domingo, maio 26, 2013

Uma relação de desconfiança - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 26/05

A presidente Dilma Rousseff quer e precisa que o investimento - público e privado - prospere, ganhe força e se multiplique. Para isso, reduziu a taxa de juros Selic; distribuiu incentivos fiscais para indústrias escolhidas; desonerou a folha de pagamento de 42 setores de empresas; lançou uma política industrial e de investimento com o Plano Brasil Maior; criou inúmeros programas de crédito subsidiado no BNDES, alguns até com juros negativos de 2,5% ao ano; e, na linha de mostrar ao mundo a potência do "Brasil grande", fez do BNDES sócio de empresas que se tornariam campeãs nacionais, players globais que, em seus segmentos, dominariam o mercado mundo afora. Por fim, Dilma ainda cedeu à privatização, prometendo entregar para empresas privadas a exploração de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, geração e transmissão de energia.

Com tudo isso, nosso raquítico Produto Interno Bruto (PIB) cresceu só 2,7% em 2011, caiu para 0,9% em 2012 e, para 2013, as estimativas começaram em 4,5%, desabaram para 3,5% e, agora, para 3% ou até abaixo disso. Com tudo isso, nossa taxa de investimento - que precisa chegar a pelo menos 25% do PIB para garantir crescimento econômico contínuo - recuou de 19,5%, em 2010, para 19,3%, em 2011, e 18,1%, em 2012.

Há algo esquisito que fez frear, em vez de acelerar, investimentos produtivos nestes dois anos e cinco meses de governo Dilma. Algo muito esquisito, que deveria levar a presidente a refletir e indagar por quê. Toda essa hiperatividade, essa profusão de ações de estímulo, resulta em queda do investimento? Afinal, o que está havendo? Por que não dá certo? O que está emperrando?

O ex-ministro Delfim Netto, conselheiro dos governos Lula e Dilma, identifica o problema no que chamou de "uma relação desconfortável de desconfiança mútua entre o setor privado e o governo", em artigo publicado há dias no jornal Valor Econômico. Antes, Delfim já havia criticado o modelo de licitações de projetos de infraestrutura: ao definir e tabelar o lucro do negócio o governo afasta, em vez de atrair, investidores privados. Mas os conselhos do conselheiro não têm sido acatados pela presidente.

Delfim tem razão nas duas vezes. Dilma Rousseff sempre viu os empresários como "classe dominante", portanto, inconfiável. Desde 2003, quando ainda era ministra de Minas e Energia, ela manifestava esse sentimento nas reuniões do setor elétrico: considerava mentirosos os números levados pelas empresas. Na época, os investimentos pararam à espera das novas regras da ministra. Dez anos de experiência em posições de comando de uma economia capitalista privada e o fantasma da "classe dominante" continua presente.

O modelo de licitação das rodovias é sintomático. Em vez de criar regras inteligentes e atrativas para acirrar a disputa no leilão e deixar por conta dos consórcios definirem a menor taxa de lucro, o governo a engessou e fixou-a em 5,5%. Resultado: interesse zero do setor privado, o que levou Dilma a recuar, elevando a taxa de remuneração, mas sem abrir mão de fixá-la.

Dilma parece partir da convicção de que empresário privado trapaceia, engana, não joga limpo e, para conter sua ganância, cabe ao governo decidir por ele. E descarta conceber regras que tornem possível obter resultados até melhores deixando fluir a livre concorrência, a disputa entre eles para vencer o leilão - modelo bem-sucedido no passado e adotado no mundo inteiro.

Por sua vez, o empresário também desconfia do governo. Desconfia da competência da equipe econômica, de mudanças de regras no meio do caminho que prejudiquem seu negócio, acha que a presidente intervém com enorme frequência na economia privada, criando incertezas que impedem o planejamento de longo prazo das empresas. Alguns desistem do investimento, outros engavetam seus planos e esperam, poucos arriscam. Por isso nossa taxa de investimento caiu nos dois primeiros anos de governo Dilma, mesmo com o BNDES emprestando dinheiro barato.

A decepção com os investimentos é reconhecida mesmo dentro do governo. Em entrevista ao Broadcast (serviço em tempo real da Agência Estado), o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), senador Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou: "Vou insistir muito para tentar salvar esta reforma do ICMS, porque, sinceramente, já há um clima de paralisação de investimentos e os empresários não vão investir se não tiver uma definição muito clara sobre isso".

Apesar disso, não há nenhum movimento para mudar o que está errado. Pelo contrário, a cada resultado econômico ruim, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entra em cena descrevendo o melhor dos mundos: "A economia vem mostrando reações positivas aos incentivos que criamos e vai continuar mostrando com mais força", repete, como se habitasse outro país.

O que deu certo. O sucesso do último leilão do petróleo foi um belo gol de placa do governo Dilma. Mostrou ser possível atrair o capital privado e obter resultados excelentes - que contrastam com o fracasso de licitações em outras áreas. Claro, cinco anos de jejum ajudaram a animar empresas privadas, sequiosas por explorar petróleo e gás no Brasil. Mas a razão maior do sucesso foram as regras do leilão, as mesmas aplicadas desde o governo FHC, o que mostra que a estabilidade regulatória é critério de enorme importância em decisões de investimento. Resultado: 30 empresas participaram, 18 delas estrangeiras, o governo arrecadou R$ 2,8 bilhões (ágio de 628%) e há garantia de investimentos mínimos de R$ 7 bilhões nos próximos anos, fora a geração de empregos, impostos e a receita com o petróleo a ser extraído. Mudar regras a todo instante, como tem feito o governo Dilma, gera incertezas e afugenta investidores.

As novas regras de investimento em terminais portuários constituíram outro sucesso, apesar da confusão em sua aprovação no Congresso Nacional. Elas substituem normas anacrônicas que, por décadas, emperraram projetos privados e criaram gargalos, elevando o custo de exportar. Mas o segredo do sucesso foi a negociação antecipada com potenciais investidores. O governo não decidiu olimpicamente sozinho, como fez na renovação das concessões elétricas.

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