sábado, maio 18, 2013

O discurso torto de Marina Silva - LEONARDO CAVALCANTI


CORREIO BRAZILIENSE - 18/05

Em meio ao desgaste da votação da medida provisória dos portos, os governistas esboçaram um pequeno e rápido sorriso, tal qual o cão Muttley, um dos personagens de A corrida maluca. Na terça-feira à noite, com o balcão aberto para negociação de emendas, os petistas se detiveram por alguns momentos nas declarações da ex-senadora Marina Silva sobre o pastor Marcos Feliciano (PSC-SP). Lá, no Recife, para um auditório lotado de estudantes da Universidade Católica, a líder da Rede Sustentabilidade disse o seguinte: “Feliciano está sendo mais criticado por ser evangélico do que por suas posições políticas equivocadas. Aí, a gente acaba combatendo um preconceito com outro”.

Com a reportagem publicada no site do Diario de Pernambuco, instalou-se um debate entre marineiros e governistas nas redes sociais por causa da declaração. Marina, de alguma forma, estaria defendendo Marco Feliciano? E tome sopapos, de um lado e do outro. Aqui, é preciso um pouco de calma e nada melhor do que analisar a frase 72 horas depois de ter sido proferida. É razoável afirmar que, não, a ex-senadora não queria fazer uma defesa de Feliciano. A mulher é muito maior do que o pastor, tem preocupações sociais mais legítimas e, de mais a mais, possui uma história política que a transforma numa das mais respeitáveis personagens brasileiras atualmente.

Encruzilhada
Mas é claro que há um ponto controverso na frase de Marina, algo que a deixa numa encruzilhada política. E ela, como poucos, sabe disso. Primeiro, do ponto de vista da pura marquetagem, a declaração é desnecessária e a presidenciável poderia ter evitado. A menor vinculação com o pastor homofóbico pode ser devastadora, para qualquer candidato, em qualquer circunstância. Depois, porque Marina tem um discurso torto, em que mistura meio ambiente e, quando perguntada, pautas contra casamento entre pessoas do mesmo sexo, legalização da maconha ou aborto. Na prática, ao falar de um preconceito contra evangélicos, Marina puxa o debate para si. Afinal, é integrante da Assembleia de Deus.

As ideias conservadoras da presidenciável — pelo menos uma parte, vá lá — foram postas em xeque na campanha de 2010 e são lembradas pelos adversários a todo instante. Para Marina, tal exposição é o pior que pode ocorrer. Afinal, parte do eleitorado se identifica com o discurso verde, mas defende a descriminalização da maconha ou a legalização do aborto nos primeiros meses de gestação ou o casamento igualitário — ou até os três ao mesmo tempo. Explorar tais temas, para Marina, sempre foi e sempre será um problema. Assim, vive um dilema. Quase sempre consegue se sair bem das perguntas envolvendo temas conservadores. Mas se equivocou na declaração sobre Feliciano.

Visibilidade
O deputado-pastor não é criticado por ser evangélico. É, isso sim, acusado de homofobia e racismo. E, ainda assim, ter assumido a presidência da Comissão de Direitos Humanos, pautada por temas sobre a ética e a dignidade, projetos que podem estimular a convivência social pacífica. Nada a ver com a intolerância dos discursos do político. Feliciano também foi alvo de reportagens, incluindo do Correio, com denúncias sobre contratações irregulares pelo gabinete parlamentar. Isso não está associado ao fato de o deputado ser evangélico, mas com um conceito da Ciência Política que relaciona a visibilidade com o tamanho do escândalo — quanto maior o cargo, maior a repercussão.

Entre os quase 20 milhões de eleitores de Marina em 2010, há gente que votou e deverá votar nela novamente, sem se importar se é evangélica, católica ou espírita. Ela é a prova de que, neste caso, o preconceito está de fora do jogo. Para terminar, a ex-senadora é vítima de manobra ardilosa da base governista, que tenta aprovar projeto com o único objetivo de inviabilizar a criação do partido Rede Sustentabilidade. Os petistas sabem o estrago que ela pode fazer caso consiga emplacar a nova legenda em 2014. Por isso, ao lerem a declaração de Marina sobre Feliciano, esboçaram o sorriso do cachorro Muttley.

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