quinta-feira, junho 06, 2013

Geração após geração - CARLOS RAMALHETE

GAZETA DO POVO - PR

Há alegrias que vêm de súbito e ficam na memória. Outras, todavia, começam ocultas e vão crescendo às claras, por vezes literalmente. A maior delas, creio eu, são os filhos. Um rapaz e uma moça se amam – há receitas artificiais, que estão para a natural como comprimidos de vitaminas estão para uma fruta madura e sumarenta, colhida no pé em dia de verão; deixemo-las de lado – e desse amor surge, escondida ainda no ventre da mãe, uma pessoinha que é um pouco de um, um pouco de outro e tudo dela mesma.

Cada bebê, ainda antes de nascer, já tem temperamento próprio. E nasce, para alegria e pavor dos pais: o que fazer? Pode isso? Tem de fazer mesmo aquilo?! Um pavor tão perfeitamente irracional quanto é natural cuidar de um neném. Se mães precisassem de manuais, não haveria humanidade.

E cresce, o serzinho. Vai descobrindo o mundo, os olhinhos brilhando, as perninhas gorduchas ganhando firmeza, os dedinhos levando à boca tudo o que encontram. E cresce, vivendo aventuras mil, descobrindo coisas que os próprios pais ignoravam. O temperamento, que no mais das vezes já se podia discernir até no ritmo dos chutes que dava ainda na barriga da mãe, soma-se à criação e às oportunidades, no intrincadíssimo processo de construção de uma pessoa, que começa na concepção e não acaba enquanto vivemos.

Um dia, o pai ou a mãe tem a doce alegria de ver um brinquedo numa loja e pensar “que pena que não vi isso anos atrás, quando faria tão feliz minha criança, que não o é mais!”. Aí perguntamos àquela moça ou àquele rapaz que um dia foram nossos bebês se se lembram deste ou daquele brinquedo ou prazer intenso que um dia tiveram. Não, não lembram. São segredos que ficam guardados no coração dos pais.

As alegrias e preocupações se renovam, crescem e tornam-se crônicas e agudas ao mesmo tempo. Aqueles pedaços do coração da gente – que aprenderam a andar segurando-nos os indicadores com as mãozinhas gorduchas – têm a audácia de se tornar como éramos quando os geramos. Têm o desplante de, julgando-se imortais como nós um dia nos julgamos, sair à noite, apaixonar-se, casar-se e nos dar netos, que são filhos com açúcar.

A imortalidade de que todo jovem se julga dotado é, na verdade, a imortalidade da espécie humana, das possibilidades infinitas que existem para uma moça e um rapaz. Desde que o mundo é mundo, os encontros de olhares apaixonados prometem a vida que há de vir, a repetição infinita e sempre tão nova das mesmas descobertas, a continuação, pelo amor, da beleza que é sermos humanos.

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