quarta-feira, maio 01, 2013

Jogo de empurra - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 01/05

BC e Tesouro empurram a economia em direções opostas. um tenta segurar a demanda, o outro busca estimulá-la


Os sinais de piora do desempenho fiscal do país se avolumam. Há pouco o secretário do Tesouro anunciou que o governo federal deixaria de elevar o seu superavit primário para compensar eventuais desvios de Estados e municípios.

Mais recentemente voltou à carga, avisando que, "em 2013 e 2014, e provavelmente será essa a política em 2015 e 2016, o superavit primário será sempre uma variável da economia, e não mais da dívida pública em si".

Gramática trôpega à parte, trata-se da velha tentativa de vender a incapacidade do governo de atingir a meta fiscal como se fosse uma política deliberadamente anticíclica, isto é, de redução do superavit em anos de fraqueza da economia, a ser compensada pelo seu aumento em anos melhores. Aliás, não por coincidência o anúncio coincidiu com a divulgação da queda de 41% no superavit primário federal.

O próprio enunciado acima deixa clara a natureza do problema. O governo alegremente gasta mais quando considera que o desempenho econômico é inferior àquilo que gostaria de obter em termos de crescimento. Já a segunda parte, a redução dos gastos quando a economia tem um desempenho melhor, é uma promessa --ao contrário da primeira-- jamais cumprida.

Isso, porém, é mais do que sabido e não vale nova discussão aqui, apesar da repetida insistência governamental no conto da política anticíclica.

A questão que quero analisar hoje é a definição do gatilho que deflagraria a política supostamente anticíclica.

Parece claro que a motivação para esse tipo de medida é a premissa de que o crescimento depende apenas da demanda. Assim, quando o crescimento atinge níveis que o governo julga baixos, seria o seu papel acelerar a expansão do produto por meio do aumento do gasto (ou redução de tributos).

O problema é que, como a evolução recente da economia brasileira tem ilustrado, o baixo crescimento pode não resultar da fraqueza da demanda, mas da incapacidade de expansão da oferta. Posto de outra forma, o que o governo toma como redução do crescimento relativamente ao potencial da economia pode ser, na verdade, a expressão de que o crescimento potencial pressuposto é exagerado.

Concretamente, a experiência do período 2004-2010 parece ter cristalizado, em particular no Ministério da Fazenda, a visão de que a capacidade de expansão do país seria algo na faixa de 4% a 4,5% ao ano. Quando, portanto, o crescimento ficasse abaixo disso, a política fiscal deveria se tornar expansionista (e nem menciono o vice-versa, que na prática nunca aconteceu).

Ocorre que, como já argumentei aqui, muito embora o crescimento médio entre 2004 e 2010 tenha, de fato, ficado nesses níveis, esse ritmo não poderia ser tomado como medida de potencial do país por um motivo bastante simples: a taxa de desemprego caiu de forma sistemática no período. Caso aquele ritmo fosse próximo ao potencial, a taxa de desemprego teria ficado estável.

Não é por outro motivo que até o BC admite que o crescimento mais lento se deve a "limitações do lado da oferta", expressas, segundo seu diretor de Política Econômica, num potencial modesto, na faixa de 3% ao ano, um dos motivos que induziram o Copom a iniciar seu arremedo de aperto monetário.

Em razão disso, temos BC e Tesouro empurrando a economia em direções opostas. Um tentando timidamente segurar a demanda, outro preocupado em estimulá-la (e ninguém pensando em como expandir a oferta).

Obviamente, o BC, constrangido, subirá apenas modestamente a taxa de juros, enquanto o Tesouro deverá seguir reduzindo o superavit primário, além de ter dado rédeas livres para que Estados e municípios façam o mesmo, não por acaso a um ano das eleições.

Não é necessária uma bola de cristal para saber quem ganhará o jogo. Já os verdadeiros perdedores somos nós, que pagamos pela inflação resultante dessa combinação de política. A barriga empurra a conta e, quando vier a cobrança, ainda nos lamentaremos dessas estripulias fiscais.

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