causada pela declaração do ministro Gilberto Carvalho a um grupo de índios, revelando que a presidente havia dito que a ordem judicial de reintegração de posse da fazenda Buriti, em Mato Grosso do Sul, não deveria ter sido cumprida, para exemplificar os tempos estranhos que vivemos.

Dilma, evidentemente, garantiu em público que o governo brasileiro cumpre as leis. Carvalho soltou uma nota dizendo que fora um equívoco dele, que queria apenas demonstrar o sentimento da presidente pela morte de um índio no conflito.

Das duas, uma: ou Carvalho disse a verdade inconveniente, que não podia ser revelada, ou mentiu para os índios na tentativa de acalmá-los. Nas duas hipóteses, seria um auxiliar ineficiente, mas em Brasília acredita-se mais na primeira, o que desvenda mais uma vez a alma autoritária da presidente Dilma.

E é essa índole autoritária que vem sendo posta à prova nestes tempos conturbados que vivemos.

Quando afirmou, por exemplo, que não sacrificaria o desenvolvimento para conter a inflação, deixou no mercado a certeza de que aceitaria um pouquinho de inflação para aumentar o PIB, o que colocou todo mundo em alerta, com efeitos óbvios.

Mais adiante, disse que o país não tinha meios de controlar a subida do dólar, e mais uma vez o mercado se alterou.

A confusão em torno dos saques antecipados do Bolsa Família é mais um exemplo de como um governo descoordenado pode se machucar por conta própria. Diante do tumulto provocado por um suposto boato de que o programa iria acabar, Dilma disse que aquele era um ato "desumano".

O ex-presidente Lula lamentou a existência de pessoas "capazes de fazer tanto mal" aos mais pobres. E a ministra Maria do Rosário apressou-se pelo Twitter a insinuar que a origem dos boatos era a oposição.

Logo ficou claro que o erro fora cometido pela própria Caixa Econômica Federal, que liberou o pagamento do Bolsa Família sem obedecer ao calendário que ela própria estabelecera desde sempre.

Com isso, pessoas que foram ao banco fazer outras transações descobriram que o dinheiro já estava lá, e começou o boca a boca sobre a liberação antecipada.

Muitos entenderam que aquele era um sinal de que o programa iria acabar, outros acharam que era um bônus pelo Dia das Mães, o que marca bem o maternalismo que domina nossa política. Não se fala mais do tal call center do Rio de Janeiro que supostamente espalhara o boato. O presidente da Caixa teve de admitir o erro depois de tentar escondê-lo, e só o fez porque a "Folha de S. Paulo" denunciou que os pagamentos haviam sido antecipados.

Junto a essas trapalhadas, vêm as notícias ruins da economia, que resultam em advertência da agência Standard & Poor's de que o grau de investimento que o Brasil ganhou no governo Lula pode ser cassado se nos próximos dois anos a economia continuar demonstrando tamanha fraqueza e, sobretudo, problemas de inconsistência como inflação alta e déficits.

Já há quem mais uma vez sugira tirar o B do acrônimo Brics.

Nenhum dos programas oficiais está com seu cronograma em dia, seja o PAC, seja o Telefone Para Todos, seja o Minha Casa Minha Vida, ou as obras para a Copa do Mundo. Ou a queda forçada dos juros, que agora está tendo que ser revertida, ou a redução do custo da energia elétrica, que não chega aos 20% prometidos na televisão.

Todos têm a mesma característica: saem mais caro do que o anunciado e atingem menos pessoas.

Simplesmente porque não correspondem a nenhum planejamento, são fruto de um voluntarismo que não se baseia na realidade.

Algo assim como querer tirar da rota do avião presidencial as nuvens turbulentas.

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