“Conflito entre canibais e antropófagos”. Com esse impagável veredicto sobre o embate entre manifestantes e policiais na quinta-feira, em São Paulo, o veterano jornalista Elio Gaspari atalhou a habitual lengalenga que acompanha o noticiário sobre a repressão aos protestos de rua.
As partes estavam dispostas a tudo e não perderam tempo para exibir a sua disposição. Foram igualmente insanas e irresponsáveis. Sobrou para os repórteres que, como Gaspari, lá foram para testemunhar e registrar o que acontecia – sete profissionais da Folha foram atingidos por balas de borracha disparadas pela PM, dois deles no rosto.
A refrega era previsível e não apenas porque foi o quarto episódio numa série iniciada há dez dias e que ameaça irradiar-se pelo país, mas porque há uma tensão mundial que encurta drasticamente os pavios e favorece as explosões de fúria (como, aliás, foi dito aqui há uma semana). No Brasil, o pretexto está sendo o aumento das tarifas do transporte urbano; em Istambul é a destruição de uma das últimas áreas verdes da cidade. Nos dois casos, a impaciência que estrategistas e marqueteiros teimam em ignorar.
A questão vai além das divergências sobre o limite de tolerância dos regimes democráticos com as manifestações populares. A fórmula de ir à rua para chamar a atenção pelo incômodo exibe sinais de fadiga. As ruas mudaram, as cidades mudaram, a forma de despertá-las mudará obrigatoriamente.
Filhas da segunda metade do século passado, as exibições políticas de massa tiveram o seu momento estelar em Paris, maio de 1968. Essa primavera libertária chegou ao Oriente Médio com 45 anos de atraso; foi razoavelmente sucedida no Egito, mas na Síria as ruas converteram-se em campos de batalha onde quase 100 mil vidas já foram sacrificadas sem qualquer indício de desfecho à vista.
O repertório de ações políticas não violentas (de certa forma criado pelo pacifista indiano Mahatma Gandhi) cresceu exponencialmente com a entrada em cena da comunicação digital. O espaço público está de tal maneira congestionado e tumultuado que foi obrigado a alçar voo e aninhar-se no ciberespaço. A solidariedade e a persuasão ficaram mais acessíveis, ganharam novos estímulos e oportunidades, a mobilização para o dissenso e a não cooperação se tornou fácil. São mais eficazes que os antiquados coquetéis molotov que, na Segunda Guerra Mundial, inutilizavam os tanques, mas hoje são incapazes de ganhar eleições.
A ira está solta. Com o quinto protesto marcado para a próxima segunda-feira, pouco adianta distinguir os canibais dos antropófagos. As tarifas de transporte foram aumentadas por causa da inflação. E a inflação não se enfrenta na rua, mas fazendo contas – nos gabinetes, nos plenários dos Legislativos. Ou nas urnas.
Caro amigo, gostei muito desse seu artigo sobre as manifestações, sou estudante de jornalismo, estou no meu ultimo ano. Acompanhando as notícias, vejo que nem as urnas é o meio mais eficaz de mudar essa realidade que vive nosso país, denuncias de manipulação de eleições, urnas eletrônicas programadas e etc. Acho que nem se o brasileiro começar a votar certo, vai ser eficaz essa atitude, pois as campanhas começam, sabendo quem vai ganhar...grande abraço!!!
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