quinta-feira, junho 27, 2013

As manifestações e a economia - MARCELO MITERHOF

FOLHA DE SP - 27/06

O problema é que o Brasil não é rico o bastante para que seja possível prover os serviços públicos desejados


As manifestações que tomaram conta do país partiram de uma reivindicação concreta, a revogação de reajustes nas tarifas de ônibus, para ecoar insatisfações amplas.

Ainda assim, elas podem ser resumidas na exigência de um Estado de bem-estar social mais bem acabado, com educação e saúde de qualidade etc.

Havia também reclamações contra a carga tributária, a inflação e a corrupção. Ao que parece, há um entendimento de que o combate à corrupção liberaria recursos para atender a todas as demandas e ainda reduzir os impostos e a inflação.

A corrupção é perniciosa e piora o atendimento à população. Ela precisa ser cotidianamente combatida. No entanto, não tem o poder de resolver todas as mazelas do país.

Um discurso anticorrupção muito geral é regressivo e paralisante, pois estabelece prejulgamentos e falsas dicotomias, dificultando o enfrentamento dos problemas. Tentei tratar disso na coluna "Corrupção?", de 01/11/2012.

Mas o tema de hoje é outro. Mesmo difusas, as reivindicações mostram que os avanços dos últimos anos estão longe de ser suficientes.

É verdade que tais avanços não se limitaram ao crescimento econômico e ao consumo massivo. Por exemplo, de 2001 a 2011, cresceram os gastos em relação ao PIB com educação (de 4,8% para 6,1%) e saúde (de 3,2% para 3,8%), o que se reflete na melhora de vários indicadores, como o aumento do percentual de adultos com o ensino médio completo e a queda da mortalidade infantil.

O problema é que o Brasil não é rico o bastante para que seja possível prover os serviços públicos desejados. É preciso retomar o crescimento para dobrar a renda per capita em 15 anos ou 20 anos, atingindo o piso dos países avançados.

Isso não quer dizer que os desejos vindos das ruas são insensatos. Pelo contrário, a ampliação do Estado de bem-estar social, além da melhoria direta dos serviços públicos, gera uma demanda autônoma por parte do Estado, que induz crescimento pelo efeito multiplicador da renda.

Essa elevação do gasto público também reduz as despesas familiares com os serviços essenciais, elevando os salários reais e distribuindo a renda. Por exemplo, a redução das tarifas do transporte público alivia o orçamento dos mais pobres.

Esse processo é poderoso porque eleva a propensão ao consumo. Afinal, seria estranho que alguém que ganha pouco --e não tem acesso integral ao padrão básico de consumo moderno-- poupe parte dos aumentos reais que obtém.

Há um círculo virtuoso: acelerar a melhora do Estado de bem-estar social favorece o crescimento, que, por sua vez, cria as condições para que os serviços públicos possam seguir melhorando.

Porém essa estratégia mexe com o equilíbrio de políticas estabelecido pelo atual governo na economia.

A sua grande aposta foi acelerar a redução dos juros rumo ao padrão global. Tal iniciativa é crucial para a normalização das condições de crédito no Brasil. Mas o impacto imediato no crescimento é limitado: o investimento é condicionado principalmente pelas perspectivas da demanda, e não pelo custo do dinheiro.

No campo fiscal, a ação do governo envolveu desonerações tributárias para favorecer a produção nacional em relação à externa.

Essas desonerações atenderam a antigas reivindicações empresariais pela redução do custo de produzir no Brasil. Houve ainda o ganho associado à desvalorização cambial, que torna os preços das mercadorias brasileiras menores em dólar.

Ainda assim, o crescimento não foi retomado. As margens de lucro puderam se recompor, mas isso não gera demanda, que é o vetor do investimento privado.

A questão em jogo é que o fortalecimento do Estado de bem-estar social disputa recursos fiscais com essa "agenda da competitividade", cujo montante previsto de desonerações para 2013 é de R$ 70 bilhões.

A demanda por mais serviços públicos também pressiona a geração de superavit primários, cuja meta para este ano supera R$ 100 bilhões. Com uma dívida pública líquida de apenas 35% do PIB, o fim do superavit primário não é um problema. Entretanto, superá-lo exige romper com a sabedoria econômica ortodoxa, que continua sugerindo mais austeridade.

Esses são dois conflitos políticos que precisarão ser enfrentados para atender ao chamado das ruas.

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